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Quer ser promotor de justiça? Só estudando concordância...

No dia 13 de abril de 2008, realizou-se a prova preambular para o ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

27/5/2008


Quer ser promotor de justiça? Só estudando concordância...

Eduardo Sabbag*

No dia 13 de abril de 2008, realizou-se a prova preambular para o ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

Tradicionalmente, a prestigiosa Instituição solicita, em seu disputado certame, 20 questões objetivas de gramática da Língua Portuguesa, com acentuado grau de exigência, demonstrando uma salutar preocupação em cobrar o domínio do português daqueles que aspiram se tornar Promotores de Justiça, naquele Estado. Frise-se que são 20 questões de português, entre 90 testes possíveis, indicando o significativo peso que a respeitável Banca Examinadora atribui à Língua Portuguesa, nesta fase inicial do processo seletivo.

Analisando a prova, notei testes bem elaborados, que percorrem os principais pontos da gramática, indispensáveis à formação lingüística do usuário da Língua, sobretudo do operador do Direito, que dela depende dia a dia. Destacam-se pontuais testes de acentuação, pontuação, crase, colocação pronominal, regência, concordância, entre outros pontos do Edital, porém todos com uma característica marcante: o candidato deve conhecer o tema proposto e, além disso, não se deixar perder nas alternativas – que são habilmente tendentes à confusão!

Três testes deste concurso me levaram a confeccionar este artigo, em razão, exatamente, da "pegadinha" que encerram em seu teor: o gabarito apontou como correta a opção "nenhuma das alternativas anteriores". Mas qual o problema nisso? Além de os testes serem sucessivos – o que mexe com o equilíbrio emocional do examinando –, contemplam assertivas muito adequadas para uma prova em concurso.

Passemos à análise sucinta das questões 17, 18 e 19 da prova respectiva:

17ª Questão: Analise as seguintes orações:

I – Remeto-lhe incluso uma fotocópia do recibo.

II – Esses produtos passam a custar mais caro.

III – Vão anexos os pareceres das comissões técnicas.

IV – Os prédios devem ficar o mais afastados possíveis.

V – As meninas iam todas de branco.

Assinale a alternativa correta quanto à concordância nominal das frases:

A.( ) As proposições I, II e III são corretas.

B.( ) As proposições II, IV e V são incorretas.

C.( ) A proposição III é a única correta.

D.( ) As proposições I e V são incorretas.

E.( ) Nenhuma das alternativas anteriores.

Comentários: a questão versa sobre concordância nominal. Como se disse, nenhuma alternativa trouxe resposta viável, devendo o candidato optar pela letra "E".

Proposição I: Remeto-lhe incluso uma fotocópia do recibo.

A palavra "incluso", de valor adjetivo, na acepção de incluído, concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere – no caso, "fotocópia", um substantivo feminino. A propósito, os vocábulos "anexo" e "apenso" seguem a mesma regra.

Portanto, a frase está errada, devendo ser corrigida por "Remeto-lhe inclusa uma fotocópia do recibo" ou, com vírgulas, "Remeto-lhe, inclusa, uma fotocópia do recibo"1.

Proposição II: Esses produtos passam a custar mais caro.

O adjetivo "caro", quando ocupa a função de advérbio, fica invariável, conquanto exista registro, entre os escritores clássicos, da utilização de "caro", como advérbio, mas flexionado.

Portanto, afastado o dissenso, a frase está correta, não apresentando impropriedades2.

Proposição III: Vão anexos os pareceres das comissões técnicas.

A explicação para a palavra "anexo" pode ser extraída dos comentários feitos à proposição I, em epígrafe.

A frase, portanto, está correta, não apresentando impropriedades3.

Proposição IV: Os prédios devem ficar o mais afastados possíveis.

O adjetivo "possível", usado em expressões superlativas, pode variar ou não. De um lado, usa-se "o mais possível", indicando, por exemplo, "o mais (inteligente) possível". Assim, quando a expressão superlativa iniciar-se com a partícula -o (o menos, o mais, o menor, o maior etc.), o singular será de rigor no adjetivo "possível". De outra banda, pode-se usar, caso o contexto admita, a forma plural "os mais possíveis" (por exemplo, "os mais (inteligentes) possíveis").

Portanto, a frase está errada, devendo ser corrigida por "Os prédios devem ficar o mais afastados possível"4.

Proposição V: As meninas iam todas de branco.

A palavra "todo", embora se mostre como advérbio, no sentido de inteiramente, completamente, costuma-se flexionar, concordando, por atração, com o termo que modifica. Todavia – é bom frisar –, há registros na gramática, abonando o uso de "todo", neste caso, na forma invariável (Os píncaros dos montes estavam todo cobertos de neve).

Portanto, afastado o dissenso, a frase está correta, não apresentando impropriedades5.

Note que, no confronto com as alternativas, nenhuma satisfaz os julgamentos das proposições acima comentadas. Diante disso, restou a saída da alternativa "E".

Passemos, agora, à 18ª questão da prova:

18ª Questão: Em relação às sentenças abaixo:

I – Cantar, dançar e representar faz a alegria do artista.

II – O exército dos aliados desembarcou na Itália.

III – Devem ter fugido mais de vinte presos.

IV – A maioria dos trabalhadores recebeu essa notícia com alegria.

Todas as proposições acima estão erradas, exceto:

A.( ) A proposição II

B.( ) A proposição III

C.( ) A proposição I

D.( ) A proposição IV

E.( ) Nenhuma das alternativas anteriores

Comentários: a questão versa sobre concordância verbal. Como se disse, nenhuma alternativa trouxe resposta viável, devendo o candidato optar pela letra "E".

Proposição I: Cantar, dançar e representar faz a alegria do artista.

Quando o sujeito da oração for composto de núcleos formados por verbos no infinitivo, deve-se, preferencialmente, manter o verbo no singular, exceto se os infinitivos vierem determinados por artigo ("O comer e o beber são necessários à sobrevivência" ). Todavia, como se notou, trata-se de entendimento oscilante, podendo haver tolerância quanto à forma plural do verbo.

Portanto, afastado o dissenso, a frase apresentada está correta, aceitando-se alternativamente, "Cantar, dançar e representar faz / fazem a alegria do artista"7.

Proposição II: O exército dos aliados desembarcou na Itália.

Quando o sujeito coletivo vem seguido de palavra que menciona os indivíduos nele contidos, o verbo pode ficar no singular ou no plural. Frise-se que a idéia do todo melhor se destaca no singular, enquanto a ação dos indivíduos é mais bem realçada com o uso do plural, à luz da concordância intitulada "ideológica".

Portanto, a frase apresentada está correta, aceitando-se alternativamente, "O exército dos aliados desembarcou / desembarcaram na Itália"8.

Proposição III: Devem ter fugido mais de vinte presos.

Quando o sujeito é introduzido pela expressão "mais de um", o verbo fica no singular ("Mais de um jogador foi suspenso pela federação"). Se, todavia, há a utilização de expressões com numerais superiores a um, o plural será de rigor ("Mais de dois saíram")9.

Portanto, a frase está correta, não apresentando impropriedades10.

Proposição IV: A maioria dos trabalhadores recebeu essa notícia com alegria.

A frase, do saudoso paulista Amando Fontes, professor de português e Deputado Federal (por Sergipe), indica a concordância verbal com a expressão partitiva "a maioria de", podendo o verbo, quando posposto ao sujeito, concordar tanto com o núcleo da expressão como com o substantivo que a segue. Neste último caso, prestigiam-se a ênfase e a expressividade, no bojo da idéia de pluralidade sugerida pelo sujeito.

Portanto, a frase apresentada está correta, aceitando-se alternativamente, "A maioria dos trabalhadores recebeu / receberam essa notícia com alegria"11.

Note que, no confronto com as alternativas, nenhuma satisfaz os julgamentos das proposições acima comentadas. Aliás, o enunciado da questão é capcioso, podendo levar o candidato a equívocos, quando indica que "todas as proposições acima estão erradas, exceto (...)". Assim, a ressalva deveria abranger todas as alternativas acima explicadas, uma vez que todas as proposições estão corretas! Diante disso, restou a saída da alternativa "E".

Vamos, por derradeiro, à 19ª questão da prova:

19ª Questão: Marque as alternativas gramaticalmente corretas, quanto à concordância verbo-nominal.

I – Esta jovem, ela próprio irá a Brasília avistar-se com o Presidente.

II – É necessário a paciência de todos para superarmos esses problemas.

III – Eram perto de meio-dia, quando Mônica chegou.

IV – Não se ouviam murmúrios na sala.

V – Aconteceu, ontem, alguns fatos interessantes.

A.( ) I e IV

B.( ) II e V

C.( ) IV e V

D.( ) II, III e IV

E.( ) Nenhuma das alternativas anteriores

Comentários: a questão versa sobre concordância verbo-nominal. Como se disse, nenhuma alternativa trouxe resposta viável, devendo o candidato optar pela letra "E".

Proposição I: Esta jovem, ela próprio irá a Brasília avistar-se com o Presidente.

O termo "próprio", posposto a um pronome pessoal, com este deve concordar (ela própria; eles próprios; nós próprios), pois se mostra com um caráter reforçativo. Idêntica construção se dá com o vocábulo "mesmo" (ela mesma; eles mesmos; nós mesmos)12.

Portanto, a frase está errada, devendo ser corrigida por "Esta jovem, ela própia irá a Brasília avistar-se com o Presidente".

Proposição II: É necessário a paciência de todos para superarmos esses problemas.

Na estereotipada locução "é necessário", mesmo que o sujeito seja substantivo feminino, singular ou plural, o predicativo (necessário) deverá estar na forma do masculino singular. Tal raciocínio estende-se às expressões sucedâneas "é bom", "é preciso", entre outras ("Água é necessário"; "Férias é preciso"; "Cerveja é delicioso"). Entretanto, se houver a presença de artigo ou pronome demonstrativo, o adjetivo deverá concordar com o substantivo ("A água é necessária"; "As férias são precisas"; "Sua cerveja é deliciosa")13.

Portanto, a frase está errada, devendo ser corrigida por "É necessária a paciência de todos para superarmos esses problemas".

Proposição III: Eram perto de meio-dia, quando Mônica chegou.

Quando o atributo no plural estiver regido de certas locuções prepositivas – cerca de, perto de, entre outras –, o verbo ser, a elas anteposto, pode ficar no singular ou no plural. Exemplos clássicos, contendo grifos nossos, com atributos pluralizados: "Era perto de nove horas" (Machado de Assis); "Eram perto das duas horas" (Alexandre Herculano); "Eram cerca de quatro horas" (José de Alencar). Todavia, o atributo observado neste teste – "meio-dia" – é singular, não havendo motivo para a pluralização da expressão "era perto de".

Portanto, a frase está errada, devendo ser corrigida por "Era perto de meio-dia, quando Mônica chegou".

Proposição IV: Não se ouviam murmúrios na sala.

Em caso de voz passiva sintética, o verbo deve, necessariamente, concordar com o sujeito paciente. A frase apresentada – "Não se ouviam murmúrios na sala" – está adequada, de acordo com a norma culta, equivalendo a "Murmúrios na sala não eram ouvidos". Note que é fácil perceber o núcleo do sujeito na oração (murmúrios), que, estando no plural, imporá a pluralização do verbo (ouviam). Este é o clássico caso em que a partícula "se" é intitulada "apassivadora do sujeito". Outros bons exemplos, em que é possível notar a concordância do verbo com o sujeito no plural: "Ainda se viam casas intactas após o terremoto"; "Todas as brigas se têm resolvido com diálogo"; entre outros14.

Portanto, a frase está correta, não apresentando impropriedades.

Proposição V: Aconteceu, ontem, alguns fatos interessantes.

O verbo "acontecer" é pessoal e deve concordar com o sujeito da oração. O mesmo raciocínio estende-se aos verbos "existir" e "ocorrer" ("acontecem / existem / ocorrem bastantes problemas dia a dia")15.

Portanto, a frase está errada, devendo ser corrigida por "aconteceram, ontem, alguns fatos interessantes".

Note que, no confronto com as alternativas, nenhuma satisfaz os julgamentos das proposições acima comentadas. Diante disso, restou a saída da alternativa "E".

Como se pôde notar, os três testes, trazidos no certame, em ordem sucessiva – e com gabaritos propositadamente capciosos, indicativos da letra "E" –, exigiram bastante cautela dos candidatos. De tudo, algo ficou bem claro: a eminente Banca Examinadora demonstrou, com competência, aquilo que quer – selecionar os candidatos mais bem preparados, e, entre estes, aqueles que conhecem, de fato, nossa Língua Portuguesa! Quer, então, ser Promotor de Justiça? Só estudando Concordância...

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1 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla, 46ª ed., São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 2005, p. 443.

2 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 445.

3 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 443.

4 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 444.

5 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 445.

6 Ver Redação Forense e Elementos da Gramática, Eduardo de Moraes Sabbag, 2ª ed., São Paulo: Premier Maxima, 2006, p. 388.

7 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 454.

8 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 455.

9 Ver Redação Forense e Elementos da Gramática, idem, pp. 383/384.

10 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, idem, p. 458.

11 A frase, ipsis litteris, pode ser observada na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, ibidem, p. 456. Amando Fontes – é bom frisar – utilizou, originalmente, a forma verbal no singular, o que foi textual e fielmente reproduzido na proposição constante da questão ora comentada.

12 Ver Redação Forense e Elementos da Gramática, idem, p. 378.

13 Ver Redação Forense e Elementos da Gramática, idem, p. 382.

14 Ver Redação Forense e Elementos da Gramática, idem, p. 282.

15 Ver Redação Forense e Elementos da Gramática, idem, p. 391.

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*Advogado; Doutorando <_st13a_personname productid="em Direito Tribut?rio" w:st="on">em Direito Tributário, na PUC/SP; Mestre <_st13a_personname productid="em Direito P?blico" w:st="on">em Direito Público e Evolução Social, pela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário e de Língua Portuguesa, no Curso LFG/PRIMA; Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação, <_st13a_personname productid="em Direito Tribut?rio" w:st="on">em Direito Tributário, na Rede LFG/UNISUL; Professor de Direito Tributário do Curso de Pós-graduação da UNISAL-Lorena/SP.

 

 

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