O fundamentalismo das boas intenções
Alexandre Forte*
Vivemos um tempo perigoso. Viver é sempre perigoso, já dizia Guimarães Rosa. Mas, o perigo de agora transcende a saga individual de jagunços e civis à paisana, dóceis e desarmados. Não está no crime comum, como às vezes querem nos fazer crer e ver. Também não está na geopolítica norte-americana como pretendem alguns apressados, não raro atacados pelo vírus do conspiracionismo xenófobo.
O perigo reside num órgão de cúpula internacional que, a pretexto do humanismo, travestido ou imbuído das mais nobres intenções, tem proposto e, com sucesso, imposto uma série de convenções chancelando e exigindo que se adotem as mais diversas políticas segregacionistas, racistas e discriminatórias.
Saltemos de banda da discussão de ditas políticas afirmativas. Triste de quem combater as cotas raciais. E mais triste ainda daquele que se atrever a ler o Brasil com as lentes de Gilberto Freyre.
A questão das cotas raciais é o de menos. Dá para suportar. Trágico mesmo é a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas adotada pela Resolução 61/2007 e assinada pelo Brasil. Com a discordância dos Estados Unidos da América, justiça seja feita ao governo norte-americano. Dita convenção acaba de vez com a soberania nacional, independentemente da demarcação contínua ou descontínua de reservas indígenas. Independente da Raposa do Sol ou dos lobos do primeiro mundo. Está expresso no artigo 3º da referida Declaração:
"Os povos indígenas têm o direito à autodeterminação. Em virtude daquele direito eles determinam livremente seu status político e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural".
Autodeterminação, diz o Aurélio, é o "princípio segundo o qual um Estado tem o direito de escolher sua própria forma de governo e ideologia". Ou seja, com esta Declaração, com força de lei internacional capaz de obrigar o Brasil em todos os seus termos, os índios decidirão se permanecem vinculados à nação brasileira, integrantes da Federação Brasileira, até com a possibilidade de constituírem estados-membros da federação brasileira ou se estabelecem eles próprios um Estado independente, com suas leis, com direito a manter ou não relações diplomáticas com o Brasil. Alguém pode achar que isso é exagero. Quem olha para o passado sabe que a Amazônia nunca foi uma posse inconteste. E as coisas mais surpreendentes da história aconteceram porque ninguém acreditava.
Mesmo que o Supremo Tribunal Federal venha a bater o martelo em prol da nação brasileira – e a nação antecede o Estado, lembra-nos o mestre Paulo Bonavides -, nada impedirá que os doravante denominados povos indígenas pleiteiem a autonomia irrestrita sobre seus domínios, com base no art. 3º da referida Declaração adotada na Resolução 61/2007 da Assembléia Geral da ONU.
A prevalecer à tese de tão ampla autonomia como quer o Executivo federal, num embate contra a maioria da bancada parlamentar roraimense e contra o governo do Estado de Roraima, num flagrante desrespeito ao princípio federativo, não seria a hora também de estendermos a autodeterminação ao povo cearense? Ao pernambucano? Ao gaúcho? Ao potiguar? Aos paulistas? Aos súditos dos narcotraficantes cariocas? Aos associados e protegidos do PCC? Chega de cautela! Vamos implodir de uma vez por todas essa quimera chamada Brasil. Deve estar na hora de uma antropofagia secessionista. O mundo globalizado não suporta mais do que uma ou duas nações grandes e poderosas. A ordem é atomizar as nacionalidades. O humanismo pressupõe uma multiplicidade de nações sempre crescentes a fim de justificar as forças de paz e eventualmente de protetorados internacionais.
Creio ter ouvido do general Torres de Melo a explicação mais acertada sobre as ideologias: a do círculo ideológico, onde a extrema direita se encontra com a extrema esquerda.
Pois bem. O fundamentalismo daqueles que ditam as convenções internacionais, sem embargo das boas intenções que possam ter e não duvido que sejam boas, conspira contra o projeto de paz perpétua que foi pensado por Kant. O fundamentalismo dos direitos humanos é tão nefasto quanto o totalitarismo. A diferença é que a tragédia de um é conhecida; e a do outro, apenas anunciada.
Dívida histórica com os negros e índios? É claro que as temos e devemos resgatar. Mas, não relegando nosso passado e o meio milênio de história luso-brasileira que resultou na mais sincrética civilização da história contemporânea. Mais do que lutar para evitar o crime de lesa-pátria que será cometido caso confirme-se a demarcação contínua da Reserva Raposa Serra do Sol, devemos lutar para integrar os índios à civilização brasileira. Quem defende o isolamento indígena não pode estar do lado dos índios, mas do lado daqueles que desejam fotografá-los e filmá-los como seres excêntricos, objeto de estudo e de deleite que conhecem boa parte da biodiversidade.
Por outro lado, ainda que se dê uma interpretação extensiva ao art. 231 e respectivos parágrafos da Constituição Federal (clique aqui) abarcando não só as terras que os índios tradicionalmente ocupavam a época da promulgação da Constituição de 1988, mas também àquelas que potencialmente eles poderiam ter ocupado nos últimos 508 anos, é bom não esquecer que a Constituição deve assentar-se em fatores reais de poder. No caso, o poder da nação brasileira. E dizia Espinosa que as leis devem ser violadas quando o bem comum assim o exige. É preferível que o STF viole um tratado internacional do que deparar-se com uma decisão contrária aos interesses do Brasil, de dura exeqüibilidade, registre-se.
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*Mestrando em Direito Constitucional - UFC
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