Interrogatório online fere garantias constitucionais
Helena Regina Lobo da Costa*
Está em discussão no meio jurídico a polêmica em torno do uso do sistema de videoconferência
Os defensores do uso da videoconferência afirmam que haverá redução de custos e maiores garantias à segurança pública, já que não será necessária a escolta, realizada por policiais militares, ou o deslocamento do acusado do presídio até o Fórum.
Desta forma, seriam liberados inúmeros policiais, hoje responsáveis pela escolta dos presos, para outras atividades. Além disso, haveria maior rapidez processual, já que não seria necessário o agendamento do transporte e a efetiva presença dos réus no fórum o que, muitas vezes, não ocorre.
Trata-se, todavia, de uma medida que viola o artigo 5º, inciso 55, da Constituição Federal, que garante aos acusados o direito ao contraditório e à ampla defesa.
O processo penal é o instrumento pelo qual o Estado impõe a seus jurisdicionados as penas mais graves de todo o ordenamento jurídico. O simples fato de ser processado criminalmente já traz um estigma ao acusado.
Exatamente por isso, o processo penal deve respeitar garantias formais e materiais que visem assegurar que uma eventual condenação seja justa e tenha um mínimo de base probatória. Entre essas garantias, está a ampla defesa e o contraditório. Nesse caso, é prevista a participação do acusado no processo, para que ele possa se defender pessoalmente da acusação que lhe está sendo feita.
O interrogatório é, então, o momento em que o acusado tem a oportunidade de falar pessoalmente com o juiz, expondo a sua versão dos fatos, sem intermediários. Portanto, o interrogatório é de suma importância para o processo penal, sendo um ato personalíssimo, em que a entonação da voz, o olhar, as expressões corporais, a reação a cada pergunta são essenciais para que o juiz possa extrair a verdade dos fatos julgados. Mais do que meio de prova, o interrogatório é meio de defesa do acusado.
Substituir o contato pessoal entre acusado e juiz por uma videoconferência torna o interrogatório frio, distante e faz com que o juiz não tenha acesso completo à realidade que circunda os fatos investigados.
Não se pode subtrair a todos os acusados a grande oportunidade de defesa efetiva no processo por conta de eventuais fugas e resgates que são, na realidade, exceções. A fuga de presos é verificada, via de regra, no próprio local em que se encontram presos, muitas vezes com a participação de funcionários, e não no momento de seu transporte para o Fórum.
Além disso, a participação do advogado – essencial à administração da Justiça, nos termos que dispõe o artigo 133 da Constituição Federal – não será completa. Se estiver no Fórum, não terá contato direto com seu cliente; se estiver no presídio, não poderá verificar como constou do termo a transcrição do interrogatório.
Não se trata de medo da tecnologia, mas sim de respeitar as garantias mínimas às quais qualquer pessoa tem direito antes de ser condenada criminalmente. O argumento fácil da celeridade processual não pode se sobrepor às garantias constitucionalmente previstas, já que tal alegação, se levada ao extremo, autorizaria processos sumários e sem qualquer preocupação com a verdade.
Deveríamos pensar em instalar Varas Criminais nos presídios, para a realização dos interrogatórios, caso o intuito seja evitar o transporte e a escolta de presos. Tal possibilidade encontra respaldo em nossa lei processual (art. 792, parágrafo 2º do Código de Processo Penal).
É dever do Estado respeitar as garantias constitucionais e investir no Poder Judiciário, na polícia e no Ministério Público, para que os processos possam ter andamento em prazo razoável, sem, contudo, violar os direitos arduamente conquistados pelos indivíduos.
Desta forma, o interrogatório online não trará maior qualidade à nossa Justiça penal, sendo uma inconstitucional violação das garantias constitucionais do acusado.
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* advogada do escritório Reale Advogados Associados e membro do conselho editorial do boletim do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
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