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Considerações sobre a interpretação da imunidade tributária e a validade jurídica da instituição

“Ao intérprete constitucional não deve escapar o suficiente grau de isenção para não incorrer nos graves ilícitos causados pelos preconceitos que forram a sua personalidade, mas não necessariamente a Constituição.”

16/5/2008


Considerações sobre a interpretação da imunidade tributária e a validade jurídica da instituição, por lei, de exigência pecuniária de natureza não-tributária e não prevista

Danilo Nascimento Cruz*

"Ao intérprete constitucional não deve escapar o suficiente grau de isenção para não incorrer nos graves ilícitos causados pelos preconceitos que forram a sua personalidade, mas não necessariamente a Constituição."

Nagib Slaibi Filho

A imunidade é uma exceção à tributação. A jurisprudência do STF tem apontado a necessidade de interpretação generosa das imunidades tributárias, não obstante, é cediço que segundo as tradicionais regras de hermenêutica, as exceções devem ser interpretadas restritivamente. Diante dessa situação é necessário tecermos alguns comentários.

A tendência ampliativa externada pelo STF em seus julgados já era sentida sob a égide da Constituição anterior, no julgado que segue, o ministro Carlos Madeira já trilhava tal caminho exegético, vejamos:

"imunidade tributaria. livro. constituição, art. 19, inc. iii, alinea 'd'. em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades tributarias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrado. o livro, como objeto da imunidade tributaria, não e apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão de obra, sem restrição dos valores que o formam e que a constituição protege. (Re 102141 / RJ - Rio de Janeiro 102141 / RJ - Rio de Janeiro / Min. Carlos Madeira / julgamento: 18/10/85 / 2ª turma.)"

Para entender tal comportamento exegético do STF é preciso firmar como premissas:

i) Que na interpretação da norma de imunidade, em razão da supremacia constitucional faz-se a integração do ordenamento, colmatando-se o texto supremo, dele eliminando as lacunas verdadeiras, ou técnicas, para que não se chegue, na aplicação da Constituição, ao que Karl Engisch denominou, com inteira propriedade, um momento de incongruência.1

ii) A isenção "é exceção feita pela própria regra jurídica de tributação." Justifica-se, por isto, que o intérprete não possa ampliar o seu âmbito de incidência, sabido que as normas excepcionais não comportam interpretação ampliativa. Já a "imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição, que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato."2

Ora, estamos tratando com um texto constitucional, a imunidade representa a intributabilidade absoluta ditada pelas liberdades preexistentes3, é um dos aspectos do direito de liberdade, erigindo o status negativus libertatis; a representação clara da necessidade de abstenção e tolhimento do Estado de ingerência no patrimônio jurídico do indivíduo.

Assim, passamos a aceitar que o tema imunidade tributária tangencia as garantias e direitos fundamentais. A imunidade não constitui um fim em si mesma. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado na medida em que esse postulado da Constituição, inibindo o exercício da competência impositiva pelo poder público, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas.

Em conversa com o tributarista Hugo de Brito Machado Segundo, ele manifestou entendimento semelhante ao nosso e ponderou sobre o tema enfatizando que, a maior parte das imunidades representa a garantia de um direito fundamental. Uma garantia para que o Estado não use a tributação como forma indireta de violar tais direitos. Basta-se aferir: imunidade de templos protege a liberdade religiosa, imunidade de partidos protege a liberdade política.

Isso pode ser indicado como um motivo adicional para a não aplicação da regra clássica de que exceções interpretam-se restritivamente.

Hugo Segundo explica ainda:

"Por outro lado, confirmando outra coisa que você disse no texto, hoje os estudiosos da interpretação consideram impossível chegar ao sentido de um texto legal senão diante de um caso concreto (ainda que imaginário, dado, por exemplo, pelo professor em sala de aula para explicar o sentido de um dispositivo do Código Civil....). A norma não seria o próprio texto, mas seria sim (re)construída, pelo intérprete, diante do caso concreto, a partir do texto. A maior insuficiência dos métodos clássicos consiste em não valorizar o caso concreto (mas só a literalidade, a realidade histórica do momento da feitura da lei, as demais normas do sistema etc.). Quando os teóricos começaram a ver que não existe número de métodos de interpretação definido, não existe hierarquia entre esses métodos, e que com eles se chegam a resultados às vezes contraditórios, começaram a sentir a necessidade de recorrer a parâmetros seguros para a escolha de uma solução entre as várias. Daí o apelo ao caso concreto, e a uma interpretação que melhor realize os valores caros à sociedade e pertinentes a esse caso (positivados justamente nos princípios)."4

E o porquê da interpretação extensiva se as regras de hermenêutica clássica determinam a interpretação restritiva?

Acredito que a utilização dos métodos clássicos de interpretação são insuficientes e não alcançam o núcleo essencial preceituado pelo norma constitucional, nesse sentido ensina Luis Roberto Barroso:5

"A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. Não importa em desprezo ou abandono do método clássico – o subsuntivo, fundado na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem sempre suficiente.

A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as normas constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo pré-existente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização.

A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido.

Portanto, ao se falar em nova interpretação constitucional, normatividade dos princípios, ponderação de valores, teoria da argumentação, não se está renegando o conhecimento convencional, a importância das regras ou a valia das soluções subsuntivas. Embora a história das ciências se faça, por vezes, em movimentos revolucionários de ruptura, não é disso que se trata aqui. A nova interpretação constitucional é fruto de evolução seletiva, que conserva muitos dos conceitos tradicionais, aos quais, todavia, agrega idéias que anunciam novos tempos e acodem a novas demandas.

(i) Os fatos subjacentes e as conseqüências práticas da interpretação. Em diversas situações, inclusive e notadamente nas hipóteses de colisão de normas e de direitos constitucionais, não será possível colher no sistema, em tese, a solução adequada: ela somente poderá ser formulada à vista dos elementos do caso concreto, que permitam afirmar qual desfecho corresponde à vontade constitucional. Ademais, o resultado do processo interpretativo, seu impacto sobre a realidade não pode ser desconsiderado: é preciso saber se o produto da incidência da norma sobre o fato realiza finalisticamente o mandamento constitucional.

(ii) O intérprete e os limites de sua discricionariedade. A moderna interpretação constitucional envolve escolhas pelo intérprete, bem como a integração subjetiva de princípios, normas abertas e conceitos indeterminados. Boa parte da produção científica da atualidade tem sido dedicada, precisamente, à contenção da discricionariedade judicial, pela demarcação de parâmetros para a ponderação de valores e interesses e pelo dever de demonstração fundamentada da racionalidade e do acerto de suas opções."

Assim, torna-se possível entender como as novas vertentes hermenêuticas conseguem em detrimento dos métodos clássicos de interpretação coadunar-se com a realidade sócio-constitucional.

Quanto à validade jurídica da instituição, por lei, de uma exigência pecuniária de natureza não-tributária e não prevista na Constituição (clique aqui) , é necessário mais uma vez entender a finalidade, o conteúdo teleológico da norma e verificar sua compatibilidade com o ordenamento jurídico.

A CF/88 antes de ser apenas uma carta política deve também ser um conjunto normativo proeminente e efetivo, e algumas normas limitadas e/ou programáticas de seu texto, necessitam do estímulo estatal para sair apenas do papel, e é esse tipo de estímulo que transmuda-se em exação de caráter não tributário na atuação como fomentador de muitos

serviços públicos. Sua aplicabilidade é tão comum na prática, que o próprio STF no ano de 2004 já havia se manifestado a respeito, segue jurisprudência:

"ADC 9/DF - Distrito Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Relator (a): Min. Néri da Silveira. Rel. Acórdão. Min. Ellen Gracie. Julgamento: 13/12/2001. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 23-4-2004. Votação: Por maioria, vencidos os Min. Néri da Silveira e Marco Aurélio. Ementa ação Declaratória de Constitucionalidade. Medida Provisória nº. 2.152-2, de 1º de Junho de 2001, e posteriores reedições. Artigos 14 a 18. Gestão da crise de energia elétrica. Fixação de metas de consumo e de um regime especial de tarifação.

1. O valor arrecadado como tarifa especial ou sobretarifa imposta ao consumo de energia elétrica acima das metas estabelecidas pela Medida Provisória em exame será utilizado para custear despesas adicionais, decorrentes da implementação do próprio plano de racionamento, além de beneficiar os consumidores mais poupadores, que serão merecedores de bônus. Este acréscimo não descaracteriza a tarifa como tal, tratando-se de um mecanismo que permite a continuidade da prestação do serviço, com a captação de recursos que têm como destinatários os fornecedores/concessionários do serviço. Implementação, em momento de escassez da oferta de serviço, de política tarifária, por meio de regras com força de lei, conforme previsto no artigo 175, III da Constituição Federal.

2. Atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo em vista a preocupação com os direitos dos consumidores em geral, na adoção de medidas que permitam que todos continuem a utilizar-se, moderadamente, de uma energia que se apresenta incontestavelmente escassa.

3. Reconhecimento da necessidade de imposição de medidas como a suspensão do fornecimento de energia elétrica aos consumidores que se mostrarem insensíveis à necessidade do exercício da solidariedade social mínima, assegurada a notificação prévia (art. 14, § 4º, II) e a apreciação de casos excepcionais (art. 15, § 5º).

4. Ação declaratória de constitucionalidade cujo pedido se julga procedente."

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1 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução de João Batista Machado, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977, p.229 apud MACHADO, Hugo de Brito. Imunidade tributária e educação. p. 01. disponível em https://www.hugomachado.adv.br/

2 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 11ª Edição, Malheiros, São Paulo, 1996, p.152

3 TORRES, Ricardo Lôbo. Curso de Direito Financeiro e Tributário, 15ª Edição, Renovar, Rio de janeiro, 2008, p. 65

4 A referida passagem constou em troca de e-mail‘s havida entre Hugo de Brito Machado Segundo e eu na data de 09 de abril de 2008.

[5] BARROSO, Luis Roberto. Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. P. 4-7. disponível em (clique aqui)

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*Professor de Direito Constitucional e Direito Processual Civil da Universidade Estadual do Piauí - UESPI, servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí - TRE/PI





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