A tutela cautelar do depósito de patente
Daniel Costa Lima da Rocha*
A princípio, a falta de estrita previsão legal para este mister nos autoriza a dizer que o detentor do pedido de depósito de uma patente não possui "o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar" (art. 42, caput) "produto objeto de patente" (inciso I) ou "processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado" (inciso II). Ao contrário do tratamento legislativo dado à marca, em que há previsão legal do seu depositante "zelar pela sua integridade material ou reputação" (art. 130, III), a Lei de Propriedade Industrial não afirma veementemente em seu texto legal o direito de o detentor do pedido de depósito de uma patente buscar a proteção de sua atividade inventiva através do ajuizamento de Ação Cautelar de Busca e Apreensão de bens produzidos por terceiro, com base na mesma atividade inventiva, novidade e aplicação industrial utilizadas pelo depositante.
Caberá-nos, neste artigo, responder afirmativamente que o depositante de um pedido de patente é detentor do direito subjetivo de impedir que terceiro, sem o seu consentimento, produza, use, coloque à venda, venda ou importe produto por aquele produzido que seja objeto de pedido de depósito de patente, para tanto nos servindo a exegese conjunta dos artigos 20, 40, 42 e 44 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1.996. E o remédio jurídico apto a satisfazer o zelo do detentor do pedido de depósito da patente pode perfeitamente ser o da Ação Cautelar de Busca e Apreensão.
FRIEDRICH CARL VON SAVIGNY, acerca do direito subjetivo como poder ou domínio da vontade, pontificou: "se considerarmos a situação jurídica tal como nos envolve e penetra por todas as partes na vida real, a primeira coisa que percebemos é o poder correspondente ao indivíduo concreto: um território onde reina sua vontade e domina com nossa conformidade. A este poder o denominamos um direito dessa pessoa, que significa o mesmo que capacidade: alguns o chamam direito em sentido subjetivo" (SAVIGNY, System des heutigen Römischen Rechts, tomo I, 1.841, § 4, p. 7 - negrito nosso).
BERNHARD WINDSCHEID prosseguiu sob o mesmo ponto de vista: "o direito subjetivo é um direito a um determinado comportamento, conduta ou omissão de uma pessoa ou pessoas que constituem o entorno do legitimado." (WINDSCHEID e KIPP, Lehrbuch des Pandektenrechts, tomo I, 1.906, § 37, p. 155 - negrito nosso).
RUDOLF VON JHERING descreveu o direito subjetivo como um interesse juridicamente protegido: "Há dois momentos que informam o conceito de direito: um substancial, em que reside a sua finalidade prática, isto é, o benefício, proveito, ganância, que deve ser garantida pelo direito; e um formal, que comporta simplesmente como meio com respeito àquele outro, é dizer, a proteção jurídica. O primeiro é o núcleo; o outro é a casca protetora do direito. Aquele por si só constitui, exclusivamente, um estado de uso ou desfrute (interesse fático), que a qualquer momento pode ser excluído sem mais conseqüências por qualquer que se encontre em situação de fazê-lo. Esta situação fática deixa de ser casual ou de estar exposta a desaparecer quando recebe o amparo da lei. Seu desfrute, ou as expectativas deste, se convertem em algo assegurado: em um direito. O conceito do direito se baseia na segurança jurídica do seu desfrute. Os direitos são interesses juridicamente protegidos." (JHERING, Geist des römischen Rechts, tomo III/1, 5a ed., 1.906, § 60, p. 339 - negrito nosso).
Enfim, a par da doutrina clássica civilista sobre direito subjetivo, não há como se desvencilhar da idéia de que a vontade humana, geradora do conhecimento que resulta na criação de uma patente, produz direito subjetivo ao seu criador, conferindo-lhe o poder de exigir "determinado comportamento, conduta ou omissão" (BERNHARD WINDSCHEID) de todos aqueles que, com ele, interagem socialmente. Como bem asseverava JHERING, o direito subjetivo tem em seu núcleo, em sua essência substancial, a ganância (sentido não-pejorativo), o proveito, o benefício visado pelo seu titular, o que, transmitindo-se para a hipótese em exame, bem se denota por parte do depositante do pedido de patente, de ver a sua criação intelectual possibilitando-lhe benefícios e proveitos entendidos sob variados prismas (econômico, prestígio pessoal, etc). De outro lado, há a "casca" deste direito subjetivo: a sua correspondente proteção jurídica, inserindo-se nesta, naturalmente, a tutela jurisdicional de natureza cautelar.
Entendo que a exteriorização fática da vontade humana, produtora do conhecimento entranhado na patente, que pode se apresentar pelo seu mero depósito, é o bastante a legitimar o criador como detentor de um direito subjetivo. O objetivo de auferir benefícios ou proveitos a partir de sua criação, advinda da manifestação de vontade humana, por si só gera direito subjetivo a esta pessoa, assegurando-se a esta o poder de exigir que terceiros tenham comportamentos ou condutas respeitosas ao direito subjetivo do criador. É a "casca", a proteção jurídica do direito subjetivo, a que aludia JHERING.
A segurança jurídica do desfrute da criação humana objeto da patente deve ser assegurada a partir da sua concepção intelectual, portanto, antes da concessão da carta-patente. Ora, se é certo que o direito subjetivo é uma "potestade jurídica do indivíduo para a defesa dos seus interesses", segundo OLAF SOSNITZA, professor-adjunto da Universidade de Beirute (SOSNITZA, Olaf. Derecho Subjetivo Y Exclusividad. Contribuición a la dogmatica de las indicaciones de procedencia geográfica según el Derecho Alemán. Actas de Derecho Industrial Y Derecho de Autor, tomo XXI, 2.000, Instituto de Derecho Industrial de la Universidad de Santiago (España)), não há como conceber que o titular de um pedido de depósito de patente não possa fazer uso da proteção jurídica do seu direito subjetivo. Outros são os fundamentos jurídicos para o cabimento da tutela cautelar do depósito da patente, fazendo-se uso, inclusive de liminares de busca e apreensão enquanto ainda não concedida carta-patente ao depositante.
O prazo de duração das patentes, como monopólios legais, é, segundo o art. 40 da LPI, de vinte anos para a patente de invenção e de quinze anos para modelo de utilidade "contados da data de depósito". O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio - TRIPs, sendo o Brasil um dos seus signatários, em seu artigo 33, também prevê que "os países membros devem conceder patentes de invenção por um prazo mínimo de vinte anos contados da data do depósito do pedido" (FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro, 1a ed., Editora Brasília Jurídica, 1.996, Brasília, p. 102). Não se pretendendo aqui questionar o aspecto do tempo de duração da patente, e sim o seu termo inicial, como se vê, a tutela das patentes brasileiras, em consonância com o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio - TRIPs o qual o Brasil é um dos seus signatários, passa a existir a partir da data de depósito do pedido de patente, cuja data será considerada a do recibo de entrega do pedido de depósito mesmo que irregular, porém, contendo "dados relativos ao objeto, ao depositante e ao inventor", a teor do disposto no art. 21, caput, e parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial. Pedidos de depósito de patente brasileira passam a ser protegidos pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e pelo Acordo TRIPs, do qual o Brasil é um dos seus signatários, a partir da data de recibo de entrega do efetivo depósito mesmo que irregular, incompleto em sua documentação, porém observada a presença dos documentos "relativos ao objeto, ao depositante e ao inventor", na forma do caput do art. 21 da Lei de Propriedade Industrial.
O art. 44 do citado diploma legal não estabelece taxativamente o período de proteção da patente como sendo exclusivamente "entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente". Em primeiro lugar, o referido dispositivo cuida da proteção legal conferida ao "titular da patente", não se podendo crer que o depositante que observa o disposto no art. 21, caput, e parágrafo único, da LPI, não possa ser encarado como tal. Ora, por que não se admitir que o "depositante da patente" possa ser visto como o seu titular se o art. 40 da LPI prevê que a patente vigorará a partir "da data do depósito"? Em segundo lugar, é de se observar que o artigo 44 da LPI não explicita em caráter exaustivo que a proteção se dará em razão de "exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente". Ao contrário. O critério é meramente exemplificativo, de citação de um período de tempo quando haverá a proteção do direito sobre a patente "entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente". Aliás, indício maior da proteção conferida à patente a partir do seu depósito, observadas as particularidades do art. 21, caput, e parágrafo único, da Lei Regente, é a presença da palavra "inclusive" no texto legal do citado art. 44. "Inclusive", no nosso entendimento, esclarece neste artigo um período de tempo co-existente, que compreende entre a data do depósito, observados os critérios do art. 21, caput, e parágrafo único, da LPI, e o seu deferimento com o pagamento da retribuição correspondente.
A boa-fé inspiradora do Direito de Patente, exteriorizada no art. 45 da LPI ("Derecho de Prelación"), o princípio universal da vedação legal ao enriquecimento indevido (art. 884 do Novo Código Civil), como instrumento de ataque ao aproveitamento parasitário do esforço alheio, e os princípios constitucionais do livre acesso à Justiça e da proteção à propriedade intelectual (art. 5o, incisos XXXV, XXII e XXIX, da C.R.F.B.) também são argumentos fortes a corroborar nossa tese de cabimento da Ação Cautelar de Busca e Apreensão como instrumento de proteção do depósito da patente e da criação inventiva hmana.
Porque não se admite que alguém possa se enriquecer indevidamente em detrimento de outrem, nem tampouco possa existir o aproveitamento parasitário do esforço intelectual alheio, merece proteção o pedido de depósito da patente em que se observaram as formalidades do art. 21, caput, e parágrafo único, da Lei da Propriedade Industrial. Assim se estará garantindo o exercício de uma presunção juris tantum de propriedade da criação intelectual que merece ser protegida, a fim de se assegurar justiça e segurança jurídica às relações entre o criador e a criação. Com obediência ao princípio constitucional do livre acesso à Justiça, na forma do art. 5o, XXXV, da Carta Constitucional, é plenamente cabível o ajuizamento de Ações Cautelares de Busca e Apreensão de modo a proteger o objeto do pedido de depósito da patente, na busca de justiça e segurança jurídica nas relações travadas entre o depositante e sua criação."
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados