Auditoria jurídica para negociações internacionais
Jayme Vita Roso*
– I –
Introdução
2 – Sobretudo os jovens advogados, e muito mais ainda os universitários da ciência jurídica têm andado à cata de oportunidades dentro do comércio internacional, das finanças, da tecnologia, das ciências e das cadeiras universitárias pelos países fora do restrito círculo nacional.
3 – O sistema educacional brasileiro não tem acompanhado com a lucidez que se esperaria de quem faz a política brasileira de educação, pois não tem bastado a criação de faculdades voltadas ao mercado externo, quando se percebe que os currículos são deficientes, as cargas horárias de aulas e pesquisas insuficientes, as bibliotecas sem lastro, e a ausência de política de incentivo ao ingresso dos jovens nessa atraente área. As pesquisas têm mostrado, e valem como significativo exemplo, que quase 75% dos executivos que cuidam da área internacional de empresas as mais diversas têm formação incompleta da língua inglesa, e apenas número reduzido é capaz de escrever um relatório ou uma proposta de negócio, ou até mesmo uma carta com mais pormenores sem resvalar em inúmeros equívocos lingüísticos.
4 – Pois é, exatamente uma parcela desse contingente envolvido em negociações econômicas internacionais entendeu que a auditoria jurídica tem valência significativa para essas atividades, levando-se em conta que elas geralmente são expressivas, de grande espetro de atuação negocial e, por conseqüência, fundamentais no processo a que estamos caminhando de internacionalização de empresas brasileiras, e também na inserção, nesse contexto, de pequenas e médias empresas, clusters e prestadoras de serviços.
5 – Foi consultado o escriba por alunos de uma faculdade de direito do estado de São Paulo sobre a possibilidade de apresentar sugestões e abrir uma possível senda dentro da auditoria jurídica para negócios internacionais. O pedido foi considerado sugestivo e valioso para os jovens advogados, uma vez que está concentrada nos grandes escritórios de advocacia do país a maioria absoluta de negócios internacionais, num aparente oligopólio que não permite aos jovens, sobretudo os de famílias menos abastadas, ingressar nessa área que parece tão promissora.
6 – Mas o escriba também está ciente de que trabalhar com negociações econômicas internacionais não é tarefa para muitos advogados habituados à rigidez dos currículos escolares e à grande ausência de oportunidades nos estágios nessa área e, lamentando-se muito, à falta de preparo cultural, tanto no já mencionado aspecto lingüístico, como também nas ciências econômicas, políticas, de relações internacionais, de administração pública e privada, de conhecimentos de como funcionam as organizações internacionais (governamentais e não governamentais). É muita coisa, sem dúvida, mas ainda lhes falta preparo para elaborar, avaliar e combinar informações sobre a conjuntura internacional, prepararem a si mesmos e a terceiros para estarem capacitados a entender e participar em negociações bilaterais e multilaterais, saberem expressar-se, comunicar-se, mostrar-se tecnicamente preparados e exercer liderança para tecer essas malhas que envolvem empresas, câmaras de comércio, embaixadas, associações (públicas e privadas), organizações internacionais, além dos órgãos governamentais que cada dia são mais esgarçados dentro da complexidade das administrações públicas. É preciso ainda conhecer, para identificar, os objetivos, métodos de operação, padrões e regras de procedimento das organizações internacionais, como funcionam e como se tem acesso a elas. Entender, compreender, sugerir, propor e intervir em negociações multilaterais que envolvam países, estados, instituições, organizações e associações internacionais.
7 – Dir-se-ia que necessitamos de gênios? Dir-se-ia que esses ramos do conhecimento, por serem policulturais, não dispensam profundo preparo técnico do bacharel. Se ele quer galgar o Monte Evereste na profissão, para satisfazer seus desejos pessoais, seus anseios, seus devaneios, suas ambições, seu orgulho, os caminhos são árduos. Não se constrói um profissional com esses requisitos mínimos – é de se lamentar – com o que se ensina nas faculdades de Direito na sua esmagadora maioria e, mais ainda, quando hoje se vê a predominância da metodologia norte-americana nesse ensino, que empobrece a cultura quase como se dizendo que estamos a fazer um réquiem para ela. A metodologia norte-americana não cria indivíduos críticos, muito menos profissionais com independência, mas submete, os que embarcam nesse canto de sereia, a um regime onde o politicamente correto é o tom do comportamento cotidiano desse profissional. Por isso, a criação paralela de artifícios financeiros que geraram escândalos internacionais nesses últimos dois lustros e grandes crises nos mercados.
8 – Os mesmos jovens colegas, e mais ainda os universitários, pediram-me alguns livros dentro da área de dinheiro e finanças, que pudessem ler, começando a se preparar culturalmente. O escriba respondeu-lhes que levá-los a conhecer somente livros nesta área seria um despautério. Seria um absurdo o advogado ficar adstrito apenas a esses aspectos e, na verdade, seu conhecimento ficar cingido culturalmente à aceitação das Seleções do Reader’s Digest.
9 – Os livros indicados são, para começar: Law and Corporate Finance, Frank B. Cross e Robert A. Prentice; Governance and Auditing, de Peter Moizer; The Scale and Impacts of Money Laundering, de Brigitte Unger; Recent Financial Crises, Lawrence R. Klein; A Guide to International Monetary Economics, Hans Visser; Understanding Modern Money, L. Randall Wray; Economic Disasters of the Twentieth Century, Michael J. Oliver e Derek H. Aldcroft ; Dictionnaire Culturel em langue française, Alain Rey; Grand Dictionnaire de Culture Générale, Bruno Hongre, Philippe Forest e Bernard Baritaud; La Culture Générale pour Les Nuls, Florence Braunstein e Jean-François Pépin. É indispensável também que os interessados assinem revistas e publicações de diferentes tendências econômicas, políticas e culturais, facilmente encontráveis nas bancas de jornais. Lembro de que a fixação freudiana em algumas revistas deturpa o raciocínio, desprepara qualquer interessado e inabilita-o a ser um indivíduo crítico. Nem dele mesmo chega a ser crítico. E com grande recordação, nos findos anos 60, o pranteado ator italiano Alberto Sordi, mostrando a sua perplexidade disse, num filme: "Diante deste quadro, realmente estou confuso. Daqui pra frente vou ser um contestador do próprio movimento da contestação".
– II –
Algumas simulações de contratos internacionais sob o crivo da auditoria jurídica
10 – A preparação do advogado que pretende ingressar no nobre e espinhoso terreno da advocacia internacional deve levá-lo a educar-se nos meandros do direito privado anglo-saxônico, hodiernamente adotado na maioria das negociações internacionais.
Não deverá ainda distanciar-se do conhecimento de que dentro do próprio Common Law há uma diferença entre países que seguem o modelo clássico inglês e alguns que seguem o modelo norte-americano. Embora as diferenças não sejam abissais entre as duas ramificações, vale considerar que o sistema norte-americano, em virtude de sua própria política legislativa, difere dos outros que perfilham o modelo inglês.
2 – Basicamente, o contrato é um acordo cujo cumprimento pode ser exigido legalmente. Esse acordo resulta de uma oferta e de uma aceitação. Não é suficiente, todavia, que o contrato contenha apenas esses requisitos para ser exigido judicialmente, como foi dito. Em vôo de pássaro, a seguir algumas das condições:
a) a "consideration" sempre exigida;
b) as partes devem ter a intenção de criar relações baseadas na lei;
c) as partes devem ter capacidade para contratar;
d) o contrato deve atender a qualquer outro requisito formal, com juridicidade para ser exigido (normalmente ele não requer formalidade, mas em muitos casos a contratação só é admitida por escrito);
e) o contrato deve ter sempre objeto fundado na legalidade;
f) o contrato, usualmente, não é anulável, a não ser por vício de consentimento devidamente comprovado ou por defeito na capacidade do contratante; por isso, na maioria esmagadora das vezes, quando é submetido ao crivo do judiciário, ele é aproveitado e considerado válido.
3 – Ingressemos doravante num exemplo dos mais elementares de contrato comercial internacional.
Se bem apreendido o roteiro que está se propondo, o advogado terá meios e condições de poder envolver-se no negócio, como profissional e, do resultado, muitas vezes o próprio cliente vai submeter esse contrato ao auditor jurídico caso tenha dúvida ou alguma insatisfação, ou surja algum evento que justifique tomar essa conduta.
3.1 – Para bem representar o seu cliente num negócio que resulte ou não numa contratação comercial internacional, compete ao advogado entender as principais questões a serem analisadas antes das negociações: tentar compreender as táticas comumente empregadas nessas negociações internacionais; tanto quanto possível ler e procurar informar-se de quais os estilos que prevalecem num determinado número de países; estar consciente de que pode identificar, administrar e suplantar as diferenças culturais, transformando-as em vantagens lícitas para negociação; procurar conhecer o regime do direito antitruste do país com que vai se relacionar na negociação e como a legislação concorrencial pode afetar diretamente o negócio; atentar seriamente para quais as mais adequadas e apropriadas técnicas para utilizá-las no país para a resolução de conflitos, e finalmente procurar tanto quanto possível evitar enganos e erros comuns na redação de contratos internacionais. Para essa última finalidade, sobretudo existe uma copiosa bibliografia que o escriba se permite dar em nota .
4 – Adentremos em algumas técnicas de negociação internacionais que facilitam o trabalho do advogado, se ele se preparar de forma adequada ao longo do tempo, antes mesmo de enfrentar uma situação concreta. As mais comuns são: que negociar; por que não negociar; que técnicas e estilos de negociação utilizar; que estratégias utilizar naquele momento; munir-se de uma dose suficiente de criatividade para tentar solucionar um problema que surja e que emperre as negociações; manter-se calmo, prudente e lúcido quando do enfrentamento de pessoas difíceis ou que se fazem de difíceis exatamente para testar o advogado; saber distinguir as negociações contratadas por escrito, frente a frente, das negociações, hoje em dia em grande maioria, pelos meios cibernéticos.
5 – Negócios mais complexos são feitos por estágios. Há negócios ainda que levam e conduzem a acertar-se em muitos aspectos sem contratação formal, mas considerados como degrau dessa contratação naquilo que se chama pré-contrato. É crucial para o advogado entender e explicar ao seu cliente que o pré-contrato pode trazer-lhe conseqüências patrimoniais; por isso, devem ser considerados e examinados, com máximo cuidado, os possíveis tipos de documentos que não tenham conseqüências até patrimoniais relevantes se não atendidos os requisitos neles constantes. A redação desses documentos, que podem ser considerados como pré-contratos sem efeitos ou que tenham efeitos, mas que podem ser mitigados ou resolvidos, exige habilidade e, sobretudo, conhecimento jurídico adequado das jurisdições envolvidas.
6 – A redação dos contratos, como se vem tentando apontar, é uma técnica multifacetada porque leva também a se aprenderem, por não ser unívoca, pode apresentar algumas definições que sejam dúbias e que gerem interpretações diferentes. De outro lado, essa dificuldade é bastante amenizada porque existem cláusulas comuns a todos os contratos, e que chegam a ser até estandardizadas.
7 – Também antes se lembrou que o advogado envolvido num negócio de contratação comercial internacional está diante de situações culturais diversas das daquele ambiente em que ele vive. Deve evitar que as barreiras normais não sejam logo suplantadas no início para criar um ambiente de confiança, pois não o fazendo vai situar-se num ambiente hostil e, até muitas vezes, prejudicar o cliente. Sem ser leniente, o comportamento do advogado e a sua habilidade em ambientes de diferentes culturas pode, se bem entendidas, apreendidas e aplicadas, transformar situações adversas em dificuldades superadas, com vantagens comerciais. Daí a importância de preparar-se adequadamente na comunicação e no comportamento social e pessoal para estabelecer diálogo frutuoso durante a negociação.
8 – Tendo em conta que os contratos seguem normas e regras comuns em praticamente todas as jurisdições, e alguns dos requisitos foram acima lembrados, ressaltados como exemplo, há um aspecto que merece reflexão maior. É o chamado tripé: direito aplicável, à jurisdição eleita e a possibilidade de utilização de meios alternativos de resolução de conflitos.
9 – Quando se elaboram contratos com longa duração, ou mesmo alguns contratos quase que instantâneos porque o negócio se exaure numa única oportunidade, deve-se tomar em conta o direito antitruste vigente nos países envolvidos. Devem ser pesquisadas hipóteses de possíveis acordos horizontais, verticais, e os efeitos de uma posição dominante. Evitando-se erros comuns cometidos em casos passados que resultaram em grandes litígios com as autoridades dos países, com repercussões negativas para a imagem das empresas, os advogados estarão contribuindo para que o negócio flua com maior transparência.
O advogado deve opor-se frontalmente a qualquer sugestão de conseguir favores políticos para obter anuência das autoridades para que o negócio seja feito.
10 – Quando os contratos forem de tratos sucessivos, muitas vezes são envolvidos agentes ou representantes comerciais, ou distribuidores, ou intermediários.
As partes contratantes e os advogados deverão ser cuidadosos dos meios e formas por que vão inseri-los naquele contrato. Há casos até em que esses terceiros passam a ser também parte do contrato, assumindo direitos e obrigações peculiares e próprias, com repercussão na própria vida do contrato.
É relevante recordar que a participação de terceiros num contrato com efeitos multidirecionais exige redação acurada das funções, obrigações e contingências de cada um deles, ou deles especificamente ou de um ser concreto.
O escriba teve experiência, em passado já longínquo, em que o contrato comercial internacional entre duas partes, que continha um agenciamento, e feito por uma terceira empresa não vinculada às partes, fez com que elas optassem por redigir um contrato com o agente comercial em separado. Passou a ser um típico contrato acessório regido por condições próprias e peculiares.
11 – Outras vezes, ocorre que as partes pretendem no futuro aportar tecnologia de um país para outro ou transferi-la. Para esse tipo de negócio embutido dentro do negócio principal, considerado até como conseqüente daquele, as partes deverão ser minuciosas nas previsões e provisões. Não podem escapar os lineamentos essenciais da operacionalidade do licenciamento ou transferência de tecnologia, que poderá ser efetivamente contratada dentro das condições que o futuro dirá.
12 – Por fim, ocorrem também hipóteses de que as partes que se engajam no contrato internacional visualizem um futuro róseo para seus negócios e incluam cláusulas da possibilidade virtual ou efetiva de se associarem ou formarem uma joint venture. Desde logo devem esclarecer que tipo de joint venture será implantada; que documentação, também será formalizada; como será operacionalizada e administrada, e qual o capital a ser investido, nunca se esquecendo também de estabelecer regras claras para um possível encerramento desse negócio, se formalizado.
– III –
Aquisições internacionais e suas disposições
13 – Nos dias correntes, as aquisições internacionais passaram a ser negócios de montantes e de valores nunca antes sonhados ou imaginados. Os jornais de negócios não se cansam de reproduzir acontecimentos com aquisições internacionais que superam várias vezes milhões de dólares ou de euros, numa sucessão que passa a aterrorizar os espíritos críticos e voltados para a interpretação dos acontecimentos econômicos e financeiros com angulações sociais. Ao escriba faltam luzes para descrever meganegócios e, pela grandiosidade deles, não bastariam algumas páginas, mas sim cada negócio constitui, quando publicado, um alentado volume. E às vezes, nas negociações durante a fase da due diligence, a coletânea de documentos e informações, relatórios, pormenores técnicos, mercadológicos, muitos confidenciais, perfazem algumas dezenas de volumes, uma vez que foram coletados os ricos repositórios que, catalogados, passaram a merecer a consideração da equipe polidisciplinar que investiga as possibilidades de concretização do negócio. É o mínimo que se poderia esperar, pela grandeza e relevância desses meganegócios. Recordo-me, e trago um texto agora, das repercussões sociais que causaram no estado de Massachussetts, precisamente nas cercanias de Boston, a aquisição da centenária corporação Gillette pela Procter & Gamble, localizada em outro estado, quando decidiu encerrar as atividades na bela cidade do Atlântico Norte, na costa leste norte-americana. Afora a extinção de centenas de empregos, com o esvaziamento de algumas pequenas cidades circunvizinhas, empresas de comércio, de investimentos e atividades em geral viram-se de repente afetadas. Os dados sociais levantados naquela oportunidade por distinguidos sociólogos e acompanhados por advogados interessados em questões deste perfil, indicaram que, embora fosse considerado rico o estado, as perdas foram muito significativas e deveriam ser amortizadas ao longo de vários anos. Mas, o que se está vendo e passando aos nossos olhos são negócios gigantescos realizados por grandes empresas, comprando outras maiores empresas com total desprezo do homem. Não só do homem que trabalha na empresa absorvida, mas também do cidadão que reside na localidade onde a empresa sempre funcionou. Só para dar um aspecto da importância do desastre que foi para Boston a saída da Gilette, mencionamos o encerramento das atividades da célebre orquestra sinfônica de Boston, que em épocas áureas chegou a ter como condutor o lengendário Tosacanini, e mais recentemente nos anos 80 o regente japonês Osawa.
Não é caso desta magnitude que se pretende abordar, sequer insinuar outros comentários, ainda que pudessem ter alguma pertinência ou servir de pista para investigação aprofundada .
14 – Dezenas de pequenas operações que não atingem porções substanciais do mercado no seu complexo, têm sido realizadas no país nos últimos anos, sem violação da lei de concorrência, e foram todas aprovadas pela Secretaria de Direito Econômico (SDE).
Por hipótese, um caso, tirando algumas lições de um negócio no qual o escriba participou como auditor jurídico .
15 – O comprador, localizado fora dos limites do território brasileiro, quando se voltou para mercado nacional, interessando-se por ele, cuidou de formular um contexto estratégico do negócio, desenhando toda a sua atuação por meio da coleta de informações macro e microeconômicas, e também setoriais, da empresa visada. Aproximou-se desta e, sem hostilidade, através de um agente mediador, consultou-a sobre o interesse em passar a totalidade do controle para a empresa pretendente.
A atividade do agente mediador foi bastante cautelosa e precedida das reservas habituais de compromisso de sigilo absoluto, sem divulgação das intenções, para não afetar o ambiente interno da empresa a ser negociada, nem o seu relacionamento com o mercado e com as instituições bancárias.
Assim, finalmente, se encontraram os interessados e administraram a venda, de sorte que para as duas partes fosse abatido o negócio que desejavam dentro das limitações que cada transação dessa traz para os membros interessados.
16 – O comprador, experiente e com larga bagagem de negócios semelhantes em seus arquivos ao longo dos últimos anos, tinha bem presente quais seriam os riscos das técnicas a serem utilizadas; não iria usar comunicações ao público, diretas nem indiretas, para não perturbar ou criar ruídos desnecessários nas negociações; com os seus demais diretores no exterior, mediante informações básicas e genéricas obtidas, conhecia bem a empresa, quanto ela poderia valer. Mas sabia também que, em se tratando de empresa de capital fechado, de médio porte, porém sólida e bem administrada, sem problema de sucessão, esses fatores somados constituíram um valor adicional ao preço de teria que ser pago.
17 – As partes se entenderam, fixando o valor do negócio e sua forma de pagamento, na dependência da sua implementação ou providências subseqüentes. Só por cautela passaram aos advogados para, em conjunto, com o apoio de economistas, auditores e técnicos esboçar as diretrizes jurídicas preliminares. Concordaram que seriam as seguintes: troca de cartas de intenção que seriam integradas por acordos de confidencialidade com os termos principais dos negócios, além de memorando de informações gerais da empresa em todos seus quadrantes, completados com a due diligence jurídica.
Enquanto se processavam as diligências e se levantavam as informações, os advogados, por solicitação de seus clientes, deveriam traçar a metodologia do processo que poderia completar o negócio, incluindo também os passos intermediários que haveria até ser realizado o negócio, pois, concordes as partes e os profissionais, seriam diminuídos sensivelmente os custos dos honorários profissionais. Em linha de máxima, os advogados sugeriram e as partes concordaram a respeito destes relevantes conceitos a serem redigidos do texto do contrato:
a) foi escolhido como aplicável o direito brasileiro e o estrangeiro (do comprador), este subsidiariamente;
b) quanto à due diligence, definiu-se seu propósito, sua finalidade e sua mecânica procedimental;
c) o pagamento da aquisição do controle da empresa brasileira seria feito mediante remessas do exterior para bancos da praça e, com isso, dentro da programação estabelecida, seriam transferidas quotas na mesma proporção dos valores que ingressavam, considerando-se que o valor do capital subscrito e interiorizado na época do negócio foi bastante incrementado;
d) amarraram-se as informações constantes nos data rooms existentes nos computadores e as eletronicamente preservadas;
e) estabeleceram-se cláusulas de não-competitividade durante um certo período para os vendedores;
f) fixaram-se honorários para o tempo em que os vendedores ainda permaneceriam em atividade na empresa;
g) construiu-se um arcabouço de proteção do good will da empresa alienada;
h) fixaram-se garantias para a liquidação do preço e também garantias para eventuais cobranças de impostos, e ainda para o insucesso de algumas questões judiciais tributárias e trabalhistas;
i) com muito cuidado e atenção, foi convencionada redação da cláusula de comunicação do negócio ao mercado.
Além dessas precauções, as partes cuidaram também de como seriam pagos eventuais impostos por ganho de capital; estabeleceram proteções gerais para o vendedor; dispuseram as chamadas cláusulas usuais em contratos: quem coordenaria o processo de transição; quais seriam suas responsabilidades; quanto receberia por esse trabalho e quando ele terminaria, e claramente deixaram presente a possibilidade de haver disputas ou conflitos, que seriam resolvidos por meio de solução alternativa de resolução de disputa.
Como se tudo ainda não fosse suficiente, estabeleceram-se os lineamentos procedimentais e como os técnicos elevariam a due diligence comercial, através de critérios bem definidos, de indicativos nas pesquisas a serem feitas e completadas num prazo convencionado.
Esses técnicos da due diligence comercial iriam fazer seu trabalho pari passo com os técnicos da due diligence financeira. Desnecessário será focalizar ser indispensável essa due diligence financeira, em razão da confusão tributária que tem perdurado no país e que veio em parelha com vários planos econômicos, perturbando o sadio e regular funcionamento das empresas. Dentro do âmbito desta due diligence financeira, seria realizado o trabalho de levantamento dos negócios bancários em que a empresa estava envolvida.
18 – A fim de evitar problemas com as autoridades que cuidam da regulamentação desse tipo de negócio, bem como evitar situações que pudessem resultar em investigações ou procedimentos administrativos, as partes optaram por fazer consulta prévia com esperança de que obtivessem respostas das autoridades dentro de um prazo razoável, mas o processo não sofreria postergações nem interrupções durante a espera da resposta, pois todas as devidas diligências estariam sendo realizadas com a prudência e a cautela delas sempre exigidas. Os direitos imateriais englobados dentro da categoria de propriedade intelectual seriam cuidados com o agente da propriedade industrial que prestava serviço à empresa, juntamente com o outro semelhante indicado pelo comprador.
19 – Foram contratados técnicos especializados para fazerem um levantamento dos contratos de trabalho das relações de emprego dos benefícios concedidos, dos casos eventualmente pendentes, das questões existentes na Justiça do Trabalho, com exame minucioso de questão por questão. Cada caso teve seu tratamento especial e mereceu dos técnicos um relatório específico que seria enfeixado com todos os demais relatórios da área para apurarem-se responsabilidades e possíveis contingências.
20 – O ramo de atividades objeto desse negócio internacional em exame não tinha repercussões ambientais. Não obstante esse fato ser conhecido pelos compradores, mesmo assim, eles utilizaram um engenheiro ambiental para aferir o negócio, visitando todas as instalações, trabalho que foi complementado também por um auditor jurídico ambiental.
21 – Realizados todos esses trabalhos, apurados todos os dados, feitos todos os levantamento, conferidas todas as informações, o contrato finalmente foi assinado, contendo como anexo todos esses pareceres para a garantia das partes. Também acrescentou-se ao contrato, por solicitação do sindicato laboral a que a empresa está vinculada, adendo na área trabalhista, com garantia de estabilidade dos empregados por 180 dias após a consumação do negócio. Assim, estava encerrada a transação.
22 – Outro caso que possa interessar aos advogados na redação de contratos internacionais é a possibilidade de que o pagamento previsto no contrato seja efetuado por meio de títulos soberanos do país de residência do comprador, deferido para algum tempo adiante da própria entrega da administração do vendedor para o comprador. O que chama a atenção é que normalmente esses contratos possuem uma cláusula na qual tem sido provisionada a hipótese de que, em caso de não pagamento (default), o Tribunal de Nova Iorque é competente para julgar a disputa.
A questão tem sido muito debatida ultimamente neste início de século, sobretudo após a suspensão de pagamentos feita pela Argentina das suas obrigações materializadas em bonds vendidos no mercado internacional. Para se ver a importância desse tipo de atividade financeira, em 2005, excluindo-se os débitos internos de cada país, o Fundo Monetário Internacional estimou que o estoque dos chamados International Debts Securities chegou a mais de US$ 15.3 trilhões de dólares. Todo esse dinheiro está girando pelo mundo com a garantia do país emissor, que é levado aos tribunais em centenas de casos quando ocorre não pagamento ou a suspensão deles, ou a disputa sobre a validade ou a exigibilidade desses títulos.
O auditor jurídico, quando solicitado a emitir um parecer num caso de suspensão de pagamento, de ausência de pagamento sem justificação ou de disputa sobre bonds emitidos por um estado soberano, desde que legítimos, precisa ser muito cauteloso e, de preferência, verificar se, ao invés de utilizar aquela cláusula, elegendo a Corte de Nova Iorque para dirimir a pendência, não seria melhor cogitar a respeito da possível aplicação da arbitragem pela ICISD. É questão deixada em aberto para aprofundamento dos possíveis interessados em direito internacional público com fortes repercussões econômicas na vida de países e de pessoas físicas e institucionais que investem nesses títulos com a expectativa de serem resgatados uma vez que têm como garantia um estado soberano.
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*Advogado
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