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Os procedimentos existentes para a retificação de registro imobiliário

A retificação de registro imobiliário se apresenta como medida eficaz para a correção de uma matrícula que não reflete a realidade do imóvel registrado, seja porque houve alterações em suas divisas, ou porque há qualquer outro erro material no registro.

21/7/2004


Os procedimentos existentes para a retificação de registro imobiliário


Anderson Antonio Fernandes

Danilo Gallardo Correia*

A retificação de registro imobiliário se apresenta como medida eficaz para a correção de uma matrícula que não reflete a realidade do imóvel registrado, seja porque houve alterações em suas divisas, ou porque há qualquer outro erro material no registro.

A Lei n° 6015/73 (Lei de Registros Públicos – “LRP”) regulamenta a matéria e assegura o direito da retificação do registro público àquele que for prejudicado. Confira-se o artigo 212 da LRP:

Art. 212. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar sua retificação, por meio de processo próprio”.

Ademais, a LRP menciona os três procedimentos possíveis para a retificação de um registro imobiliário. São eles: (i) a retificação pelo próprio Oficial do Cartório de Registro de Imóveis (“CRI”), caso se trate de erro material evidente; (ii) a retificação por processo administrativo, caso não ocorra impugnação fundamentada por algum confrontante; e (iii) a retificação por ação judicial.

Por força do artigo 213, § 2°, e do artigo 216 da LRP, nos casos em que há alterações nas divisas do imóvel, só se pode realizar a retificação do registro através do procedimento administrativo ou judicial.

Ocorre que, com o advento da Lei n° 10.267/011, regulamentada pelo Decreto n° 4.449 de 30.10.2002, muitos vislumbraram a criação de um novo procedimento para a retificação do registro de imóveis. Isso se daria através da simples averbação de um novo memorial descritivo firmado pelo interessado e pelos seus confrontantes.

Muitas consultas nos foram feitas sobre o método acima mencionado.

Contudo, antes de se discutir a sua eficácia, se faz necessário descrever cada um dos procedimentos de retificação constantes na LRP, atentando-se para as suas exigências e peculiaridades.

(a) Retificação pelo próprio Oficial do Cartório de Registro de Imóveis

O artigo 213, §1°, da LRP, autoriza o próprio Oficial do Cartório a promover a retificação de erro evidente existente no registro. O Oficial, entretanto, não poderá agir de ofício. Sendo assim, sempre deverá haver o requerimento do interessado para que seja promovida qualquer retificação.

VALMIR PONTES2 menciona as duas hipóteses em que caberá a retificação pelo próprio Oficial, independentemente de determinação judicial: “a) nos casos de erro material evidente, como o que resultar de simples equívoco na tomada de um nome ou de um número, que figure certo no título apresentado e na matrícula ou registro anterior (...); b) no caso de erro do título, mediante averbação de novo título, retificador do primeiro, que as partes apresentem ao oficial para esse fim”.

Verifica-se, assim, que o procedimento para a retificação de registro pelo próprio Oficial só se dá em casos bem específicos, em que não haveria qualquer ameaça aos interesses de terceiros. E é justamente para se preservar os interesses dos terceiros que o Oficial, em hipótese alguma, poderá realizar a retificação do registro que implique a alteração das divisas do imóvel.

(b) Retificação por procedimento administrativo

O artigo 213, §1°, da LRP, menciona, ademais, que a retificação poderá ser realizada por “despacho judicial”. Essa expressão deve ser entendida como um procedimento administrativo, cujo trâmite se dará pela Corregedoria Permanente3.

Se a retificação pretendida implicar a alteração das divisas ou da área do imóvel, o Juiz Corregedor determinará, necessariamente, a citação de todos os confrontantes e do alienante do imóvel (artigo 213, § 2°, da LRP).

Após as manifestações dos confrontantes e do alienante, o Ministério Público também deverá se manifestar, conforme exige o artigo 213, § 3°, da LRP. Caso haja alguma impugnação fundamentada, seja dos confrontantes, seja do Ministério Publico, o Juiz Corregedor remeterá o interessado às vias ordinárias. O interessado terá que ingressar, então, com uma ação judicial para tentar obter a retificação desejada (artigo 213, § 4°, da LRP).

Pode ocorrer, porém, do Juiz Corregedor entender que não há qualquer impugnação fundamentada ao pedido e, por essa razão, deferir a retificação, através de sentença. Seja ou não deferida a retificação, cumpre ressaltar que, mesmo no procedimento administrativo, as partes terão o direito de apelar, sendo recebido o recurso em seu duplo efeito (suspensivo e devolutivo) (artigo 213, § 5°, da LRP).

(c) Retificação por ação judicial

O terceiro modo para se alcançar a retificação de um registro consiste no ajuizamento de uma ação judicial que tramitará perante a Vara Cível da Comarca em que está localizado o imóvel e terá seu processamento pelos artigos 282 e seguintes do Código de Processo Civil (procedimento ordinário).

O ajuizamento da ação será necessário quando ocorrer, no processo administrativo, impugnação fundamentada ao pedido (artigo 213, § 4°, da LRP), ou se a parte optar diretamente pelas vias ordinárias (artigo 216 da LRP).

Dados os três procedimentos de retificação de registro imobiliário, com as suas peculiaridades e limitações, conclui-se que apenas dois deles são competentes nos casos de alteração das divisas do imóvel, quais sejam, o procedimento administrativo e o procedimento judicial.

Cabe agora explicar a razão pela qual se equivocam aqueles que, nesses casos, visam à retificação do registro com base no § 5° e no § 6°, do artigo 9°, do Decreto n° 4.449/02. Primeiramente, confiram-se, in verbis, os referidos dispositivos:

Art. 9°.

(...)

§ 5º O memorial descritivo, que de qualquer modo possa alterar o registro, será averbado no serviço de registro de imóveis competente mediante requerimento do interessado, contendo declaração firmada sob pena de responsabilidade civil e criminal, com firma reconhecida, de que não houve alteração das divisas do imóvel registrado e de que foram respeitados os direitos dos confrontantes, acompanhado da certificação prevista no § 1º deste artigo, do CCIR e da prova de quitação do ITR dos últimos cinco exercícios, quando for o caso.

§ 6º A documentação prevista no § 5º deverá ser acompanhada de declaração expressa dos confinantes de que os limites divisórios foram respeitados, com suas respectivas firmas reconhecidas. (sem grifos no original)

(...)

A bem da verdade, a simples averbação de um novo memorial descritivo contendo as novas divisas do imóvel registrado seria um modo mais rápido e conveniente ao interessado na retificação de área, pois o dispensaria de ingressar com um processo administrativo ou judicial. Nada obstante, o próprio texto legal menciona expressamente que não é possível realizar tal averbação no caso do imóvel haver sofrido alteração em suas divisas.

Imagine-se um caso de desapropriação em que houve o desmembramento de parte de um imóvel. A área remanescente deve obviamente ser retificada, para que constem suas novas divisas com a área expropriada. Com fundamento no § 5° e no § 6°, do artigo 9°, do Decreto n° 4.449/02, alguns pretendiam que o proprietário da área remanescente elaborasse um memorial descritivo com as novas divisas e colhesse a assinatura dos confrontantes concordando com esse documento, para assim proceder à retificação do registro.

Contudo, no exemplo acima, sabe-se que houve alteração nas divisas do imóvel e, por essa razão, a retificação deve ser promovida via processo administrativo ou judicial, com a citação de todos os confrontantes (artigo 213, § 2° e artigo 216 da LRP).

A averbação de um novo memorial assinado pelo interessado e pelos confrontantes só é possível na hipótese do memorial descritivo, registrado anteriormente na matrícula, conter algum equívoco. O equívoco, assim, está restrito ao documento, razão pela qual o próprio Oficial do CRI pode promover a averbação do novo memorial, sem a necessidade de qualquer processo administrativo ou judicial. Repare-se que nesse caso não ocorrem alterações nas reais divisas do imóvel registrado, mas apenas a correção de um documento.

Considerando que os registros públicos imobiliários guardam a presunção de veracidade da titularidade, a LRP visou resguardar, ao máximo, o direito de terceiros, para que estes não sejam prejudicados por quaisquer fraudes. Portanto, quando um imóvel sofre alterações em suas divisas, a LRP prevê a necessidade de citação de todos os confrontantes, seja por processo administrativo, seja por processo judicial.

Por fim, destaque-se que o presente estudo foi realizado sob o aspecto estritamente legal. Na prática, porém, os Oficiais dos CRI podem, algumas vezes, realizar registros em desacordo com os preceitos normativos. Nesses casos, caberá à parte prejudicada valer-se do seu direito de ação para solucionar o conflito.
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1 Lei n° 10.267/01 alterou dispositivos das Leis n° 4.947/66, n° 5.868/72, n° 6.015/73, n° 6.739/79 e n° 9.393/96.

2 Valmir Pontes, Registro de Imóveis, São Paulo, Ed. Saraiva, 1982, p. 127.

3 Nesse sentido, Walter Cruz Swensson, Manual de Registro de Imóveis, São Paulo, Ed. Saraiva, 1991, p. 219/220
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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