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Uma nova visão sobre a responsabilidade civil do advogado

Após o advento do Código de Defesa do Consumidor foi constatado um significativo aumento no número de ações que tem como objeto a busca da responsabilização civil dos profissionais liberais em razão de danos causados aos clientes no exercício da profissão.

19/7/2004

Uma nova visão sobre a responsabilidade civil do advogado


Ulisses César Martins de Sousa*

Após o advento do Código de Defesa do Consumidor foi constatado um significativo aumento no número de ações que tem como objeto a busca da responsabilização civil dos profissionais liberais em razão de danos causados aos clientes no exercício da profissão. Nesse universo não são poucas as ações promovidas contra advogados. Esse fenômeno é mundial. Na doutrina internacional alguns autores já registraram que “cuando se habla de la responsabilidad professional, muchas personas (especialmente los medicos) suelen expresar que actualmente existe casi una nueva caza de brujas1

Sobre a responsabilidade civil dos advogados a doutrina, sem grande divergência, apontava que estavam esses profissionais sujeitos às disposições do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Nessa linha Paulo Luiz Netto Lobo2, ao comentar o Estatuto da Advocacia e da OAB, afirmou que “além da responsabilidade disciplinar, o advogado responde civilmente pelos danos que causar ao cliente, em virtude de dolo ou culpa”. Sobre o tema esse renomado autor afirmou ainda que a responsabilidade civil do advogado seria regida pelos seguintes dispositivos legais: (i) artigo 133 da Constituição Federal; (ii) artigo 186 do Código Civil de 2002; (iii) artigo 32 da lei 8.906/94 (EOAB) e (iv) artigo 14 § 4º do Código de Defesa do Consumidor.

A suposta incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor sobre as relações travadas entre os advogados e seus clientes atrairia a possibilidade de - com base nas regras do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor - inverter-se o ônus da prova nas ações de indenização promovidas contra os advogados. O próprio Paulo Luiz Netto Lobo3, doutrinando sobre a responsabilidade civil dos advogados, advertia que, no caso dos profissionais liberais, estávamos diante de responsabilidade por culpa presumida que “tem por efeito prático justamente a inversão do ônus da prova”. Defendia a doutrina a presunção de que o advogado era culpado pelo defeito do serviço, cabendo a este profissional o ônus de provar, além das hipóteses comuns de exclusão da responsabilidade civil, que não teria agido com dolo ou culpa. Alguns autores iam mais longe e defendiam que “a responsabilidade do advogado, entendida à luz do Código de Defesa do Consumidor, não deve ser interpretada nos restritos limites do § 4º do artigo 14, mas devidamente objetivada, considerando que esse tipo de profissional presta ou fornece serviços ao cliente/consumidor4.

Essa situação foi levada ao exame do Conselho Federal da Ordem dos Advogados através da Consulta 001/2004, apreciada pelo Órgão Especial, tendo como relatora a ilustre Conselheira Federal Gisela Gondim Ramos. No processo referido indagava a Consulente acerca da possibilidade de inversão do ônus da prova em ação de responsabilidade civil movida contra advogado. A conclusão alcançada foi a de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica às relações jurídicas havidas entre os advogados e seus clientes.

Explica-se.

Pressuposto essencial para a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor é a existência de uma relação de consumo. Nesse ponto o voto da Conselheira Federal da OAB Gisela Gondim Ramos, proferido na apreciação da Consulta acima referida, foi claro ao afirmar que “entre advogado e cliente não se estabelece uma relação de consumo, seja porque a advocacia constitui-se um múnus público, disciplinada por lei especial, seja porque, em última análise, não encontramos nela os elementos subjetivos e objetivos capazes de inseri-la no mercado de consumo”.

Assinala ainda a decisão referida que a responsabilidade civil dos advogados é regulada em por norma contida em lei especial – artigo 32 da lei 8.906/94. Ora, sendo o Estatuto da Advocacia e da OAB uma lei especial, editada em data posterior ao Código de Defesa do Consumidor – que é uma lei geral – é incensurável a conclusão de que as normas consumeristas se mostram incompatíveis com o Estatuto da Advocacia. As normas do CDC, como afirmou a Conselheira Federal Gisela Gondim, “não tem eficácia no que diz respeito às relações jurídicas estabelecidas entre os advogados e seus clientes”, prevalecendo as normas do último diploma legal referido (EOAB) sobre as do primeiro (CDC).

O CDC foi editado para tornar efetiva a norma constitucional a norma do artigo 170, V da Constituição Federal que estabelece a proteção do consumidor como um dos princípios nos quais se funda a ordem econômica nacional. O estudo da origem do direito do consumidor demonstra que este surgiu para compensar as desigualdades existentes entre fornecedor e consumidor no mercado. O advento da Revolução Industrial e do consumo em massa fez desaparecer a igualdade entre consumidor e fornecedor, não havendo espaço, no moderno mundo dos negócios, para a discussão das cláusulas e condições que irão reger os contratos. A sociedade de consumo atual é marcada pelos contratos massificados, nos quais o consumidor e o fornecedor perdem a identidade. Isso não acontece nas relações entre cliente e advogado. Essa relação é marcada pela confiança que o primeiro deposita no último. A advocacia é avessa à mercantilização. Logo, é impossível pretender se aplicar a essa atividade o Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que tem a existência do mercantilismo como pressuposto.

Essas conclusões coincidem com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. Em valioso precedente aquele Egrégio Tribunal, ao apreciar o Recurso Especial 532.377 - RJ5, reconheceu que “não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n° 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo”. No julgamento referido o relator, ministro César Asfor Rocha, foi claro ao afirmar que “ainda que o exercício da nobre profissão de advogado possa importar, eventualmente e em certo aspecto, espécie do gênero prestação de serviço, é ele regido por norma especial, que regula a relação entre cliente e advogado, além de dispor sobre os respectivos honorários, afastando a incidência de norma geral”. Assinalou o relator que “os serviços advocatícios não estão abrangidos pelo disposto no art. 3°, § 2°, do Código de Defesa do Consumidor, mesmo porque não se trata de atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31, § 1°, e 34, III e IV, da Lei n° 8.906/94) - evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo”.

Registre-se ainda que o vigente Código Civil não traz nenhuma regra própria acerca da responsabilidade civil dos advogados. O referido diploma legal dispensou tratamento mais apurado à responsabilidade civil. Inicialmente, na parte geral, estabeleceu as definições dos atos ilícitos nos artigos 186 e 187. Em momento posterior, no artigo 927, o Código Civil estabelece a regra geral de responsabilidade civil. Nesse diploma legal a regra continua sendo a responsabilidade subjetiva. Porém, ressalva o parágrafo único do artigo 927 que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”, hipótese que não se adequa aos serviços prestados pelos advogados. Para estes profissionais a regra continua sendo a do artigo 32 da lei 8.906/94, ou seja, é o advogado responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Ante tudo o que foi exposto, a única conclusão que se pode alcançar, no tocante à responsabilidade civil do advogado, é que esta é subjetiva, regida pelo artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB, sendo inaplicáveis a estes profissionais as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
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1 Sobrino, Augusto Roberto.La Responsabilidad Profesional de Los Abogados. in Revista de Direito do Consumidor, nº 32. São Paulo. RT, 1999. p. 155

2 Lobo, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo. Saraiva, 2002. p. 171

3 Lobo, Paulo Luiz Netto. Responsabilidade Civil do Advogado. in Revista de Direito do Consumidor, nº 34. São Paulo. RT, 2000. p. 131

4 Vasconcelos, Fernando Antônio de. A Responsabilidade do Advogado à Luz do Código de Defesa do Consumidor. in Revista de Direito do Consumidor, nº 30. São Paulo. RT, 1999. p. 96

5 DJU DATA:13/10/2003 PG:00373

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* Advogado do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados









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Ulisses César Martins de Sousa
Advogado do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados

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