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A proibição de jogos de azar e cassinos no brasil é compatível com o Estado Democrático de Direito?

Está em trâmite na Câmara dos Deputados, projeto de lei n. 2826/2008 de autoria do Deputado Maurício Quintella Lessa do PR/AL em que pretende a legalização de cassinos, hotéis cassinos e jogos de azar, inclusive “jogo do bicho” em território brasileiro.

24/3/2008


A proibição de jogos de azar e cassinos no Brasil é compatível com o Estado Democrático de Direito?

Juliana Mancini Henriques*

Está em trâmite na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei n°. 2.826/2008 (clique aqui) de autoria do Deputado Maurício Quintella Lessa do PR/AL em que pretende a legalização de cassinos, hotéis cassinos e jogos de azar, inclusive "jogo do bicho" em território brasileiro.

Tal discussão não é nova é já foi objeto de análise de Comissão destinada a este fim no ano de 1996, dando a referida Comissão, à época, parecer favorável aos então Projetos de Lei n°. 4.652/94 e 1.074/95. Os referidos projetos passaram então para o Senado recebendo o n°. PLC 91/96 que chegou a ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, mas foi arquivado por tramitar há duas legislaturas sem decisão definitiva.

O atual PL 2.826/2008 retoma o tema sobre a legitimidade da proibição de jogos de azar no Brasil.

A proibição de jogos de azar foi instituída no Governo de Eurico Gaspar Dutra através de Decreto-Lei n°. 9.215/46 (clique aqui)que, em seu art. 1º, determinava a restauração, em todo o território nacional, da vigência do art. 50 e seus parágrafos da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n°. 3.688/41 - clique aqui - do Governo de Getúlio Vargas).

Dispõe o citado art. 50 do Decreto n°. 3.688/41, em vigor até hoje:

Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.

§ 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de dezoito anos.

§ 2º Incorre na pena de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, quem é encontrado a participar do jogo, como ponteiro ou apostador.

§ 3º Consideram-se, jogos de azar:

c) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;

b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;

c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

§ 4º Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público:

a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa;

b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar;

c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar;

d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino.

Na época, existiam 71 cassinos no Brasil que empregavam mais de 53.000 pessoas.

Os fundamentos utilizados por Gaspar Dutra para a proibição da prática e exploração de jogos de azar foram: que a repressão aos jogos de azar é um imperativo da consciência universal; que a legislação penal de todos os povos cultos contém preceitos tendentes a esse fim; que a tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro é contrária à prática e à exploração de jogos de azar e que, das exceções abertas à lei geral, decorreram abusos nocivos à moral e aos bons costumes.

Todos os fundamentos acima expostos são retratos fiéis do paradigma do Estado Social que vigia à época, momento em que surgia uma preocupação do Estado com o "bem estar" social de forma que os valores e tradições da sociedade da época eram balizadores das decisões tomadas.

Conceitos inesclarecidos e subjetivos como "consciência universal", "tradição moral e religiosa" ou ainda "bons costumes" não tem respaldo no paradigma atual do Estado Democrático de Direito. Não se pode admitir que qualquer norma seja fundamentada em religião, visto que implica um conceito indiscutível de fé. Não há como aceitar, também, uma obediência aos "bons costumes", conceito estritamente ligado a uma moral conservadora baseada em valores específicos de uma camada social.

Assim, qual seria hoje o fundamento racional para se proibir a prática de "jogos de azar" no Brasil? O que pesaria mais na balança: a preocupação do Estado com pessoas que poderiam perder todo o seu dinheiro e reservas na jogatina ou o emprego que tais empreendimentos gerariam? Pesaria mais forte a preocupação com "lavagem de dinheiro" ou com o investimento em fiscalização por órgãos competentes? Pesaria manter a exclusividade da exploração de loterias (que não deixa de ser um jogo de azar, vez que conta somente com o fator sorte) nas mãos do Estado ou arrecadar mais tributos com esse tipo de atividade?

Na exposição de motivos da Medida Provisória 168/2004 (clique aqui) que proibia todas as modalidades de bingo e jogos "caça-níqueis" no Brasil - jogos também considerados de "azar" - constava como argumento para a proibição que "em torno desses estabelecimentos formou-se um círculo de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção, a ponto de ameaçar a estabilidade institucional e gerando até mesmo reflexos nos investimentos econômicos".

Ora, a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção estão presentes em diversas atividades no Brasil, mesmo as lícitas, fato noticiado a todo momento pela imprensa nacional e não é a proibição de tais jogos que encerrará esta prática, infelizmente.

A proibição pura e simples de qualquer atividade não é compatível com o Estado Democrático de Direito. Impor uma ordem a uma sociedade, cujos fundamentos são baseados em valores e não em um argumento racional, sem que seja dada a esta sociedade a possibilidade de amplo debate sobre o tema que lhe atinge diretamente, ou seja, sem possibilitar à esta sociedade participar de uma norma em que ela é destinatária final, é negar todo o esforço despendido para a consolidação do novo paradigma de direito.

O que é preciso ser feito é um debate público envolvendo toda a sociedade sobre a questão da proibição de cassinos, bingos, e prática de outros jogos de azar no Brasil. É fundamental que sejam apresentados todos os argumentos favoráveis e contrários ao tema, todos baseados em argumentos racionais que possibilitem discussão, para que a sociedade tenha conhecimento das questões envolvidas e tenha liberdade de optar, livremente, pela legalidade ou não dos cassinos, hotéis cassinos e jogos de azar no Brasil.

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*Coordenadora do Departamento de Direito Empresarial do escritório Manucci Advogados











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