A multa do FGTS e as diferenças decorrentes dos expurgos inflacionários
Renato A. Melquíades de Araújo*
Contudo, por determinação do Governo, os saldos das contas do FGTS não foram atualizados monetariamente, o que ensejou considerável prejuízo aos trabalhadores, posteriormente rechaçado pela jurisprudência da mais alta corte judicial do país.
Como conseqüência do uníssono entendimento firmado pelo STF, no sentido de serem devidas as correções inflacionárias retroativas à época descrita, foi editada a Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, dispondo, em seu art 4º, que a Caixa Econômica Federal ficava autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, às expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990.
Dessa maneira, restou legalmente reconhecido o direito dos trabalhadores de terem seus saldos em contas do FGTS corrigidos com os índices inflacionários constados no período em questão.
Em detrimento das discussões ainda latentes, questão que se põe ora em evidência é a problemática concernente ao pagamento da multa prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei nº 5.107/66, que foi revogada pela Lei nº 8.036/90. Essa última institui, em seu art. 18, §1º, em observância ao disposto no art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, a penalidade pecuniária para o caso de demissão sem justa causa de empregado, incidente no percentual de 40% (quarenta por cento) sobre os depósitos efetuados na conta vinculada do trabalhador pela empresa.
Nesse toar, destaque-se a possibilidade de o obreiro ter sido demitido imotivadamente, tendo recebido a indenização prevista no ADCT em momento anterior à correção do saldo de sua conta no FGTS pela Caixa Econômica Federal legalmente determinada. A hipótese indicada reflete os casos em que o cálculo da multa referida, para fins de pagamento pelo empregador em casos de demissão sem justa causa, realizou-se de forma inidônea, já que o saldo da conta do trabalhador encontrava-se com valores defasados.
Em decorrência desta irregularidade, travou-se intensa discussão nos tribunais trabalhistas pátrios acerca da responsabilidade pelo pagamento das diferenças existentes entre os valores percebidos pelo obreiro e a quantia que realmente deveria ter sido paga à época. Tal contenda foi dissipada pelo Tribunal Superior do Trabalho, tendo essa corte decidido que o empregador deve responder, perante à Justiça do Trabalho, pela correção da multa do FGTS, já que as diferenças decorrentes dos expurgos inflacionários têm caráter meramente acessório.
Para o TST, é irrelevante o fato de a diferença advir da aplicação dos expurgos inflacionários reconhecidos pelo STF como devido aos obreiros como conseqüência de uma imposição governamental, já que a reparação é imposta àquele que possuía a obrigação de satisfazer a penalidade prevista no art. 10, I, do ADCT no momento adequado. Sobre a questão, inclusive, o derradeiro pretório trabalhista editou a Orientação Jurisprudencial nº 341, publicada no Diário da Justiça em 22/6/03, in verbis:
FGTS. Multa de 40%. Diferenças decorrentes dos Expurgos Inflacionários. Responsabilidade pelo pagamento. É de responsabilidade do empregador o pagamento da diferença da multa de 40% sobre os depósitos do FGTS, decorrente da atualização monetária em face dos expurgos inflacionários.
Como estratégia de defesa, as empresas suscitadas em Juízo comumente opõem a tese de que os pleitos trabalhistas não seriam mais exigíveis, em virtude do alcance do instituto da prescrição, nos termos do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal. Esse dispositivo prevê que é assegurado o direito de ação aos trabalhadores quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de 5 (cinco) anos, respeitando-se o limite de 2 (dois) anos do término da relação empregatícia.
Argüiu-se que as postulações obreiras estavam sendo realizadas em data muito posterior aos dois anos limites previstos na Constituição Federal, impossibilitando-se, com isso, a análise judicial dos pedidos de pagamento das diferenças resultantes da aplicação dos índices inflacionários nas contas do FGTS. Tratar-se-ia da perda do direito do trabalhador de postular judicialmente o prejuízo que lhe fora causado pela defasagem determinada pelo governo, concernente a correção monetária do saldo porventura existente em sua conta do FGTS.
Com efeito, a discussão doutrinária referia-se à data em que se iniciaria a contagem do prazo prescricional para a propositura de ação judicial, postulando a diferença entre os valores da multa do FGTS. Para alguns, o interregno prescricional teria seu início a partir do momento da rescisão do pacto laboral, em consonância com o disposto no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal.
De outro vértice, há a corrente doutrinária e jurisprudencial que defende ter iniciado a contagem do cutelo temporal constitucional a partir da data da publicação da Lei Complementar nº 110. Ainda, para alguns especialistas, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data em que a Caixa Econômica Federal creditar a diferença do FGTS na conta vinculada dos trabalhadores, e, para outros, aplicar-se-ia a regra do interesse processual, alargando-se o prazo de 2 (dois) para 5 (cinco) anos.
Ocorre que, em conformidade com a jurisprudência firmada em instâncias inferiores e pelas Turmas do próprio TST, a Sessão de Dissídios Individuais–I ratificou o entendimento de que o prazo prescricional para que os trabalhadores postulem a correção da multa do FGTS começa a fluir a partir da publicação da Lei Complementar nº 110.
Assim, pela inteligência do TST, a contagem do prazo prescricional não se inicia na data da resilição do contrato de emprego, e sim, em 29 de junho de 2001, data da publicação da referida Lei Complementar. Subseqüentemente, as empresas porventura demandadas em juízo para o pagamento da diferença da multa do FGTS devem argüir a superveniência do manto prescricional, já que o direito de ação na justiça do trabalho se esgota em dois anos, ou seja, no caso vertente, teria findado em 28 de junho de 2003.
Cumpre ressaltar, por oportuno, que o fato do TST ter firmado o entendimento mencionado constituirá relevante precedente jurisprudencial, o qual deve ser observado pelas instâncias trabalhistas inferiores.
Contudo, como a discussão em tela envolve matéria eminentemente constitucional, posto que a prescrição do direito de ação vertente é tratada no art. 7º, inciso XXIX, da Carta Magna, ressalte-se que a palavra final sobre o presente debate incumbirá ao Supremo Tribunal Federal, porquanto a matéria já esteja praticamente pacificada na seara infraconstitucional trabalhista.
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* Advogado do escritório Martorelli Advogados