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Utilização de telefone celular pelo preso e a Lei n°. 11.466, de 28 de março de 2007

A segurança pública, um dos sustentáculos da estrutura democrática, nos últimos tempos, vem sofrendo sério abalamento pelo avanço da criminalidade organizada.

10/3/2008


Utilização de telefone celular pelo preso e a Lei n°. 11.466, de 28 de março de 2007

Fernando Capez*

A segurança pública, um dos sustentáculos da estrutura democrática, nos últimos tempos, vem sofrendo sério abalamento pelo avanço da criminalidade organizada.

Basta lembrarmos o gravíssimo episódio em que o maior estado do Brasil foi assolado pelos atos bárbaros de violência, comandados e articulados pelo líder de uma organização criminosa, mediante o uso de telefonia móvel (celular), ficando completamente "rendido", com o conseqüente engessamento de suas atividades econômicas.

A combinação da ausência de medidas administrativas eficazes que impedissem a entrada do telefone móvel nos presídios com a inexistência de uma punição efetiva para aqueles que permitissem a sua entrada e para aqueles que o utilizassem trouxe um resultado bombástico: a atuação vertiginosa e descontrolada da criminalidade organizada por todo o País. Assim, do interior de um presídio em São Paulo seria possível provocar uma rebelião no Estado do Acre. Bastaria o uso do telefone celular.

Para agravar a situação, do interior das unidades prisionais, detentos ameaçam, extorquem, mediante o emprego dessa tecnologia móvel, deixando a população completamente indefesa, encontrando, a criminalidade organizada, nesse modus operandi, mais uma forma segura de praticar ilícitos e obter indevida vantagem econômica.

Nesse contexto, infelizmente, o uso do telefone móvel tornou-se uma arma letal nas mãos dos criminosos. A tecnologia criada, via de regra, para proporcionar bem-estar ao homem trouxe outro viés assustador: favoreceu os tentáculos da criminalidade organizada.

A situação afigurou-se ainda mais grave em virtude de, até então, inexistir qualquer punição para os presos flagrados de posse de telefone celular, a qual sequer constituía falta disciplinar grave. A Administração Estadual Penitenciária, desse modo, na tentativa de preencher esse vazio legislativo, chegou a editar resolução sobre o tema, que, entretanto, tornou-se inaplicável em face do óbice legal contido no art. 49 da Lei de Execução Penal (LEP), o qual dispõe que "As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as respectivas sanções". Nesse sentido, inclusive, se manifestou a 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro Felix Fischer, j. em 2.2.2006, DJU de 3.4.2006, p. 378.

Buscando dar uma resposta à sociedade, ainda que a destempo, foi promulgada a Lei n°. 11.466, de 28 de março de 2007 (clique aqui), que entrou em vigor na data de sua publicação, isto é, em 29 de março de 2007.

O mencionado diploma legal trouxe duas modificações: a) incluiu o inc. VII no art. 50 da LEP, passando a considerar autor de falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que "tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo"; b) acrescentou o art. 319-A ao Código Penal (clique aqui), o qual passou a vigorar com a seguinte redação: "Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano".

Dessa forma, a partir do advento da Lei n°. 11.466/2007, aquele que tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo cometerá falta grave. Tal situação lhe acarretará uma série de conseqüências, como a perda dos dias remidos, a impossibilidade da concessão do livramento condicional pela ausência de comportamento satisfatório e da progressão de regime, e ensejará a regressão de regime.

Não bastasse essa modificação legislativa, a Lei n°. 11.466/2007 considerou criminosa a conduta de "Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano".

A lei, portanto, procurou criminalizar a conduta daquele que, tendo o dever legal de impedir o acesso do preso ao aparelho telefônico, rádio ou similar, torna-se omisso. Não se pune criminalmente, por conseguinte, no caso, o preso que utiliza o aparelho telefônico, rádio ou similar, mas tão-somente o Diretor de Penitenciária ou agente público (por exemplo: carcereiro) que deixa de cumprir o dever de vedar ao preso o acesso ao aparelho. O criminoso apenas comete falta grave. Mencione-se que o crime se consuma no momento em que há o descumprimento do dever legal pelo Diretor ou agente público, possibilitando o acesso do preso ao aparelho, independentemente de vir a lograr a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Em virtude da pena cominada, estamos diante de uma infração de menor potencial ofensivo, sujeita aos institutos e procedimentos da Lei dos Juizados Especiais Criminais. Finalmente, por se tratar de novatio legis incriminadora, não poderá retroagir para atingir fatos praticados antes de sua entrada em vigor.

Muito embora a Lei n°. 11.466/2007 tenha procurado sancionar disciplinarmente o preso ou penalmente o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, tais reprimendas, infelizmente, não têm impedido, a contento, o uso da telefonia móvel no interior dos presídios.

Com efeito, segundo notícia veiculada no jornal "O Estado de S. Paulo", na data de 7 de janeiro de 2008, todos os meses são apreendidos nas prisões paulistas de 800 a 900 telefones celulares, dado este revelado pelo próprio Secretário da Administração Penitenciária, Antonio Ferreira Pinto. Apurou-se, ainda, que há aproximadamente dois preços para um celular entrar num presídio: R$ 500,00 (quinhentos reais), se for por meio de agente penitenciário, e R$ 200 (duzentos reais), se por meio de uma visita.

Obviamente, a persistência de tal situação se deve a inúmeros fatores, os quais não poderão ser combatidos apenas com a ação repressiva do Estado. Na realidade, tais dados apenas refletem a crise na qual se encontra o sistema prisional e que antecede à promulgação da Lei n°. 11.466/2007. Para exemplificar, cite-se a existência de uma estrutura administrativa deficiente com reduzido número de agentes penitenciários, os quais são remunerados de forma inadequada, constituindo, assim, a corrupção um problema endêmico nos presídios e um grave obstáculo ao perfeito funcionamento dos sistemas que dificultam a entrada de telefones celulares no interior dos presídios.

Aliado a isso, há dificuldade na própria repressão, pois a individualização da conduta para a imposição das penalidades legais encontra barreiras na própria estrutura prisional, a qual permite a superlotação das celas, impedindo, com isso, que se possa identificar quem é o possuidor do telefone móvel, guardado no seu interior.

Dentro dessa realidade caótica carcerária, também assume complexidade a punição do Diretor de Penitenciária, pois, muito embora seja sua a atribuição de gerir e fiscalizar unidade prisional, sabemos que na prática a organização interna do sistema penitenciário, em muitos Estados, possui outros diretores de departamentos, por exemplo, o Diretor de Disciplina, o que torna mais difícil a individualização da conduta.

Dessa forma, as sanções introduzidas pela Lei n°. 11.466/2007 constituem apenas um pequeno naco do conjunto de medidas que devem ser tomadas pelo Poder Público no combate ao uso da telefonia móvel, pois, em se tratando da proteção de um bem maior, a segurança da coletividade, o Estado deve agir principalmente de forma preventiva, não podendo sequer correr o risco de que seja permitida a entrada de um telefone móvel na unidade prisional.

Nesse contexto, não basta a mera punição, pois até que o preso seja flagrado de posse do telefone móvel e sancionado, já transcorreu tempo suficiente para que ele articule e comande rebeliões, determine a depredação de ônibus, de agências bancárias, enfim, cometa os atos mais bárbaros contra a população, que somente tem uma única saída: sentir-se assolada e abandonada pelo Poder Público. A leniência do Estado, em tais casos, pode ser desastrosa e, até mesmo, fatal.

Cabe ao Estado, portanto, implementar medidas administrativas eficientes que impeçam a entrada do telefone celular no interior da unidade prisional, aliadas a uma alternativa rápida e eficaz que é o emprego de tecnologia que evite a transmissão de seus sinais. Sem isso, não teremos como impedir que integrantes de organizações criminosas continuem a comandar e articular, de dentro dos presídios, o tráfico de drogas, de armas, o contrabando, as extorsões etc.

Somente o conjunto de tais medidas preventivas e repressivas impedirá que se tornem letra morta os termos plasmados no art. 144, caput, da Constituição da República (clique aqui), segundo o qual a segurança pública constitui dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.


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*Promotor de Justiça licenciado, Diretor Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Bandeirantes de São Paulo (UNIBAN), Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e Deputado Estadual pelo PSDB, <_st13a_personname w:st="on" productid="em São Paulo.">em São Paulo

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