Arbitragem Internacional: necessidade de integração entre a lei brasileira e as convenções internacionais
Adler Martins*
A importância dada à arbitragem no mundo para resguardar as relações de comércio internacional pode ser percebida também pela quantidade de tratados e acordos existentes sobre o assunto. Nesse sentido, podem-se listar o Protocolo de Genebra de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1923, a">1923, a Convenção de Gênova de 1927 e a Convenção de Nova Iorque de 1958, como resultados notáveis do esforço mundial pela padronização da arbitragem internacional, diminuindo as incertezas e inseguranças das atividades comerciais internacionais. Contudo, não obstante o esforço de vários países signatários dos referidos tratados para regular a arbitragem internacional, a experiência prática do uso da arbitragem baseada nestes tratados acabou trazendo à tona diversos problemas, gerando por via de conseqüência várias críticas às convenções até então existentes. Faltava, portanto, a construção de um modelo internacional mais eficiente e harmônico para a arbitragem.
Diante desde cenário, no início dos anos 80 do século passado, um comitê formado por representantes de 58 países, incluindo o Brasil, e 18 organizações internacionais, presidido pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral, na sigla em inglês), empreendeu um esforço em prol da arbitragem e discutiu, durante três anos, os termos de uma lei-modelo sobre arbitragem. O objetivo não era unificar a matéria através de uma convenção internacional, mas buscar a harmonização das diversas legislações internas e resolver problemas que afetavam a aplicação da arbitragem internacional.
Diante deste esforço, a Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n°. 40/72, de 11.12.1985, aprovou o texto final dessa Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional.
Por contar com a adesão de países que movimentam dois terços do comércio mundial, a Lei Modelo da Uncitral foi um grande avanço e representou a solução de diversos problemas existentes na arbitragem internacional até então. Seu texto solucionou várias falhas das convenções anteriores, além de influenciar a revisão dos regulamentos arbitrais das principais câmaras de arbitragem do mundo, incluindo a Câmara Internacional de Comércio, da França, a American Arbitration Association, dos Estados Unidos, e a CIETAC (China International Economic and Arbitration Comission), da China.
Além disso, influenciou grande parte das legislações nacionais sobre arbitragem, promulgadas após sua aprovação, inclusive a do Brasil. A Lei Modelo aborda a Arbitragem desde sua formação até a execução da sentença arbitral, constituindo um código relativamente completo de procedimentos.
Quanto à extensão da influência da Lei Modelo da Uncitral, cabe consultar as informações trazidas por José Augusto Delgado, em artigo que trata da arbitragem no Brasil1, mas que faz referência introdutória à Lei Modelo:
Ao comentar, a seguir, a decisão da UNCITRAL que, em 11.12.85, pela Resolução nº. 40/72, <_st13a_personname w:st="on" productid="em sua Assembléia Geral">em sua Assembléia Geral na 112ª Reunião, aprovou uma Lei Modelo de Arbitragem, afirmou, ainda, José Maria Rossani Garcez, pág. 172, ob. citada, que:
Além das Regras sobre Arbitragem antes referidas, a Uncitral aprovou, pela Resolução nº. 40/72, <_st13a_personname w:st="on" productid="em sua Assembléia Geral">em sua Assembléia Geral na 112ª Reunião Plenária, de 11.12.85, uma Lei-Modelo de Arbitragem, preparada em regime de consultas com entidades arbitrais e experts internacionais da área, com o objetivo de poder ser aceita e adaptada pelos Estados e assim contribuir para o desenvolvimento harmônico das relações comerciais e a criação de um framework internacional. A Lei-Modelo, em 36 artigos, se aplica à arbitragem comercial internacional, ficando esclarecido, em nota de rodapé ao numeral (1) do artigo primeiro, que ao termo 'comercial' é dada uma ampla interpretação, para cobrir todas as relações de natureza comercial, sejam elas contratuais ou não.
Um estudo levado a efeito pelo Professor Pieter Sanders (Professor emeritus na Universidade de Rotterdam, artigo constante do vol. II nº. 1 do Arbitration International, LCIA, 1995), registra que o impacto da Lei-Modelo é tão elevado que praticamente nenhum Estado que tenha modernizado seu sistema legislativo sobre arbitragem, após a sua edição, teria, inter alia, deixado de levá-la <_st13a_personname w:st="on" productid="em consideração. Alguns Estados">em consideração. Alguns Estados adotaram a Lei-Modelo por inteiro, outros se adaptaram a maior parte de suas provisões, de forma que existem países que podem ser caracterizados como países da Lei-Modelo (Model Law countries). Uma lista de 14 desses países que adotaram os standards da Lei-Modelo no período compreendido entre 1986 e 1994 é apresentada nesse estudo como adiante se reproduz, com registro do ano da adoção: Canadá (1986); Chipre (1987); Bulgária e Nigéria (1988); Austrália e Hong Kong (1989); Escócia (1990); Peru (1993); Bermuda, Federação da Rússia, México e Tunísia (1993); Egito e Ucrânia (1994). Além desses países, oito Estados norte-americanos adotaram também os padrões da Lei-Modelo: Califórnia, Connecticut, Florida, Georgia, North Carolina, Ohio, Oregon e Texas.
Até 1995, quando o estudo do Professor Pieter Sanders foi realizado, 22 países haviam promulgado leis internas sobre arbitragem adaptando-as, substancialmente, aos padrões da Lei-Modelo (DELGADO, 2003).
Cumpre informar que atualmente, a influência da Lei Modelo já atingiu inúmeros países de todo o mundo2, o que prova sua capacidade de integrar os princípios mais modernos e eficientes relativos à arbitragem comercial internacional.
Imerso no cenário internacional de evolução dos acordos sobre arbitragem, o Brasil assinou o Protocolo de Genebra, em 1923 sendo também signatário da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (Panamá, 1975) promulgada, finalmente, no Brasil, para ser executada e cumprida, em 9.5.96. Mais recentemente, em 2002, o país reconheceu a convenção de Nova Iorque. E, embora não tenha adotado o texto da Uncitral, a Lei n°. 9.307/96 (clique aqui), que regula a arbitragem no Brasil, tem sua gênese nos preceitos dessa Lei Modelo.
Pelo exposto acima, pode-se observar que é a partir de 1996 que o Brasil dá impulso à sua regulamentação interna sobre Arbitragem Internacional. Isso fica ainda mais claro ao se constatar que, antes da Lei n°. 9.307/96, a legislação pátria sobre arbitragem era excessivamente burocrática e pouco confiável, além de demasiadamente dependente do poder judiciário. Se, em parte, esse revigoramento da Arbitragem no país é motivo de orgulho, deve-se também lembrar que o Brasil iniciou-se no tema com algumas décadas de atraso. Exemplo cristalino é a adoção tardia da Convenção de Nova Iorque, fundamental para a execução das sentenças arbitrais internacionais, e que só foi ratificada por aqui 40 anos após sua criação.
A produção intelectual do país a respeito do tema acompanhou o novo sopro de vida trazido pela Lei n°. 9.307/96. Farto material foi publicado estudando os dispositivos da norma, além de grande número de escritos que procuravam acompanhar a evolução jurisprudencial do entendimento sobre a lei, geradora de interessante debate no palco do STF.
Hodiernamente, a doutrina pátria ocupa-se com competência de temas atuais dentro da Arbitragem Internacional, tais como a Arbitragem na solução de conflitos entre investidores estrangeiros e o Estado, as arbitragens com múltiplas partes ou a arbitragem na solução de conflitos internos em consórcios de empresas.
É importante ressaltar que a diferenciação entre a arbitragem baseada em regras internacionais, em contraposição à arbitragem baseada em normas nacionais ou internas, traz diversas conseqüências práticas. Dentre elas, podem-se enumerar:
1. Os procedimentos arbitrais internacionais estão sujeitos a diversos tratados internacionais que regulam sua execução, dentre eles a Convenção de Nova York e a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, ambas ratificadas pelo Brasil;
2. A sentença arbitral proferida em outro país deverá estar em conformidade com a Lei daquele país para que possa ser executada no Brasil, conforme se aduz dos incisos do art. n°. 38 da Lei n°. 9.307/96;
3. Conforme apontam Redfern e Hunter (1999, p. 13), outra razão para distinguir a arbitragem interna da internacional é que, segundo a lei de alguns países, o próprio país ou suas entidades componentes somente estarão autorizados a ingressar em procedimentos arbitrais que digam respeito a transações internacionais;
4. Por fim, a arbitragem internacional tende a ser mais complexa, devido à possibilidade de as partes pertencerem a sistemas legais diferentes, o que demanda maior cuidado quanto à formulação da sentença arbitral, que deve buscar ser eficaz segundo as leis do território em que será finalmente executada.
Apesar de a Doutrina brasileira produzir grande quantidade de estudos sobre arbitragem internacional e de existirem muitos artigos explorando temas pontuais, como os acima mencionados, poucas obras fazem um estudo sistemático e comparativo entre a Lei Brasileira e as convenções internacionais. Principalmente no caso da Lei Modelo da Uncitral, é extremamente escassa a literatura nacional sobre o tema.
Cumpre ressaltar que essa falta de informações pode gerar insegurança para os empresários brasileiros envolvidos em relações de comércio internacional, uma vez que é comum, no exterior, a celebração de contratos internacionais contendo cláusulas arbitrais que remetam à Lei Modelo da Uncitral ou a regramentos arbitrais diretamente nela baseados.
Um dos riscos que correm os empresários seria adotar dispositivos da Lei Modelo que violam formalidades da Lei Brasileira e, simultaneamente, realizar a arbitragem no Brasil. Caso isso ocorra, a arbitragem será considerada brasileira, e o erro formal poderá causar sua invalidade ou nulidade. Um exemplo disso seria a dispensa de fundamentação do laudo arbitral. Apesar de permitida pela Lei Modelo, esse arranjo contraria a Lei n°. 9.307/96. Nesta hipótese, a arbitragem poderia ser considerada inválida no Brasil, muito embora pudesse ser considerada perfeitamente válida se fosse proferida no exterior, e somente depois homologada para execução no território nacional.
Assim, os empresários e profissionais do Direito que planejem utilizar-se da arbitragem em seus contratos internacionais devem permanecer atentos e prevenir-se, com antecedência, quanto a eventuais inconsistências entre a Lei Brasileira (ou a lei do país onde o laudo arbitral será executado) e os regramentos arbitrais eleitos nos contratos, a fim de assegurar que, qualquer que seja a decisão, possa ela ser validamente executada, no Brasil ou em outro país. Somente desta maneira a segurança das transações internacionais poderá ser protegida com maior grau de precisão.
Bibliografia:
BRASIL. Lei Ordinária n°. 9.307, de 24.9.96. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial, Brasília, 24.9.1996.
DELGADO, José Augusto. A arbitragem no Brasil - Evolução histórica e conceitual
REDFERN, Alan; HUNTER, Martins. Law and Practice of International Commercial Arbitration. 3 ed. London: Sweet and Maxwell,1999.
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1 (clique aqui)
2 Conforme lista encontrada no site www.uncitral.org: Australia, Austria (2005), Azerbaijan, Bahrain, Bangladesh, Belarus, Bulgaria, Cambodia (2006), Canada, Chile, in China: Hong Kong Special Administrative Region, Macau Special Administrative Region; Croatia, Cyprus, Denmark (2005), Egypt, Estonia (2006), Germany, Greece, Guatemala, Hungary, India, Iran (Islamic Republic of), Ireland, Japan, Jordan, Kenya, Lithuania, Madagascar, Malta, Mexico, New Zealand, Nicaragua (2005), Nigeria, Norway (2004), Oman, Paraguay, Peru, the Philippines, Poland (2005), Republic of Korea, Russian Federation, Singapore, Spain, Sri Lanka, Thailand, Tunisia, Turkey (2001), Ukraine, within the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland: Scotland; in Bermuda, overseas territory of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland; within the United States of America: California, Connecticut, Illinois, Louisiana, Oregon and Texas; Uganda, Zambia, and Zimbabwe.
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*Advogado especializado <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Internacional">em Direito Internacional, coordenador do Departamento de Direito Internacional do escritório Manucci Advogados
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