O ISS e o valor dos materiais utilizados na construção civil
Marcos de Vicq de Cumptich*
João Rafael L. G. de Carvalho**
2. O perfil do ISS começa a ser delineado a partir do artigo n°. 156, inciso III da Constituição Federal (clique aqui), que atribui aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para tributar a prestação de serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. Por muito tempo a discussão em torno do ISS ficou bastante focada na lista de serviços anexa à lei complementar – se taxativa ou exemplificativa, por exemplo – enquanto que muito pouca relevância era atribuída à questão prévia, tão, ou ainda mais importante, da delimitação conceitual e constitucional do que seria a prestação de serviço tributável.
3. Analisando a constitucionalidade da exigência de ISS sobre a locação de bens móveis, no RE nº. 116.121/SP, o Plenário do STF adentrou esta discussão conceitual prévia e julgou inválida a cobrança do imposto municipal sobre aquela atividade, ao argumento de que deveria haver um sentido mínimo de prestação de serviço, assim compreendido como um "esforço humano" dirigido a uma determinada finalidade, identificado juridicamente como uma "obrigação de fazer", que não poderia ser desnaturado. No entender da Corte Suprema, este limite conceitual não poderia ser subestimado nem mesmo pelo próprio legislador complementar, razão pela qual foi considerada inconstitucional a incidência de ISS sobre um negócio que prescinde de qualquer trabalho humano ou obrigação de fazer e envolve tão somente a obrigação de ceder o uso e fruição de um determinado bem, como é o contrato de locação.
4. Considerando este conceito constitucional de prestação de serviço, reconhecido pelo STF, bem como que a base de cálculo de um tributo deve ser a medida adequada e proporcional do seu fato gerador, é elementar que o critério utilizado pelo legislador deve ser idôneo para aferir a riqueza evidenciada pela prestação do serviço. Deve, assim, ser quantificando o esforço humano empreendido pelo prestador do serviço, impondo-se uma congruência entre a base de cálculo do ISS e o valor da prestação de serviço. A contrário senso, elementos alheios à obrigação de fazer mensurada, como é o caso do valor dos materiais adquiridos para serem utilizados na construção civil, não devem integrar a base de cálculo do imposto.
5. Caso o valor dos materiais seja incluído na base de cálculo do ISS, o imposto não será graduado consoante a capacidade contributiva do prestador de serviço, como determina o § 1º do artigo n°. 145 da Constituição Federal. Afinal, a capacidade contributiva do prestador do serviço limita-se ao valor pago pelo serviço prestado. O valor dos materiais não influencia no preço do serviço prestado, podendo-se imaginar o caso em que, numa construção de uma determinada fábrica, o preço dos sofisticados equipamentos instalados no local até supere em muitas vezes o montante pago para que a obra seja executada.
6. Além disso, cobrar ISS sobre o valor dos materiais é tratar de modo desigual contribuintes em situação idêntica, isto é, que prestam o mesmo serviço, em ofensa ao princípio da isonomia tributária, previsto no artigo n°. 150, II da Constituição Federal. Basta verificar que o esforço humano despendido pelo empreiteiro na construção civil é o mesmo tanto naquelas empreitadas globais, em que os materiais são adquiridos pelo empreiteiro, como nas empreitadas de lavor, nas quais os materiais são fornecidos pelo próprio dono da obra. Não obstante, na primeira hipótese o montante de ISS seria superior se o preço dos materiais fosse incluído na base de cálculo, porque não se teria utilizado um critério adequado e isonômico.
7. Atenta a todos estes mandamentos constitucionais, a Lei Complementar nº. 116/2003 (clique aqui) é expressa em seu artigo 7º, § 2º, inciso I ao determinar a não inclusão, na base de cálculo do imposto, do valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de empreitada e de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras semelhantes. Com base no texto legal, os Tribunais pátrios vêm reconhecendo o direito dos contribuintes de não recolherem o ISS cobrado por alguns municípios também sobre o valor dos materiais empregados e instalados nas obras.
8. Contudo, um grande entrave que se coloca ao reconhecimento deste direito é a Súmula nº. 167 (clique aqui) do STJ, que dispõe que "o fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas a incidência do ISS", ou melhor, são alguns julgados que equivocadamente aplicaram o raciocínio deste enunciado em situações fora daquelas para as quais foi concebido.
9. Isto porque o enunciado surgiu para pacificar a intensa discussão em meados da década de 90, sobre qual o imposto que incidiria sobre a construção civil, se o ICMS ou o ISS, tendo em vista que a atividade envolvia, em certa medida, fornecimento de materiais, o que despertava algumas dúvidas. No entanto, o enunciado trata apenas do fornecimento de concreto, ou mais especificamente, da concretagem, em que este insumo é preparado pelo empreiteiro no próprio local de prestação ou a caminho dele e que agora é expressamente previsto como um dos serviços tributáveis no item 7.02 da lista anexa à Lei Complementar nº. 116/2003.
10. Mas de forma alguma deve-se confundir o preço pago pelo serviço de concretagem com o valor dos materiais lá fornecidos (cimento, areia, brita etc.), da mesma forma como não se deve incluir na base de cálculo do ISS o valor de outros materiais utilizados nas empreitadas de construção civil, como máquinas, peças e equipamentos, que sequer são fabricados no local da prestação ou fora dela pelo próprio empreiteiro, mas sim adquiridos de terceiros. O valor dos materiais utilizados na prestação não deve compor a base de cálculo do ISS, uma vez que representa não a remuneração pelo serviço prestado, mas um reembolso das despesas incorridas.
11. Esta distinção deve ficar bastante clara para que não haja equívocos na aplicação da Súmula STJ nº. 167 nem uma indevida inflação da base de cálculo do ISS, encarecendo o valor das empreitadas de construção civil e assemelhadas em uma época em que o crescimento do País aquece o mercado estimulando especialmente este setor da economia.
12. Assim, os contribuintes que estejam sendo obrigados a pagar o ISS também sobre as receitas decorrentes do reembolso dos materiais adquiridos de terceiros e utilizados/instalados nas obras de empreitada de construção civil e assemelhadas tem bons argumentos para questionar judicialmente esta indevida exigência, demonstrando os equívocos cometidos por alguns precedentes com relação a este assunto em específico.
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*Associado do escritório Pinheiro Neto Advogados
**Assistente da Área Tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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