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A renúncia de Cunha Lima

Diz a imprensa do dia 1° de novembro que o deputado Ronaldo Cunha Lima renunciou ao mandato para adiar seu julgamento. Com a renúncia perde o foro privilegiado e o julgamento passará à primeira instância. O ministro do STF que funcionava como relator considerou o caso como um “escárnio” com a Justiça em geral e com o STF, em particular.

5/11/2007


A renúncia de Cunha Lima

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues*

Diz a imprensa do dia 1° de novembro que o deputado Ronaldo Cunha Lima renunciou ao mandato para adiar seu julgamento. Com a renúncia perde o foro privilegiado e o julgamento passará à primeira instância. O ministro do STF que funcionava como relator considerou o caso como um "escárnio" com a Justiça em geral e com o STF, em particular.

O renunciante está sendo julgado porque em 1993, em um restaurante de João Pessoa, Paraíba, desferiu três tiros contra seu adversário político, Tarcísio Burity que, por sorte, não obstante gravemente ferido, conseguiu sobreviver. A vítima faleceu alguns anos depois, provavelmente de morte natural.

Cumpre esclarecer que, ainda segundo os jornais, o réu conseguiu retardar, por doze anos, seu julgamento. Sem a renúncia, seu julgamento ocorreria na próxima segunda-feira. Com a renúncia, provavelmente, como disse o ministro relator, Joaquim Barbosa, o processo "começará do zero". Não discuto isso porque não examinei esse ângulo técnico e não sou um especialista da área. Talvez seja possível aproveitar os atos processuais anteriores. Convém, no entanto, abordar já o assunto — mesmo como simples cidadão —, antes que o STF aceite, passivamente, a evidente manobra de má-fé que comprovará como são fracas as nossas instituições, indefesas contra as mais elementares manobras destinada à "tapeá-la".

Uma coisa posso garantir: nos EUA, por exemplo — e provavelmente em diversos países do Primeiro Mundo — essa "manobrinha esperta", destinada a obter a prescrição — e as vantagens legais propiciadas pela idade superior a setenta anos — não impediria seu julgamento pelo tribunal mais alto do país. Nos EUA, com um caso desses, seria criada uma nova jurisprudência — leading case —, aproveitando o longo trabalho processual anterior. Temendo a desmoralização popular, a Suprema Corte não aceitaria essa imposição do réu. Diria: "Se quiser renunciar, que o faça, mas será julgado aqui, como sempre pleiteou". E, sendo essa decisão proferida pelo tribunal máximo, sem nenhum outro acima dele, como modificar tal julgado?

O presente caso é uma oportunidade de ouro para o STF abrir suas asas — indiscutivelmente honradas — para aumento do prestígio e eficácia da Justiça brasileira. Não só no Brasil como também no Exterior. O que pensarão, outras cortes supremas, de nosso país, aceitando com a maior passividade, manobras que tais? E, se — eventualmente começando do zero seu processo, sem foro privilegiado — perto de seu julgamento conseguir se eleger novamente deputado, ele invocar o foro privilegiado, não querendo mais ser julgado pelo júri? Seria deferida essa "dança" de competências? Aqui está, hoje, uma nova oportunidade de nossa Corte Máxima fazer coincidir a justiça legal com a real. Sairá engrandecida com a inovação interpretativa.

O vetusto Código de Processo Penal brasileiro, de 1941 (clique aqui), não contém, pelo que sei, nenhum artigo autorizando o juiz a neutralizar manobras dessa natureza. Isso, talvez, porque a Justiça da época era mais naturalmente respeitada e temida. Já o Código de Processo Civil (clique aqui), mais recente, de 1973, deu um passo além. Contém, no Capítulo IV — "Dos poderes, dos Deveres e da Responsabilidade do Juiz" — uma "ferramenta" que autoriza o juiz "podar" artifícios "passa moleques". Diz o art. n°. 125 do CPC que "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: ... II - velar pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça".

Se isso vale para as demandas cíveis, com igual ou maior razão deveria valer para a área penal, em que o povo está mais interessado. "Reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça" poderia, em tese — por analogia —, valer para aplicação na justiça penal, à míngua de um dispositivo expresso na velha legislação processual penal. E a renúncia do deputado em questão, poucos dias antes de seu julgamento, é um típico "ato contrário à dignidade da justiça".

Obviamente, o STF não precisa nem de sugestões nem, muito menos, de lições sobre montagem de novos mecanismos na luta contra a impunidade. A competência intelectual de seus membros não merece ser posta <_st13a_personname w:st="on" productid="em dúvida. Estão">em dúvida. Estão no cargo em razão de suas qualificações anteriores à nomeação, acrescidas da experiência de julgar em última instância, conhecendo todos os argumentos possíveis em todos os processos. O que se pretende, com o presente artigo — e certamente em outros, de novos observadores, porque a comunidade jurídica deve estar chocada com a audácia do deputado renunciante — é estimular os honrados ministros a procurarem, na analogia e nos princípios gerais de direito, uma "construção jurídica" que faça coincidir o sentimento inato de justiça — que indiscutivelmente têm, individualmente — com a necessidade de zelar pelo respeito à lei. Vista esta, pela comunidade, não como um conjunto de textos bobos, manipuláveis à vontade por alguns dotados de força política.

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*Desembargador aposentado do TJ/SP e Associado Efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo








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