Proposta de Lei sobre Comércio Eletrônico
Fernando Jucá Vieira de Campos
Carolina Hungria de San Juan Paschoal*
Esse Projeto, aprovado no Senado Federal em 1999 sob n.º 672, teve seu texto alterado pela Câmara dos Deputados através do apensamento dos Projetos de Lei n.º 1.483/1999 e n.º 1.589/1999, que versavam sobre temas similares. A redação final, que é o Substitutivo ao Projeto n.º 4.906/2001, encontra-se para aprovação da Plenária da Câmara desde junho de 2001, sendo que tramita sob o regime de prioridade.
A importância da aprovação desse Projeto de Lei deve ser ressaltada, haja vista a necessidade de proporcionar certeza às partes para negociar por meio eletrônico. O crescente fluxo do comércio na Internet exige a regulamentação jurídica dessas transações, a fim de trazer segurança aos cidadãos no mundo virtual.
O Projeto de Lei em questão é dividido em quatro grandes blocos, quais sejam, (i) do documento eletrônico e da assinatura digital; (ii) da certificação digital e das entidades certificadoras; (iii) do comércio eletrônico; e (iv) das sanções aplicáveis. A intenção é disciplinar os principais aspectos desses temas, deixando o detalhamento pormenorizado de questões operacionais à regulamentação inferior.
O primeiro Título do Projeto traz, como disposição preliminar, a definição dos termos regulados nesse Projeto de Lei, que é compatível com a legislação de outros países, bem como com as recomendações da Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL).
Na seqüência, o Título II trata do documento eletrônico e da assinatura digital, assegurando o valor jurídico probante destes e aplicando, subsidiariamente, as demais disposições legais relativas à prova documental em nosso ordenamento, em especial as disposições dos Códigos Civil e de Processo Civil.
Os Títulos III e IV, por sua vez, versam sobre a certificação digital e as entidades certificadoras, propondo a adoção do sistema baseado na criptografia assimétrica de chaves, mas autoriza o uso de outros processos que satisfaçam os requisitos de segurança e operacionalidade necessários às transações virtuais. Ademais, estabelece que entidades públicas e privadas residentes no Brasil estarão autorizadas a certificar documentos e assinaturas, as quais poderão agir independentemente de autorização do Estado, mas poderão solicitar o seu credenciamento junto ao Poder Público se assim julgarem necessário. Referido credenciamento será feito por um ente credenciador, que poderá aplicar as sanções administrativas previstas no Título VI do Projeto, caso seja comprovada infração cometida por entidade certificadora.
O comércio eletrônico é amplamente tratado no Título V, que prevê que a manifestação de vontade das partes dar-se-á mediante a troca de documento virtual, considerado como enviado pelo remetente e recebido pelo destinatário se transmitido ao endereço eletrônico definido de comum acordo entre eles. Ademais, prevê a emissão eletrônica de fatura, duplicata e outros documentos de cobrança, cujo tratamento jurídico obedecerá à legislação comercial vigente para títulos de crédito não-eletrônicos.
Nesse Título fixa-se também a aplicação dos princípios do Código de Defesa do Consumidor para as relações de consumo pactuadas eletronicamente, a exemplo do direito de arrependimento. Adota o princípio da preservação do sigilo de informações do consumidor solicitadas pelo comerciante para efetivar o negócio eletrônico, sendo que este somente poderá divulgá-las mediante prévia e expressa autorização do titular.
Os Títulos VI e VII prevêem, respectivamente, sanções administrativas e penais aplicáveis à matéria. A sanção administrativa já mencionada sujeita a autoridade certificadora infratora a multa de R$ 10.000,00 a R$ 1.000.000,00. Na esfera penal, prevê a equiparação ao documento eletrônico e às transações de comércio eletrônico de crimes já previstos na legislação vigente, tais como a falsificação de documento público ou privado, falsidade ideológica, ou o extravio ou sonegação de documento, sem a necessidade de criar novos tipos penais para as relações eletrônicas.
Dentre as disposições gerais do Título VIII, o legislador estabelece que as controvérsias relacionadas ao Projeto de Lei poderão ser solucionadas por arbitragem, sendo necessária a contratação eletrônica de cláusula compromissória. Tendo em vista tratarem-se de relações privadas comerciais, as quais são livremente negociadas pelas partes, parece-nos desnecessário que a legislação faculte a aplicabilidade da arbitragem, uma vez que os contratantes podem simplesmente manifestar a sua vontade nesse sentido. Mais útil seria se a proposta legislativa detalhasse aspectos do procedimento arbitral, como lei aplicável ou local de instauração, já que a maioria dos contratos eletrônicos são omissos nesse sentido. Contudo, o legislador deve tomar cuidado para não fixar regras que possam interferir na autonomia da vontade das partes ao contratar.
Em síntese, o Projeto de Lei n.º 4.906/2001 compila a matéria a respeito de comércio e documentos eletrônicos em um único documento, a fim de trazer certeza e segurança jurídica ao meio virtual. Considerando esse propósito, outros projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional também poderiam ser apensos àquele, de forma a promulgar um verdadeiro código de relações eletrônicas.
Exemplo disso é o Projeto de Lei do Senado n.º 367/2003, que trata de "spam" (mensagem eletrônica não-solicitada através da qual são ofertados produtos e serviços na Internet). Considerando que a disciplina do envio dessas mensagens está diretamente relacionada à matéria abordada pelo Projeto de Lei ora analisado, inclusive no que versa sobre as sanções cabíveis, entendemos que seria adequado que aquele também fosse apensado a este.
Não obstante, o apensamento de outras propostas legislativas ao Projeto de Lei n.º 4.906/2001 não pode prestar-se a atrasar excessivamente a tramitação deste, uma vez que, aprovado pela Câmara dos Deputados, o Projeto voltará ao Senado para análise e, caso não haja alterações, seguirá então para sanção presidencial. Devido à relevância do assunto, faz-se mister que essa legislação seja aprovada e promulgada com a máxima urgência.
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* Advogados do escritório Veirano Advogados
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