China x Brasil: a importação de produtos natalinos e o amadurecimento do comércio exterior brasileiro – estudo de caso
Luis Fernando Rabelo Chacon*
Introdução
É com este foco que pretendemos escrever uma resenha crítica analisando e estudando referido caso concreto, com mais afinco no sistema aduaneiro e de defesa comercial brasileiro como um todo. Trataremos, portanto, de direito aduaneiro, com o charme daquilo que efetivamente esteve por trás da defesa apresentada pelos importadores nacionais e pelo conteúdo da decisão.
Desenvolvimento
A China e sua explosão recente, sobretudo, amplificada pela crescente e inevitável onda de internacionalização dos mercados, está preocupando o mundo. O primeiro termômetro que pode medir esta participação acirrada nas questões internacionais se deu logo após a crise do aço, praticada pelo governo norte-americano, que taxou quantitativamente a entrada de aço importado em território estado-unidense para proteger as siderúrgicas e mineradoras nacionais, pois o susto realmente veio da China. O Brasil importava muito para os EUA e ficou surpreso com a restrição de mercado, porém o crescimento da construção civil chinesa abriu um novo mercado para os brasileiros, beneficiando, sobretudo, o Brasil quando passou a vendê-lo por maior preço diante da procura pós-crise do aço, podendo barganhar entre EUA e China. Mas, não parou por aí.
Um dos setores que mais cresceu no Brasil nos últimos anos foi o de produtos populares, inclusive, com a abertura das famosas lojas de R$1,99. Nestas há presença gigantesca de produtos chineses, de peças para bicicleta, ferramentas, até massinha para modelar e brinquedos. Neste campo atuam grandes importadores que estão, desde a crise da indústria brasileira de brinquedos, aproveitando-se, muito bem, deste nicho de vendas.
Além dos exemplos citados, nesta área de vendas de produtos populares um dos que mais cresce é a venda de produtos natalinos, entre estes as árvores e bolas de natal artificiais. Porém, estas importações foram alvos de recente procedimento de investigação administrativa promovida por pedido de uma indústria nacional, sob a acusação de dumping da China e dano à indústria nacional, exigindo a adoção de barreira aduaneira tarifária e ou limitação das importações, para proteger o parque industrial interno e os interesses nacionais envolvidos.
Entre tantas outras investigações tivemos, neste caso, o privilégio de atuar na defesa do interesse dos importadores brasileiros do setor, atrelados à ABIPP (Associação Brasileira dos Importadores de Produtos Populares). É possível ver na íntegra a defesa apresentada e as circulares que encerraram a investigação no site (Migalhas n°. 1.751 - Brasil x China - clique aqui -).
A primeira identificação foi de que realmente havia uma diferença gritante entre os preços praticados: uma árvore chinesa de 1,8 mt chegava ao Brasil em 2006 com preço aproximado de 16 dólares, enquanto a brasileira era comercializada a aproximados 60 dólares. Contudo, deveríamos de alguma forma provar a inexistência de dumping, a inexistência de dano ou possível dano à indústria nacional, bem como justificar essa diferença extraordinária no preço. Pelo menos, tentaríamos impedir que ficasse demonstrado tudo isso, pois o ônus da prova era da indústria nacional, e por isso causamos indícios concretos do contrário, o que certamente provocou, mesmo que de forma indireta, o encerramento das investigações.
A defesa basicamente seria iniciada com alegação de simples exercício do direito de livre comércio e liberdade à iniciativa privada, previstos no artigo n°. 170 da CF (clique aqui), além de outros elementos que tornavam desnecessária, inclusive, a própria investigação, como veremos no decorrer desta resenha. Porém, alguns argumentos não jurídicos foram essenciais para a solução positiva do problema, com o encerramento da investigação, sem qualquer medida imposta.
A competência destas investigações, segundo legislação especial, está nas mãos do DECOM. O interessado, indústria nacional que detenha mais da metade do mercado, ou as indústrias nacionais que em conjunto detenham mais da metade do mercado nacional, encontram no próprio site do órgão citado um formulário eletrônico que suscita o problema, dando início à discussão do caso. Esse formulário, preenchido, é encaminhado para uma primeira análise e, avaliando-se verossímil a alegação de dumping e suposto dano à indústria nacional, instaura-se o procedimento de investigação nos termos da legislação citada. Exportadores e país de exportação, bem como outros interessados, sobretudo, os importadores de tais produtos apontados no sistema de importação do Brasil (siscomex – radar), são notificados formalmente para, se quiserem, se manifestar, mas para informar dados técnicos das importações realizadas e sua estrutura empresarial através da resposta de questionários.
Tomados os dados iniciais o órgão público poderá, preenchidos alguns requisitos, impor barreira comercial para o caso, como sobretaxas, denominado de direito provisório. Na continuidade a análise de dados permitirá ou não tornar este direito da indústria nacional, de sobretaxar produto importado, como direito temporário, que perdurará conforme decisão do órgão público, prorrogável a pedido dos interessados quando de sua expiração.
Ou seja, a proteção da indústria nacional, nestes casos, hipoteticamente falando, diz respeito ao prazo necessário para que a indústria nacional se recupere, se organize, tornando-se qualificada e competente o suficiente para atuar em pé de igualdade com os produtores estrangeiros e importadores.
Para avaliar todo o aspecto dimensional do problema torna-se imprescindível a avaliação do processo produtivo, analisando também a obrigatória similaridade entre os produtos, como requisito para a configuração do dumping. Uma das ferramentas será a possível visita in loco da indústria nacional, para conferência dos dados produzidos e confrontação dos processos produtivos.
Apesar da ampla defesa e do contraditório garantidos nos procedimentos de investigação, certo é que há muita discricionariedade na atuação e decisão dos organismos envolvidos. As defesas não bem sucedidas nestas investigações declinavam uma disputa acerca da presença ou não dos requisitos para a configuração do direito de sobretaxa, ou no mínimo, ficavam discutindo o alcance da aplicação do artigo n°. 170 da CF e o que isso representava na prática, principalmente, quando houve pelo Brasil o não formal reconhecimento da China como uma economia de mercado. Essas defesas não vingaram, na maioria das vezes, salvo melhor juízo, porque o organismo de investigação só instaurou o procedimento porque entendia justamente o contrário, avaliou isso no início e as defesas tentavam chover no molhado.
Pesquisando argumentos e resultados, nossa equipe avaliou que, fora do conteúdo jurídico, a batalha seria mais facilmente vencida, cercando os pontos jurídicos de argumentos não-jurídicos (... a que todo o advogado empresarial deve estar atento). As questões técnicas de produção, como por exemplo, o gasto de matéria prima por unidade produzida, o gerenciamento da indústria nacional, o desencontro das informações prestadas, e o decorrente alto custo da produção nacional poderiam ser destacados de forma prejudicar a decisão e ou tornar duvidosa a presença dos fatores inicialmente alegados. Haveria vários motivos justificadores dos 16 dólares de preço da árvore chinesa e nossa pesquisa por dados não jurídicos nos surpreendeu.
Além do custo China inferior ao custo Brasil, pela menor carga tributária e trabalhista, por exemplo, ou seja, custo de produção, haveria um motivo essencial para justificar a diferença de preço, instalado no processo produtivo e nas características dos produtos investigados que só aparentemente eram similares. No caso natalino ficou pericialmente comprovado, com a defesa, que o custo maior estava totalmente vinculado com a qualidade dos produtos, suas formas estruturais e de produção. A árvore chinesa, por exemplo, tinha um tripé de sustentação de plástico reciclado (a China é o país que mais recicla plástico), a árvore brasileira tinha um pé de quatro pontas, muito mais extenso, portanto, na fabricação de milhares de unidades, a indústria nacional gastava significativamente mais matéria prima. O tubo de aço da árvore chinesa (tronco do pinheiro) era sensivelmente de menor diâmetro do que o brasileiro, causando o mesmo resultado. O galho da árvore brasileira era trançado com duas linhas de fio de aço, a chinesa apresentava um único fio em sua armação.
Inclusive, e complementando isto, o produto chinês era sensível e visivelmente de qualidade inferior, porém adequada às normas do Inmetro. O produto chinês é um produto popular, sendo que a indústria nacional fabricava produtos em sua maioria mais refinados, até mesmo mais bonito. Isso indicava uma escolha do nicho de mercado, uma opção de mercado que não gerava concorrência entre os produtos, razão pela qual não se justificava a sobretaxa e, inclusive, não gerava a real similaridade exigida na legislação aplicada. Isso tudo ficou comprovado tecnicamente e documentalmente. Além de perícias sobre os produtos objeto da investigação apresentou-se declaração, por exemplo, do sindicado das lojas da famosa Rua 25 de março de São Paulo – SP, indicando que as compras eram quase exclusivamente de importados e a procura também, sendo que não havia vendas e ou concorrência com produtos da indústria nacional reclamante.
Isso tudo já era suficiente para apontar uma tentativa de reserva de mercado. Mas, não paramos por aí.
Estes aspectos demonstravam um necessário e lógico menor preço o que, por conseguinte, demonstrava indiretamente a ausência da prática de dumping e ou de danos à indústria nacional, até mesmo porque não competiam nas vendas no mercado interno. Os órgãos envolvidos, diante de tais argumentos tiveram que obrigatoriamente buscar in loco justificativas contrárias na indústria nacional, sendo que não encontrariam como definitivamente verificaram.
A indústria nacional não estava focada no mercado de produtos populares e também não estava preparada para realmente reclamar a sobretaxa, ou talvez tenha blefado e sentiu o efeito da defesa e seus argumentos. É preciso ler os argumentos do processo e tirar suas próprias conclusões.
Com o efetivo arquivamento dos procedimentos investigatórios garantidos foram a liberdade comercial e o direito da iniciativa privada, inclusive, beneficiando a própria indústria reclamante, pois se descobriu que desde muito tempo ela também importava produtos natalinos chineses... Descobriu-se, também, que um dos sócios do grupo econômico da indústria nacional tinha vínculo com uma indústria uruguaia...
Devemos ressaltar que não obstante a questão jurídica envolvida no caso em tela, em um processo de mais de 2000 laudas, percebe-se que a questão jurídica meritória continuou em aberto, pois não definida diretamente na decisão, restando muito a aprender. Primeiramente, aqueles grupos econômicos e ou importadores interessados por outros produtos investigados em procedimentos anteriores e que não tenham apresentado uma boa defesa, perceberão que talvez houvesse uma saída. Muitos importadores não se manifestam e deixam que os argumentos da indústria nacional prevaleçam, mesmo quando são argumentos desorganizados. Por conseguinte a indústria nacional percebeu que não se devem argumentar coisas do tipo sem que isso percorra um estudo e planejamento jurídico e empresarial coerente e consolidado. Não se trata de uma aventura. O comércio exterior, sua regulamentação jurídica e as eventuais barreiras comerciais, tributárias ou não tributárias são coisas muito sérias. No Brasil estas questões são recentes, com a abertura dos portos em 1990 praticamente.
Proteger a indústria nacional em detrimento do livre comércio e da iniciativa privada de nossos importadores e até da indústria exportadora de outros países deve ser realmente algo pensado e repensado. Sem dizer que os importadores e todo o processo de importação também recolhem tributos e geram emprego e renda. É o caso da ABIPP. Inclusive, esse é o resultado quando pensamos em árvores de natal artificiais destinados de muitos brasileiros que só têm acesso aos produtos populares. O Natal de todos deve ser completo e esse interesse é coletivo e não privativo da indústria nacional.
A questão China, inclusive, está recolocada no mundo atual, com a discussão da qualidade dos produtos chineses, sobretudo, da venda dos brinquedos no mercado norte-americano, que poderiam potencializar danos aos consumidores. Porém o tema é de múltiplos focos e, no caso em debate, trata-se mesmo de questão concorrencial e ou de protecionismo.
Conclusão
Recente reportagem da Revista Exame da semana anterior ao do lançamento das decisões nos casos discutidos nesta resenha, divulgava que um grande escritório de advocacia, ao lado de uma nova onda de capacitação das equipes no cenário empresarial, permitia aos membros assistir aulas sobre religião. Isso, segundo a reportagem, é a nova tendência no mercado de trabalho e gestão de pessoas, substituindo os raftings em grupo nos rios que criavam a sensação do trabalho em equipe, de proteção e vitória. Diria: capacitar culturalmente os colaboradores, desafogando o ritmo estressante e reconstruindo saberes que a pura técnica jurídica deixa de lado, mas que é essencial para os bons resultados: sociologia, antropologia, filosofia etc.
As escolas de advocacia, as faculdades de direito, em grande parte, abandonaram o conhecimento generalizado e ampliado que o jurista deve ter, pautando-se sensível e quase exclusivamente na técnica pura. Parece que se esqueceram da teoria tridimensional do direito (fato-valor-norma). Para valorizar os fatos sociais e daí construir ou reconstruir normas e o direito, razão pelas quais os profissionais do direito precisam restabelecer o estudo de áreas não-jurídicas que lhes permitam embasamento e, leia-se, convencimento do órgão julgador.
No procedimento administrativo centro do nosso debate nossa equipe dedicou-se muitos dias a conhecer a China, sua relação política com o Brasil e como ela trata a produção de produtos populares, sendo o supermercado do mundo. Na primeira reunião com os importadores conhecemos uma chinesa, assessora daqueles, onde tivemos uma primeira aula. A segunda foi a leitura do livro de Cláudia Trevisan (China, o renascimento do império, editora Planeta) que ganhei de um querido aluno do curso de graduação em Administração com ênfase <_st13a_personname w:st="on" productid="em Comércio Exterior">em Comércio Exterior do Centro Universitário UNISAL de Lorena - SP. Depois, muita internet. Muita pesquisa onde encontramos, por exemplo, um dos pontos fracos da reclamação: a indústria nacional tinha em seu grupo econômico uma Trading e, pasme, importavam da china produtos natalinos. Eles não importavam o que produziam, mas nossos clientes também não. As árvores chinesas eram para público sensivelmente distinto e de qualidade inferior.
Ou seja, além de toda a questão jurídica envolvida, defendendo os preceitos da CF sobre livre concorrência e iniciativa privada; defendendo que o Brasil efetivamente reconheceu a China como economia de mercado, razão pela qual o preço deveria ser considerado como aquele praticado por ela na configuração do suposto dumping e não de terceiro País; defendendo que no mérito não havia prova efetiva do dumping, mas simples preço realmente e justificadamente menor; além disso, e algo mais sobre o direito envolvido, certo é que o debate enveredou-se para as mazelas do custo Brasil de uma forma geral, da carga tributária até a carga trabalhista, bem como a efetiva gestão da produção, pois o encarecimento do produto nacional estava na sua forma de produzir; também se enveredou a tentativa de reserva de mercado pela presença de uma trading no grupo econômico nacional, que importava produtos chineses e que detinha participação em um outro grande grupo econômico do Uruguai.
Então, para solucionar o imbróglio e resolver a real existência de dano à indústria nacional, similaridade dos produtos, dumping etc, era preciso tecnicamente avaliar dados e produção da indústria reclamante. Entretanto, isso se restou prejudicado. Invertido o ônus da prova pelos fortes indícios apresentados na defesa, ficou patente a ausência dos requisitos que autorizariam a fixação de barreira comercial. O arquivamento foi solução.
Sendo assim, ficou melhor para o Brasil, esperamos. Desejamos, pelo menos, que além dos reflexos políticos, econômicos ou jurídicos, seja a presente resenha uma forma de reflexão para todos os que atuam no setor. Estamos amadurecendo junto com o Brasil.
_____________
*Advogado, Mestre em Direito, Professor Universitário, sócio do escritório CMOCA Advogados – Vale do Paraíba – SP
_____________