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Concessão de serviço público: competência legislativa e modalidades

Pessoa dotada do mais rudimentar conhecimento jurídico reconhece que o Poder Público deve, por injunção do primado republicano, conferir tratamento isonômico àqueles que com ele se relacionam.

13/9/2007


Concessão de serviço público: competência legislativa e modalidades

Maurício Garcia Pallares Zockun*

Pessoa dotada do mais rudimentar conhecimento jurídico reconhece que o Poder Público deve, por injunção do primado republicano, conferir tratamento isonômico àqueles que com ele se relacionam.

Não é por outra razão que o art. 37, XXI, da Constituição da República (clique aqui) prevê que o vínculo jurídico de conteúdo patrimonial a ser formado entre a Administração e os particulares deve ser precedido de licitação.

E licitação, no magistério da melhor doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, é o procedimento administrativo por meio do qual o Poder Público, pretendendo travar relação jurídica de conteúdo patrimonial, abre oportunidade a todos os interessados para que ofereçam propostas. Observadas regras fixadas prévia e antecipadamente, assim, o Poder Público seleciona objetivamente a proposta que melhor satisfaz o interesse público e convoca seu proponente a travar "contrato administrativo".

A licitação é, portanto, o procedimento administrativo que, por excelência, garante a observância do primado da igualdade no estabelecimento das sobreditas relações.

Desse modo, caso as ordens jurídicas parciais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pretendam transferir a prestação de um serviço público que titularizam ao particular, por meio de concessão ou permissão, é imprescindível a realização de prévio procedimento licitatório.

A obrigatoriedade da realização de licitação nessas hipóteses não decorre apenas da norma pedagogicamente veiculada no art. 175 da Constituição da República. Decorre, pelo contrário, do primado republicano.

A maioria da doutrina define a concessão e a permissão de serviços públicos como "contrato administrativo" (por exemplo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e José dos Santos Carvalho Filho). Não nos parece que assim seja na esteira do pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello e Diogenes Gasparini.

Essa discussão, além de doutrinariamente relevante, gera implicações de relevância pragmática.

Com efeito, a Carta Republicana não aponta explicitamente qual pessoa política goza de competência para legislar sobre concessão e permissão de serviço público.

A solução dessa questão está na velha e boa hermenêutica edificada por Carlos Maximiliano.

Ainda que não se possa exigir do constituinte maior envergadura intelectual na utilização das expressões e dos vocábulos jurídicos, reconhecemos que a Carta Magna é um documento político. Vale dizer, é feito pelo povo e para ser entendido pelo povo. É um documento a ser entendido pelo povo e não por ele decifrado.

Nesse sentido, as expressões nele veiculadas devem ser interpretadas em seu sentido vulgar, salvo se, do seu contexto, for possível edificar um sentido tecnicamente determinado.

Ora, não se pode exigir que o constituinte goze de refino jurídico capaz de apreender a possibilidade de a concessão e a permissão de serviço público não se qualificarem como "contrato administrativo", mas sim como relação jurídica de natureza complexa, tipificada como sujeição passiva especial, a que se referem Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Renato Alessi.

Assim, em sentido vulgar (pedestre mesmo!), concessão e permissão são contratos administrativos. Por essa razão, a competência para fixar normas gerais sobre a matéria é da União, visto que o art. 22, XXVII, da Constituição da República prevê que a sobredita competência engloba a disciplina normativa de "licitação e contratação".

Feitos esses esclarecimentos, que não são explicitamente revelados aos leitores, prosseguimos para afirmar que a concessão e a permissão de serviço público são disciplinadas pelas Leis n°. 8.987/95 (clique aqui), n°. 9.074/95 (clique aqui) e, mais recentemente, pela Lei n°. 11.079/2004 (clique aqui) - Lei das Parcerias Público-Privadas – Lei das PPPs.

Esse conjunto normativo classificou as concessões em três espécies: (i) concessão comum (regida pelas Leis n°. 8.987/95 (clique aqui) e n°. 9.074/95); (ii) concessão patrocinada; e (iii) concessão administrativa (essas últimas disciplinadas pela Lei n°. 11.079/2004).

Segundo o art. 2.º, § 4.º, da Lei n°. 11.079/2004, as concessões comuns devem ser obrigatoriamente realizadas pelo Poder Público se (i) o contrato a ser celebrado tiver valor inferior a R$ 20.000.000,00; (ii) se o prazo do contrato for inferior a 5 anos; e (iii) que tenha por único objeto o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a "execução de obra pública". Isso significa dizer que há proibição de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa nas hipóteses acima. A lei, contudo, não impede que o Poder Público adote a modalidade de concessão comum se o contrato a ser celebrado tiver valor superior ao apontado no item (i) ou, ainda, fixar prazo mais longo do que o apontado no item (ii).

A essa altura, o leitor mais atento já foi capaz de identificar no art. 2.º, § 4.º, da Lei n°. 11.079/2004 uma grosseria legislativa de primeira grandeza. Com efeito, a concessão consiste na transferência da prestação de um serviço público ao particular. Como, então, a lei pode fazer alusão a uma modalidade de concessão de serviço limitada à "execução de obra pública" ? Ou bem se trata de transferência do exercício de serviço ou, pelo contrário, de realização de obra pública.

Como obra e serviço são categorias lógicas inconfundíveis, o que o mais desatento dos estudantes do ginásio ou primário é capaz de afirmar, a que título se cometeu essa grosseria legislativa ?

Não se poderia pretender fazer referência à hipótese de concessão de serviço precedida de obra pública. E isso porque a Lei das PPPs prevê que essa forma de concessão está igualmente entregue às concessões patrocinadas e administrativas. Trata-se, pois, de um mistério jurídico que, provavelmente, será desvendado pelas ciências ocultas, já que estamos diante de evidente antinomia real.

Prosseguindo nessa classificação, cumpre-nos apontar os elementos nucleares das duas últimas modalidades de concessão, quais sejam: patrocinada e administrativa.

Em regra, a particular se remunera nas concessões por meio da cobrança de tarifa.

Na concessão patrocinada, o direito patrimonial do particular é satisfeito pela cobrança de tarifa e, adicionalmente, de contraprestação do Estado (ou, na dicção da Lei n°. 11.079/2004, de contraprestação do parceiro público), ou seja, o particular (parceiro privado) recebe valores cobrados dos usuários dos serviços prestados (tarifa) e de "contraprestação pecuniária" do parceiro público.

Nessa modalidade de concessão, os interesses patrimoniais do parceiro privado podem ser satisfeitos pelo parceiro público em até 70% (sendo que o saldo remanescente será satisfeito por meio da cobrança de tarifa). A contraprestação do parceiro público que supere esse patamar deve ser legislativamente autorizada (art. 10, § 3.º, da Lei n°. 11.079/2004).

Por fim, na modalidade de concessão administrativa, o usuário dos serviços prestados é, "direta ou indiretamente", o parceiro público. Diversamente do que ocorre com as demais modalidades de concessão, a concessão administrativa prevê que o usuário final dos serviços prestados será, sempre, o Poder Público.

Aqui se destaca mais uma grosseria monumental do legislador, pois, de fato, a hipótese não é de concessão, mas, pelo contrário, de mero contrato administrativo. Deveras, como o usuário final dos serviços prestados é o próprio Estado, não há concessão de serviço. Vale dizer: o parceiro privado presta, por sua conta e ordem, um serviço ao Estado. A relação jurídica formada na hipótese restringe-se a eles.

Pode ocorrer hipótese em que a coletividade venha a tornar o serviço estatal objeto de concessão administrativa. Nesse caso, o Estado, por não querer transferir sua prestação, resolve contratar, às suas expensas, um terceiro para realizar essa atividade em seu nome. Nessa hipótese, a relação jurídica decorrente da prestação de serviço à população se perfaz entre o Estado (parceiro público) e os particulares, e não entre os particulares e o parceiro privado (como ocorre nas concessões).

A concessão administrativa, portanto, não é concessão. É simples contrato de prestação de serviços ao Estado. E quanto a isso não há tergiversação.

Em síntese: na concessão comum, a remuneração do concessionário decorre da cobrança de tarifa dos usuários; nas concessões patrocinadas e administrativas, há contraprestação do parceiro público.

Essas diferentes formas de satisfação das pretensões econômicas do particular é que ensejam essas diferentes classes de concessões. Além disso, a despeito de a Lei n°. 11.079/2004 prever como espécie de concessão a denominada "concessão administrativa", trata-se, na realidade, de mero contrato de prestação de serviços celebrado entre o Poder Público e o Particular.

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*Mestre <_st13a_personname productid="em Direito Tributário" w:st="on">em Direito Tributário, doutorando <_st13a_personname productid="em Direito Administrativo" w:st="on">em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professor de Direito Tributário no CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus.







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