Inovação no sistema de identificação e descrição de imóveis rurais
Claudio Taveira
Ivandro Ristum Trevelim*
Não obstante a regulamentação ocorrida no ano de 2002, a dificuldade prática na implementação das novas exigências legais se coloca cada vez mais presente, até em razão da falta de técnicos habilitados conforme mencionado abaixo.
Originalmente, as descrições perimétricas dos imóveis rurais, utilizadas para sua identificação em todos os atos negociais praticados não eram baseadas em critérios eminentemente técnicos. As metragens e confrontações dos imóveis rurais não eram precisas, visto que os vértices que demarcavam estes limites eram representados, muitas vezes, por elementos naturais, tais como rios, vegetação ou variações do relevo.
Restava insegurança para os proprietários dos imóveis rurais, pois suas confrontações não eram bem definidas, já que marcos naturais podem ser alterados com o passar do tempo. Muitas vezes a dúvida era tamanha que não havia alternativa exceto promover ação de retificação judicial da área, para efetivamente sanar indefinições entre imóveis limítrofes.
O artigo 213 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) e seus parágrafos determinam que a retificação, ressalvados os casos de erro evidente e que não resultem em prejuízo a terceiro, deverá ser feita mediante despacho judicial (ação de retificação de área). Neste procedimento, deverão ser citados em dez dias úteis todos os confrontantes do imóvel, bem como ouvido o Ministério Público. Se o pedido de retificação for impugnado, o Juiz deverá remeter o processo às vias ordinárias. Percebe-se, portanto, que consiste em procedimento muitas vezes demorado.
O sistema de identificação dos imóveis foi evoluindo, sendo que os memoriais descritivos dos imóveis rurais a serem apresentados ao Cartório de Registro de Imóveis passaram a ser elaborados por profissionais habilitados, utilizando-se critérios e metodologia técnica.
Com o intuito de evitar dúvidas na identificação dos imóveis rurais e eliminar equívocos de cálculos e sobreposição de áreas, foi publicada a Lei nº 10.267/2001, que visou também criar maior integração cadastral entre os Cartórios de Registro de Imóveis e os demais órgãos da administração pública federal, como a Secretaria da Receita Federal e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)1.
Assim, o artigo 3º da Lei 10.267/2001, que deu nova redação ao parágrafo 3º do artigo 176 da Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973, determina que nos casos de (i) parcelamento, (ii) desmembramento, (iii) remembramento; e (iv) realização de transferência de titularidade de imóveis rurais a qualquer título, a identificação do imóvel deve ser feita através de Memorial Descritivo contendo as coordenadas dos seus limites georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com posicionamento preciso determinado em ato normativo expedido pelo INCRA. Referido Memorial deverá ser elaborado por profissional habilitado credenciado pelo INCRA, com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica.
Ao determinar a lei que os limites de um imóvel rural devem ser georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro, está pretendendo especificar sua posição com precisão técnica apurada, mediante a utilização de meios modernos para fornecimento das coordenadas dos pontos levantados, como por exemplo o GPS, que possibilita o posicionamento com auxílio de satélites.
O INCRA estabeleceu também procedimento para credenciamento dos profissionais responsáveis pelos trabalhos de georreferenciamento, conforme consta da Instrução Normativa nº 13 de 17 de novembro de 2003.
O rigor dos novos critérios técnicos de identificação dos imóveis rurais, ao serem observados nos prazos determinados pela legislação2, proporcionará uma maior segurança para os proprietários, aos adquirentes desses imóveis e ao próprio Cartório de Registro de Imóveis, evitando sobreposições de áreas.
Os parágrafos 5º e 6º do artigo 9º do Decreto 4.449/2002 prevêem a possibilidade de retificação de área pela via administrativa (internamente ao Cartório de Registro de Imóveis competente). Nesse sentido, o memorial descritivo e respectiva planta que alterarem o registro já existente será averbado mediante a apresentação de requerimento do interessado, contendo declaração de que não houve alteração nas divisas do imóvel e que foram respeitados os direitos dos confrontantes. Esta declaração deverá ser prestada sob pena de responsabilidade civil e criminal.
O requerimento deverá estar acompanhado ainda, entre outros documentos, (i) de certificação emitida pelo INCRA atestando que o memorial descritivo não se sobrepõe a nenhum outro constante de seu cadastro; (ii) da prova de quitação do Imposto Territorial Rural, além (iii) de declaração dos confinantes de que os limites divisórios foram respeitados.
Na ausência das declarações acima mencionadas, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis deverá encaminhar o procedimento ao Juízo competente para que a retificação siga o rito judicial.
No entanto, cumpre desde já lembrar, no que se refere à retificação administrativa, que já existem manifestações no sentido de que o Decreto nº 4.449/2002 teria ido além dos limites estabelecidos pela Lei nº 10.267/2001, colocando em dúvida a sua aplicabilidade. Assim, percebe-se que este mecanismo gerou certa controvérsia, sendo que somente a prática revelará a medida exata de sua viabilidade, já existindo corrente entendendo que tal retificação somente será viável pela via judicial.
Não obstante a intenção pela maior precisão técnica e atualização cadastral estabelecidos na legislação, percebe-se que haverá transtornos, e mesmo altos custos, a serem suportados pelos proprietários de imóveis rurais.
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1O Decreto Nº 4.449 de 30 de outubro de 2002, que regulamentou a Lei 10.267/2001, estabelece em seu artigo 4º que ”os serviços de registro de imóveis ficam obrigados a comunicar mensalmente ao INCRA as modificações ocorridas nas matrículas, decorrentes de mudanças de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, unificação de imóveis, retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural, bem como outras limitações e restrições de caráter dominial e ambiental, para fins de atualização cadastral”.
2Nos termos do artigo 10º do Decreto 4.449 de 30 de outubro de 2002, a identificação da área do imóvel rural (...) será exigida, em qualquer situação de transferência, na forma do artigo 9º, somente após transcorridos os seguintes prazos, contados a partir da publicação deste Decreto: (i) noventa dias, para os imóveis com área de cinco mil hectares, ou superior; (ii) um ano, para os imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares; (iii) dois anos, para os imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares; e (iv) três anos, para os imóveis com área inferior a quinhentos hectares.
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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