Publicação dos Atos Oficiais – a plena satisfação do princípio constitucional da publicidade
Luciano Gomes Carrilho*
Hoje, a melhor doutrina corretamente reconhece que os princípios constitucionais podem e devem ser aplicados imediatamente nos casos concretos, ainda que não haja lei regulamentando-os. E se a houver, esta deve ser interpretada conforme a Constituição e nunca no sentido contrário.
Ninguém melhor para avalizar este entendimento do que o Prof. Romeu Felipe Bacellar Fillho:
A "máxima efetividade" da Constituição (clique aqui) é uma tarefa comum a todos os operadores. A pretexto da compreensão deste princípio de interpretação da Constituição, multicitado pelos constitucionalistas pátrios, Luiz Alberto David de Araújo alerta que os Tribunais devem privilegiar a interpretação que confira às normas constitucionais aplicabilidade imediata.1 (grifamos)
Também Paulo Ricardo Schier esclarece a questão:
Sob o ponto de vista da vigência e coercitividade, regras e princípios não diferem. São ambos comandos normativos vinculantes, imperativos, decorrentes da vontade do legislador constituinte. Possuem a mesma dignidade formal: são, em sentido lato, normas constitucionais e, por isso, dotadas da autoridade que lhes conferem a rigidez e a supremacia da Constituição. Constituem, portanto, em diferentes medidas, verdadeiros parâmetros para o controle de constitucionalidade das leis.2 (grifamos)
Assim, o conteúdo do princípio da publicidade será necessariamente no sentido de dar conhecimento ao público dos atos oriundos da Administração. Por isto, existem, nos diversos entes federados, órgãos oficiais de divulgação dos atos da Administração: são os diários oficiais.
Todavia, alguns atos carecem de uma publicidade mais ampla, pois necessitam, para alcançar sua finalidade, de uma interação perfeita entre Administração e Sociedade organizada. São exemplos destes atos os editais de licitação, de concorrência pública, de tomada de preços, de concursos públicos, entre outros. É o que reza o § 1º do art. 37 da CF/88:
§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. (grifamos)
Neste diapasão há que se convir pela existência de uma larga diferença entre cumprir a o imperativo legal que ordena que os atos administrativos sejam publicados e obedecer ao princípio da publicidade dos atos em sua plenitude constitucional.
Enquanto no primeiro caso a preocupação do Administrador resume-se a cumprir o determinado pela lei, i.e., proceder a pelo menos uma publicação do ato em jornal de grande circulação ou na imprensa oficial, na segunda hipótese o Administrador deverá focar sua atividade em dar efetiva publicidade ao ato, ou seja, garantir que a publicação alcance de fato o maior número de pessoas.
Tome-se um edital de licitação de obra pública. Sua ampla divulgação é condição sine que non para se alcançar a finalidade do ato administrativo, qual seja, despertar o interesse das mais variadas e competentes empresas de construção que, ao participar do certame licitatório, propiciarão que a Administração contrate a que puder trazer o melhor nível de eficiência na consecução da obra.
Neste sentido, um edital pouco divulgado poderá ter como conseqüência a participação de um número muito reduzido de empresas o que tornaria o certame pouco competitivo e conseqüentemente obrigando a Administração a despender recursos maiores do que o necessário, deixando de obter o resultado desejado.
Por isto, ainda que haja dispositivos legais que estabeleçam padrões de publicação, estes devem ser encarados como padrões mínimos, muitas vezes insuficientes para dar a devida e desejada publicidade aos atos administrativos.
É neste sentido que deve ser analisado, por exemplo, o art. 21, caput, combinado com o inciso III, da Lei n°. 8.666/93 (clique aqui) que de forma clara estabelece que os atos deverão ser publicados, com antecedência, no mínimo, por uma vez em jornal diário de grande circulação no Estado.
Ora, quando a lei estabelece este critério mínimo, deixa evidente espaço de discricionariedade ao Administrador para exceder a este mínimo, desde que em benefício do interesse público, podendo ele eleger uma entre as seguintes possibilidades:
(i) publicar mais de uma vez no mesmo jornal de grande circulação;
(ii) publicar mais de uma vez em mais de um jornal de grande circulação;
(iii) estabelecer estratégia diversa que englobe a publicação em um jornal de grande circulação e outras publicações em outros jornais cujo público alvo possa se adequar mais perfeitamente com o objetivo da publicação.
Só assim, dá-se cumprimento ao princípio constitucional da publicidade independentemente de uma visão estrita, legalista e, por conseguinte, pouco eficiente.
Neste diapasão entende o Superior Tribunal de Justiça que há jornais que desempenham sua função de forma dirigida, alcançando com uma tiragem mais reduzida o que os grandes jornais somente alcançariam com tiragens muito maiores. Em seguida transcreve-se a ementa do Resp 41.969/DF, relatado pelo Exmo. Ministro Paulo Costa Leite, verbis:
Comercial e Processo Civil. Falência. Alienação judicial. Nulidade. Ação própria. Edital. Jornal de grande circulação. A ação própria a desconstituição de venda judicial de bem arrecadado em processo de falência é a anulação do ato jurídico (Art.486, do CPC - clique aqui).
Não há empeço a arrematação do bem por valor inferior ao da avaliação. A lei veda o preço vil, assim não se qualificando o que atinge cerca de setenta por cento do valor do bem.
Desnecessária, na hipótese, a intimação do falido para pronunciar-se sobre a nova proposta apresentada, haja vista o que se contém no parágrafo unico do art. 36 da Lei de Falências.
Validade do edital. Irrelevante a circunstância a que se apegou o acórdão recorrido para concluir a propósito da circulação do jornal que o publicou. Ofensa ao art. 118 da Lei de Falências caracterizada.
Recurso especial conhecido e provido. (grifamos)
(REsp 41969/DF, Terceira Turma, unanimidade, Relator Ministro Paulo Costa Leite, DJ 26/10/1998, p. 112)
Do voto do Ilustríssimo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que por sinal acompanhou o voto do Relator, transcreve-se as seguintes e lúcidas palavras:
A questão da grande circulação é uma matéria muito controvertida. Já a enfrentei e o Senhor Ministro Waldemar Zveiter há de ter tido os mesmos problemas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. É muito difícil fazer essa consideração de jornal de grande ou de pequena circulação, porque são vários os fatores que devem ser considerados. Não é a freqüência da circulação, não é a quantidade da circulação. Há jornais que têm uma destinação específica de publicação de editais, que têm uma pequena circulação, mas, uma circulação dirigida, e essa circulação dirigida, muitas vezes, e, freqüentemente isso ocorre, a meu juízo, substitui o conceito de grande circulação para aquele caso concreto. (grifamos)
Tal raciocínio demonstra duas questões importantes: a primeira confirma que a escolha dos meios de comunicação para as publicações oficiais do Estado está dentro do espaço de discricionariedade da Administração. A segunda, que a análise qualitativa do jornal é imprescindível para se fazer um juízo de valor sobre a pertinência de sua utilização. Ou seja, é lícito e razoável ao poder público estabelecer estratégias de divulgação dos atos administrativos de modo a cumprir com a finalidade última da publicidade, qual seja, a de a muitos alcançar.
Aliás, quanto à finalidade do princípio da publicidade, Celso Antônio Bandeira de Mello presta importantes esclarecimentos:
Tal princípio está previsto expressamente no art. 37, caput, da Lei Magna, ademais de contemplado em manifestações específicas do direito à informação sobre os assuntos públicos, que pelo cidadão, pelo só fato de sê-lo, que por alguém que seja pessoalmente interessado.3 (grifamos)
Conclui-se assim que a finalidade da publicidade dos atos oficiais não está cingida pela letra da lei, mas norteia-se pelo dever de transparência e informação da Administração perante o cidadão, ou então, pelo próprio interesse do cidadão pela notícia ou ato administrativo publicado. Esta é a essência do princípio da publicidade administrativa.
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1BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o Novo Código Civil.Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2007. p.19
2SCHIER, Paulo Ricardo. Direito Constitucional – Anotações Nucleares. Curitiba: Juruá – 2ª Ed., p. 97
3BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Opus cit. p. 96 e 97
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*Advogado do escritório Carrilho & Cafareli Advogados Associados
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