Migalhas de Peso

O advogado, a OAB, as oportunidades e as desgraças

O verdadeiro advogado, o que tem talento, é aquele que interpreta os fatos, que sente, e dentro do drama do cliente, combate as injustiças de seu mundo particular, e com todo esse sentimento, consegue agir racionalmente, com bom senso e equilíbrio, não esquecendo do bem maior, que é o de buscar uma sociedade em que todos possam viver dignamente.

27/8/2007


O advogado, a OAB, as oportunidades e as desgraças

Mauro Tavares Cerdeira*

O verdadeiro advogado, o que tem talento, é aquele que interpreta os fatos, que sente, e dentro do drama do cliente, combate as injustiças de seu mundo particular, e com todo esse sentimento, consegue agir racionalmente, com bom senso e equilíbrio, não esquecendo do bem maior, que é o de buscar uma sociedade em que todos possam viver dignamente.

Este profissional essencial e iluminado, com tão nobre função, também precisa viver dignamente, conseguir exercer seu ofício com liberdade e independência, encontrar um lugar ao sol, e receber o respeito que merece.

Estava ouvindo uma entrevista, na CBN, via celular, com uma simpática passageira do transatlântico que, há algum tempo atrás, encalhou próximo a Buenos Aires, em um banco de areia, no Rio Del Plata. O negócio, segundo sua explicação, foi um sufoco. Mil e seiscentos passageiros e quinhentos e setenta tripulantes em um barcão, que ficou totalmente inclinado para um dos lados, por quase um dia e uma noite inteira, e todo mundo sem notícia do que poderia ou iria acontecer.

A impressão de que aquilo iria acabar mal era inevitável. Segundo ela, todo mundo andava com salva-vidas, a maioria chorando, muitos sem rumo. Ninguém dormiu um minuto. Disse que a tensão aumentou muito quando os quatro rebocadores começaram a puxar o barco inclinado para desencalhá-lo. A sensação foi muito ruim, pois o barco realmente quase virou.

Como tudo acabou bem, aquela viagem, realmente, para todos os passageiros, será inesquecível, pois cada um terá uma história para contar para o resto de suas vidas. Como sempre, as desgraças, quando acabam bem, se transformam em boas histórias e em largas risadas.

No final da entrevista, a repórter indagou da entrevistada se alguém (da CVC, empresa fretadora do barco) havia se manifestado sobre uma reparação financeira, e a moça disse que não, mas que nos momentos de "terror", "um advogado que estava a bordo convocou algumas reuniões, e colheu ‘abaixo-assinados’ para uma futura ação". Ou seja, enquanto o povaréu estava lá, não sabendo se morria ou não morria, se afundava ou não afundava, o advogado já estava a colher assinaturas para o seu "mandato procuratório" e "arregimentando" seus clientes, não se sabia àquela altura se para a justiça dos homens ou para a de Deus.

Mas a moça da entrevista, que tem a cabeça no lugar, disse que estava preocupada mesmo era com a vida e saúde dela e do marido, e que não soube o teor das reuniões jurídicas.

A história me fez lembrar o episódio recente da queda do avião da Gol, em que enquanto buscavam os corpos das vítimas na selva, foi noticiado que advogados norte-americanos, hospedavam-se nos mesmos hotéis dos parentes das vítimas que aguardavam notícias das buscas, e "enfiavam" correspondências e cartões por debaixo das portas dos quartos, marcando inclusive conferências no mesmo hotel, em busca de clientes.

No ainda mais recente episódio da explosão do air bus da TAM, li no noticiário que a OAB do Rio Grande do Sul chegou a publicar notas sobre as limitações éticas que deveriam ser respeitadas pelos causídicos, tal a fúria do "acharque" (sic) aos parentes das vítimas.

Deixando muito da ganância de lado, que na nossa opinião, não é generalizada na categoria, e ademais, faz parte do gênero humano, grande parte da "mendicância" da nossa advocacia, se deve ao imenso número de advogados que se formam, ano após ano, sem base concreta de conhecimento, e mesmo sem qualquer vocação.

E olhe que, como tem sido divulgado, menos de 30% dos bacharéis são aprovados, atualmente, em cada prova promovida pela Ordem. Lembro agora de um advogado amigo meu que diz, engraçadamente, "olha, o nível do pessoal que não consegue passar no exame eu não conheço, mas dos que passam é lamentável".

Em geral, este grande número de profissionais se estabelece em algumas poucas áreas que exigem conhecimentos supostamente mais genéricos e superficiais, em ambiente cujos serviços de elite são dominados pelos grandes escritórios de um mercado oligopolizado, que começam a se incorporar e/ou fundir a grupos estrangeiros.

Aliás, diga-se, o reflexo da péssima distribuição de renda brasileira, está em toda parte. Bons serviços jurídicos para poucos. Maus serviços jurídicos para a massa. Bons serviços médicos para poucos. Maus serviços médicos para a massa. Boa segurança (pública e privada) para poucos. Boa educação e cultura para poucos etc.

Daí o desespero do nosso amigo e meu colega do transatlântico, que viu uma oportunidade e matou a pau, ou a caneta. E note-se, no seu caso, ele não é, como dizem, "urubu atrás de carniça", pois ele é "a própria carniça atrás dela mesma”. Ou seja, a situação do advogado é tão difícil, com os grandes escritórios monopolizando as grandes contas, e o resto das ações, na maioria de ínfimo valor, pulverizadas e divididas entre milhões de profissionais que concorrem via preço e, infelizmente, possuem em geral má formação e, mais grave ainda, pouca aptidão, que o “pobre” esqueceu que podia ele mesmo morrer, e ainda, que estava de férias, e fez da proa o seu escritório profissional.

E pior ainda, é que esses milhões de advogados, que pagaram anos de mensalidades em faculdades, e ainda cursinhos preparatórios para o exame da OAB, e que estão hoje tentando sobreviver, não podem sequer fazer propaganda ou tentar inovar, de forma criativa e honesta. A OAB simplesmente não deixa. Ou seja, eles não têm o direito sequer de aparecer no mercado. Não podem divulgar os seus serviços; as suas vitórias; quem são os seus clientes, mesmo que estes os autorizem; nem mesmo, segundo me disseram, o seu site ou folder.

Esses dias um advogado lá de Indaiatuba, representou contra nosso Escritório na OAB, dizendo que colocamos um anúncio na lista telefônica, onde a gente divulgava nossas áreas de atuação. Mas então isso é segredo ? Será que temos que entrar no programa de proteção às testemunhas do FBI ? Ou manter nosso telefone e endereço também em segredo ?

Ouvi dizer também de uma longa discussão que estava, ou ainda está, sendo travada entre alguns altos dirigentes da Casa, para se decidir se os advogados podem ou não enviar boletos de cobrança para seus clientes. Dá até vergonha de contar. O que tem de tão difamatório ou imoral em um boleto bancário ? Ele não é somente um meio de pagamento prático e seguro, e amplamente aceito e utilizado? Desculpe-me a franqueza, mas a OAB precisa, pelo menos em algumas áreas mais arcaicas, é de um choque de gestão, atualização e modernização, e precisa também é valorizar os advogados sérios, de criar formas de desenvolvimento ético e eficaz da profissão, de se tornar uma entidade técnica, e não um órgão de proteção e difusão de interesses políticos.

Aliás, quero ver quando vierem as ações de indenização dos magistrados e outras autoridades que foram parar naquela tal "lista negra". Daí é que a mensalidade, aquela que pagamos a troca de "até agora não sei direito e ninguém nunca soube me explicar", irá às alturas.

Voltando a questão da publicidade, impedem formas transparentes, eficazes e inofensivas de publicidade, que se apresentam hoje como uma necessidade do mercado moderno, e de outro lado acabam por tolerar formas grotescas de publicidade, gerando um clima de "salve-se quem puder". Não seria mais fácil enfrentar a realidade; ouvir a classe, saber das necessidades especialmente dos mais jovens, que são o futuro da advocacia e que estão sendo sufocados ?

Quando do advento do Provimento 112 (clique aqui), corri para ler, esperando novidades nesta área. Fiquei frustrado. Havia muitas novidades interessantes e muito inteligentes, mas nada de significante a respeito do tema.

Falo especialmente nos mais jovens, pois as grandes bancas se ajeitam. Quem tem capital tem acessos. Patrocinam eventos com ótimos palestrantes, pagam assessorias de imprensa, com direito a matérias pagas, utilizam-se de contatos privilegiados, confrarias, tem em seus quadros pessoas importantes, como políticos e ex-integrantes graduados do Judiciário, etc. Não que isso esteja errado, mas o que ocorre é que, pelo menos nas grandes cidades, há uma grande desproporção de acesso.

Criou-se, na verdade, um grau de monopólio, que, em economia, é uma barreira de entrada ao livre mercado. E ninguém se interessa pelo estudo da questão. Parece que estão preocupados é em normatizar a proibição dos escritórios divulgarem fotos de seus sócios e integrantes. Não que eu seja bonito (que realmente, ressalvada posição pessoal de minha mãe mineira) e queira divulgar minha foto em algum lugar, que isso não faço questão, mas será que isso realmente importa, nesta altura dos acontecimentos e da advocacia?

E sobre divulgação de fotos, não seria interessante então que se estendesse a proibição aos dirigentes da classe? Ou que então estes, pelo menos o presidente e outros da alta cúpula, tivessem que se afastar do exercício profissional ou de sua banca pelo prazo do mandato, logicamente que recebendo justa remuneração ? Caso contrário, é claro que haveria (e talvez haja) beneficiamento à sua banca fora dos moldes permitidos pelo Estatuto e Código de Ética. Ainda mais se desse a sorte de ter clientes famosos (por bem ou por mal) que estão todo dia na mídia.

Gostaria de somente voltar um pouco na questão da tal "lista negra", que, segundo o presidente da Ordem <_st13a_personname productid="em São Paulo" w:st="on">em São Paulo é o Serasa da Advocacia. O Serasa é uma empresa lucrativa que gera milhões em lucro, vendida recentemente por bilhões a um grupo irlandês, e tem dinheiro para pagar indenizações. A OAB, insisto, vai pagar a indenização por eventuais danos morais e outros, aos juízes e demais autoridades, com o meu e o seu dinheiro. E porque a OAB não cria um cadastro positivo? Porque, ao invés de divulgar os nomes dos maus juízes, não divulga o dos bons, e incentiva que os outros tentem entrar na lista. Isso, inclusive, é o que o próprio Serasa está tentando fazer com os consumidores no Brasil, e já existe em vários países desenvolvidos.

Está na cara que o respeito, de magistrados e da sociedade em geral, nós advogados, vamos conquistar é com competência, honestidade, conhecimento e organização. Isso sim é poder. Estas são as condições para vencer barreiras, para a "igualdade" com os membros do Judiciário ou para conseguir tratamento adequado.

E o pior, por estas e por outras, por conta do advogado colhendo assinaturas no barco quase virado, e da OAB descompassada, e do nível das faculdades, e da falta de visão de mercado, e da falta de inserção profissional, de cursos adequados de preparo profissionalizante e até de administração de carreiras, e da verdadeira consciência de classe, é que os advogados são tratados por muitos como verdadeiros "marginais". E isso dói no coração e na alma de quem vive e adora a advocacia.

Um dia, não faz muito tempo, no sítio da família, indaguei para uma juíza amiga minha sobre o hábito dos titulares das varas trabalhistas de Campinas, hoje disseminado, de intimarem a parte, juntamente com o advogado, toda vez que havia valores para se levantar nos autos. Argumentei que era um desrespeito à classe, onde já se viu, e que além de tudo o cliente tinha confiança no profissional, atestada por procuração. Ela disse que entendia minha posição, mas que melhor um amigo bravo do que um tanto de gente sem receber o valor de suas ações, que tem natureza alimentar. Daí não tive muitos argumentos. Imaginei em lhe perguntar por que então ela não intimava os clientes somente daqueles advogados pouco afeitos a pagar seus representados, que ela mesmo afirmara antes que eram notoriamente conhecidos nas varas, mas fiquei calado, porque, como ela tem raciocínio rápido e é muito inteligente, certamente iria me responder que a obrigação da "minha Ordem" era fiscalizar tais profissionais. Passamos a conversar coisas mais amenas.

E a situação, por conta da ingerência da classe em assuntos sérios e gerência demais em temas antigos e sem relevância, vem piorando cada vez mais.

Outro dia, uma juíza mandou um Oficial de Justiça na casa de um cliente nosso, para saber se ele tinha ficado satisfeito com o acordo que tínhamos feito, com sua autorização expressa e rubrica na petição, no processo que ele movia contra a Mercedes Benz. O nosso cálculo no processo era de R$4.200,00 e o acordo foi de R$4.000,00, pagos à vista.

O cliente disse que havia recebido o dinheiro e gasto, tudo muito bom, já fazia quase um ano. Mas que, pensando bem, já passado todo esse tempo, que não tinha ficado muito satisfeito com o valor não.

A Juíza então, cheia de autoridade, mandou que explicássemos nossa atitude de fazer um acordo "sem que o cliente estivesse plenamente satisfeito".

Aí já foi demais. Não tem Cristo que agüente. Quase aderi ao "Serasa da advocacia" e ao "Cansei". E como a advocacia, e esse é um dos lados bons, nos deixa objetivos (mas o contrário também pode ser verdade), "mandamos" que a dita cuja expedisse guias de depósitos dos valores corrigidos, que depositaríamos nossa parcela de honorários, o reclamante depositaria a sua parte que já havia gasto (no que contaria muito provavelmente com a ajuda da juíza, já que tão interessada em seu "bem estar"), e continuaríamos o processo, por mais uns oito ou nove anos, sem qualquer problema, que nós "não somos de dar chute em perna quebrada" e nem "de perder tempo com autoridade metida à besta".

E aproveitando que estou aqui escrevendo esta crônica, gostaria de dizer a esta Juíza, que também não fiquei muito satisfeito com os honorários não. Que se ela puder complementar com mais uns cem mil dólares, eu cá agradeço de coração. Que também gostaria de trocar o meu carro, pois que gosto mais é de um BMW daqueles grandões, e que tem uma cobertura na Vila Nova Conceição, ao lado da Daslú, que é um show, que se ela puder arrumar para mim, eu agradeço, já que ficarei mais satisfeito também. Se ela puder, da mesma forma, me conceder metade do salário dela todo mês, acho bem legal, farei bom uso e ficarei bem satisfeito. Já a minha esposa, minha filha e meus amigos, tantos os novos quanto os antigos, pode deixar como está mesmo, que estou bastante satisfeito.

Dei a crônica por terminada, e fui ler um jornal e ouvir novamente a CBN, pois outro segredo da profissão é manter-se bem informado, quando fiquei sabendo que a OAB de SP se posicionou contrária ao projeto de lei que possibilita o interrogatório de réus presos por meio de vídeo-conferência (sobre a matéria já existem decisões do STF, que são conflitantes). Tentei confirmar a informação no seu site, mas estava fora do ar, ou não consegui carrega-lo. Segundo a informação que ouvi, seria em virtude da ausência do "fundamental contato pessoal entre o preso e o Juiz". A posição foi tomada, provavelmente, com a utilização dos recursos da anuidade paga por todos nós, e sem que nos fosse dada a oportunidade de opinar. Eu, pelo menos, não opinei. E o transporte do preso com todos os seus custos, inclusive o da escolta, obviamente que serão pagos também pelo Estado, com os impostos também pagos por mim e por você. E os riscos desse leva-e-traz também somos nós todos que corremos. E a ausência dos vários policiais utilizados nos longos e demorados deslocamentos, que poderiam estar nas ruas atuando na proteção da comunidade etc.

Até aí tudo bem, que a democracia e o devido processo legal, além do direito de defesa, pelo menos o dos presos, pode estar a merecer, mas o que não me sai da cabeça, é a hipocrisia de se alegar que o juiz pode, de alguma forma, ser influenciado pelo contato direto com o preso, não sendo ele a Paris Hilton. Isso entre leigos até parece crível. Mas para quem já viu a cena de um preso e um juiz em um interrogatório, parece cômico defender a tese de que o contato pessoal pode alterar alguma coisa nas impressões deste último. Sejamos pragmáticos, pois o momento assim nos pede. Caso tenham dúvidas, perguntem a um juiz, recomendavelmente em um ambiente informal, em que possa expressar sua experiência pessoal sem amarras.

E fico aqui pensando, será que a OAB de São Paulo encontra-se sediada na Suíça ? Ou é aqui mesmo, no Brasil, onde queimam ônibus repletos de inocentes, dão tiros nas ruas advertindo sobre o poder de facções criminosas e arrastam crianças presas em cintos de segurança, como se fossem a representação de Judas ?

Observação Importante: Esta crônica é absolutamente apolítica e apartidária. Contém apenas algumas impressões de um advogado, sobre questões que nos afligem no dia-a-dia, e tem o objetivo de ensejar reflexões e troca de idéias, as mais variadas possíveis, pois entendemos que é assim que se cresce, pessoalmente e profissionalmente. Não há que se desconhecer, ainda, o fato, de que a crítica é fácil e o governo difícil. Sabemos que nossa realidade é complicada e a dimensão dos interesses da Classe e da Sociedade é imensa. Assim, efetivamente, não há meios de solucionar os nossos problemas senão trabalhando diariamente, com afinco e compromisso, e sei que a atual Gestão da OAB assim o faz, como o fizeram várias outras. Reconhecemos assim o valor inegável de seus Dirigentes. Tenho lá inclusive um grande amigo muito atuante, dos tempos de Campinas, a quem rendo aqui minhas homenagens, o augusto Marcos Bernardelli, cuja dedicação e máximo esforço pela classe sempre acompanhei. A expectativa, é que todos nós tenhamos respeito, oportunidades e sucesso.

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*Advogado do escritório Cerdeira e Associados.










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