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Direito ao crédito de Cofins sobre ICMS devido na aquisição de bens e insumos componentes do estoque

A Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, resultado da conversão da Medida Provisória 135, esta de 30 de outubro de 2003, introduziu a sistemática da não-cumulatividade para a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

16/4/2004

 

Direito ao crédito de Cofins sobre ICMS devido na aquisição de bens e insumos componentes do estoque


João Paulo F. A. Fagundes*


A Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, resultado da conversão da Medida Provisória 135, esta de 30 de outubro de 2003, introduziu a sistemática da não-cumulatividade para a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

Pela sistemática da não-cumulatividade, a COFINS a ser paga pelas empresas passa a ser calculada por meio de um mecanismo em que se encontram créditos e débitos. O débito é o resultado da aplicação da nova alíquota de 7,6% (sete vírgula seis por cento) sobre o valor correspondente à receita bruta das pessoas jurídicas. O crédito, de sua vez, é encontrado pela aplicação da mesma alíquota sobre determinados custos e despesas incorridos pelas empresas. A parcela do débito que exceder o valor do crédito titulado pelas empresas corresponde à quantia que deve ser recolhida pelo contribuinte aos cofres públicos a título de COFINS.

Dentre os custos e despesas que, segundo a nova lei, conferem direito ao crédito encontram-se aqueles suportados na compra de bens adquiridos para revenda e na compra de bens empregados como insumos no processo de produção e fabricação1. Nesses casos, a sistemática da não-cumulatividade, inibidora da cobrança de tributos em cascata2, é fácil de ser enxergada: o vendedor dos referidos bens pagou a COFINS devida em decorrência da venda dos seus produtos e repassou o respectivo encargo ao comprador deles, que, agora, a seu turno, vai descontar este encargo que lhe foi repassado da quantia por ele devida a título de COFINS em função da revenda ou da venda dos produtos por ele fabricados.

Para garantir a efetividade do princípio da não-cumulatividade, a Instrução Normativa SRF 404, de 12 de março de 2004, determinou que o valor do ICMS integra o custo de aquisição dos bens para efeito de apuração do crédito de COFINS3.

Andou bem – cumpre-nos de plano observar - referida Instrução Normativa. O Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), em seu artigo 289, §3°, determina que o IPI e o ICMS suportados na aquisição de bens para revenda e de insumos empregados no processo de fabricação não devem integrar o respectivo custo se forem recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal.

Trocando em miúdos, os valores de ICMS e IPI devidos na aquisição de bens e insumos, repassados e portanto suportados pelo comprador, não ficam registrados em sua conta contábil que documenta seu estoque, mas sim em contas específicas, a saber, "IPI a Recuperar" e "ICMS a Recuperar4", quando passíveis de recuperação.

Para exemplificar, suponha-se que determinado comprador “A” esteja adquirindo do vendedor “B” certa quantidade de matéria-prima, pelo valor total de R$ 16.500,00. A nota fiscal representativa da supradita operação, emitida pelo vendedor “B”, conterá os seguintes valores:

NOTA FISCAL

Valor da mercadoria (ICMS incluso, mas sem IPI) R$ 15.000,00

IPI (10%) R$ 1.500,00

Valor total da Nota Fiscal R$ 16.500,00

Valor do ICMS destacado (18%) R$ 2.700,00 (18% x 15.000,00)


A aquisição será contabilizada da seguinte forma nos livros do comprador “A”.

Débito – Estoque de Matérias-Primas (Ativo Circulante) R$ 12.300,00

Débito – ICMS a Recuperar (Ativo Circulante) R$ 2.700,00

Débito – IPI a Recuperar (Ativo Circulante) R$ 1.500,00

Crédito – Fornecedores (Passivo Circulante) R$ 16.500,00


Por outro lado, nos livros do vendedor “B” a mesma aquisição há de ser contabilizada da seguinte maneira:

Débito – Clientes (Ativo Circulante) R$ 16.500,00

Crédito – IPI a Pagar (Passivo Circulante) R$ 1.500,00

Crédito – Receita de Vendas (Patrimônio Líquido) R$ 15.000,00


e

Débito – ICMS sobre Vendas (Resultado) R$ 2.700,00

Crédito – ICMS a Pagar (Passivo Circulante) R$ 2.700,00


Como se vê, o valor de ICMS devido na venda da matéria-prima integra a receita bruta do vendedor, inclusive para fins de cálculo da Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. Ou seja, no exemplo acima, a importância devida pelo vendedor a título de COFINS deve ser calculada sobre os R$15.000,00.

Entretanto, o valor do IPI, nos termos do que dispõe o Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), não compõe a receita bruta, não afetando, pois, a quantia devida a título de COFINS5.

Dessa forma, nada mais correto do que se permitir - como o fez expressamente a IN SRF 404 - que, para fins de se calcular o valor do crédito de COFINS sobre os bens adquiridos para revenda e sobre os insumos utilizados no processo de fabricação, o ICMS integre o custo de aquisição, vale dizer, que o crédito de COFINS seja calculado também sobre o valor de ICMS.

De fato, como, por um lado, o ICMS compõe a base de cálculo da COFINS devida pelo vendedor, e como, por outro lado, o vendedor repassa esse encargo de COFINS ao comprador, nada mais correto, à luz do princípio da não-cumulatividade, do que se garantir o direito do comprador calcular seu crédito de COFINS também sobre o valor do ICMS, e não somente sobre o saldo devedor líquido registrado na conta “Estoques”.

Todavia, se o legislador andou bem, como dissemos acima, ao permitir o crédito de COFINS também sobre o valor do ICMS devido na venda, o mesmo não se pode dizer em relação ao tratamento dispensado ao crédito de COFINS sobre o estoque existente no início do pagamento da COFINS pela sistemática da não-cumulatividade, in verbis:

“Art. 26 – A pessoa jurídica sujeita a incidência da Cofins não-cumulativa tem direito aos créditos previstos no art. 8°, referentes ao estoque de bens de que trata o seu inciso I, existentes em 1° de fevereiro de 2004, adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País.
§ 1° - O montante de crédito presumido será igual ao resultado da aplicação do percentual de 3% (três por cento) sobre o valor do estoque.
(...)”

Conforme já observado acima, o vendedor dos bens que compõem o estoque do comprador pagou COFINS sobre o ICMS devido na venda e repassou essa despesa ao comprador. Assim, à luz da sistemática da não-cumulatividade, afigura-se-nos claro e inequívoco o direito deste último calcular seu crédito de COFINS não somente sobre o saldo devedor da conta registradora do seu estoque, mas também sobre os valores de ICMS pagos quando da aquisição dos bens e insumos.

Ademais, o artigo 26 da IN SRF 404, que prevê o crédito de COFINS sobre o estoque existente em 1° de fevereiro de 2004, deve ser aplicado em conjunto com o artigo 8°, §3°, II, da mesma Instrução, dispositivo legal esse que estabelece expressamente que o ICMS integra o custo de aquisição para os efeitos de se apurar o valor do crédito de COFINS.

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1 Nos termos do artigo 3° da Lei 10.833/03, “Do valor apurado na forma do art 2° a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do § 3° do art. 1°; II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes; (...)”
2 “Por meio do princípio da não-cumulatividade do ICMS o Constituinte beneficiou o contribuinte (de direito) deste tributo e, ao mesmo tempo, o consumidor final (contribuinte de fato), a quem convêm preços mais reduzidos ou menos gravemente onerados pela carga tributária. Roque Antonio Carraza, ICMS, 5ª edição, Malheiros, página 198)
3 Vide artigo 8°, § 3°, inciso II, da IN SRF 404/2004
4 “(...) o valor registrado no estoque de matérias-primas está subtraído do ICMS destacado na nota fiscal, cujo montante foi registrado como ICMS a Recuperar (...). Boletim IOB 36/2001, página 9.
5“Art. 279 – A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia. Parágrafo único – Na receita bruta não se incluem os impostos não cumulativos cobrados destacadamente, do comprador ou contratante, dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja o mero depositário.”


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*Adovogado do escritório Rayes, Fagundes & Oliveira Ramos Advogados Associados










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