Ética e imprensa
Sérgio Roxo da Fonseca*
Mesmo assim há uma divisão insuperável quanto à origem da ética, para uns na ordem divina, para outros na ordem humana.
Os irmãos Karamazov, pretendendo matar o pai, demonstraram a profundidade do problema. Cito de memória. Um deles propõe o parricídio através de um plano que escaparia das regras humanas. Aliocha lembra que é possível fugir do julgamento dos homens, mas que é impossível fugir das leis de Deus. Mas Deus não existe, responde o irmão. Bem, se Deus não existe, então tudo é permitido.
A última frase revela o problema. As normas jurídicas, morais e éticas são derivadas ou não de Deus ? A negação da existência de Deus implica ou não a inexistência do direito, da moral e da ética ? Se Deus não existe, então tudo é permitido. Os homens não têm meios para conter a própria violência humana. Precisam de Deus, segundo tal visão.
Aponta-se erro na conclusão, ao se afirmar que todas as normas são frutos da cultura humana. Se Deus existe ou não existe, não faz diferença porque com Deus ou sem Deus o homem tem de ser ético. Os homens criaram o direito, a moral e a ética porque são irmãos, o que é o bastante de se bastar.
O tema ganha importância com a veiculação da notícia segundo a qual um jornalista do New York Times, Jayson Blair, confessou que estava frequentemente bêbado e drogado enquanto redigia suas reportagens. Menti, mentid, menti, disse ele. Não se sabe se bebia porque mentia ou mentia porque bebia. Objetivamente a reportagem era mentoriosa.
A imprensa é a maior geradora de normas de conduta da história recente. O Legislativo e o Judiciário expedem regras um, dois, dez anos depois dos fatos. A imprensa profere julgamentos todos os dias.
Causa repugnância, saber que um dos jornalistas do New York Times, confessadamente bêbado, tenha mascarado a realidade por ele testemunhada, passando a moldar pela mentia a conduta e a opinião de um número desconhecido de pessoas.
Não creio numa ética especial para jornalistas – sou um deles. Mas estou convencido da necessidade de um rígido controle ético sobre o material que diariamente invade a nossa vida. A liberdade de imprensa deve ter contornos quase sagrados, mas seus limites humanos merecem ser sempre definidos e controlados porque enfim somos humanos.
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* Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado
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