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O acidente in itinere após a reforma trabalhista

Desde a implementação da reforma trabalhista, que entrou em vigor há sete anos, o acidente in itinere continua a ser um tema comumente debatido, especialmente no que tange às suas implicações legais.

20/2/2025

Apesar da reforma trabalhista ter entrado em vigor há sete anos, suas implicações ainda geram questionamentos frequentes, especialmente no que diz respeito ao acidente de trajeto e suas indagações para com ele.

Como sabemos, o acidente de trajeto é equiparado ao acidente de trabalho pelo art. 21, inciso “IV”, letra d, da lei 8.213/91. Ou seja, isso significa que o acidente de trajeto assegura ao trabalhador acidentado os mesmos direitos que o acidente “típico”.

As horas in itinere eram o tempo despendido pelo empregado, no deslocamento de sua residência até o efetivo local de trabalho, e seu retorno; e que, diante de alguns requisitos (local de difícil acesso e não servido por transporte público regular e condução fornecida pelo empregador), computava na jornada de trabalho do empregado.

Todavia, com o advento da lei 13.467/17 (reforma trabalhista), o instituto supracitado deixou de existir em nosso ordenamento jurídico trabalhista.

A redação antiga do § 2º do art. 58 da CLT, previa que tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não seria computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador teria que fornecer a condução.

Antes da reforma trabalhista, as empresas estavam cientes sobre a estreita relação entre acidente de trajeto e de trabalho. Todavia, as alterações que ocorreram no art. 58, § 2,º da CLT, trouxeram algumas incertezas.

Atualmente, com a alteração trazida pela reforma, o dispositivo supracitado prevê que, o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será mais computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

Em suma, de acordo com o novo texto, foi excluído do tempo à disposição do empregador justamente o período de percurso da residência até o efetivo local de trabalho e vice – versa.

Embora sutil, essa alteração abriu margem para o seguinte questionamento: se o tempo despendido no trajeto não é tempo à disposição do empregador, então isso significa que acidentes ocorridos durante este período deixam de ser acidente de trabalho?

Na primeira vista, pode-se dizer que sim, mas, a questão não é tão simples. Pois, estamos diante de uma antinomia, em outras palavras, um conflito aparente de normas.

O Poder Executivo, objetivando pôr fim a presente celeuma, em novembro de 2019, editou a MP 905/19, instituindo o contrato de trabalho verde e amarelo e alterou a legislação trabalhista, entre outras providências, a qual revogou a alínea “d”, do inciso IV, do art. 21 da lei 8.213/91, não restando dúvidas de que, a partir de então, o acidente de trajeto não é mais classificado como acidente de trabalho, não ensejando, por conseguinte, a emissão de CAT, bem como a concessão de benefício acidentário. Porém, a referida MP perdeu a sua eficácia, não sendo convertida em lei.

Sendo assim, a antinomia voltou à tona, uma vez que a redação original da alínea “d”, do inciso IV, do art. 21 da lei 8.213/91 foi restabelecida com a caducidade da MP 905/19.

Como já fora frisado, estamos diante de uma antinomia entre a nova redação do §2º do art. 58 do diploma celetista e a alínea “d”, do inciso IV, do art. 21 da lei 8.213/91. O que faz o intérprete do Direito ter a obrigação de resolver tal situação.

Os conflitos de normas ocorridos durante o processo de interpretação denominam-se antinomias, como já frisado. Esses problemas podem ser solucionados através da aplicação de três critérios: hierárquico, cronológico e da especialidade.

No caso em tela, a CLT e a lei 8.213/91 são de mesma hierarquia, pois são leis ordinárias. Portanto, a adoção do critério hierárquico não resolve tal questão.

Contudo, com a adoção do critério cronológico irá prevalecer a nova redação do §2º do art. 58 da CLT, não sendo mais admitido o acidente de trajeto, como equiparado a acidente de trabalho. Não tendo mais efeitos trabalhistas e nem previdenciários para o empregado.

Por outro lado, adotando-se o critério da especialidade, prevalece a alínea “d”, do inciso IV, do art. 21 da lei 8.213/91, pois a referida norma regula e específica a situação de dependência para fins previdenciários e outras situações similares de proteção, previstas em legislação especial.

Portanto, com a adoção do critério supracitado, o acidente de trajeto continua sendo equiparado a acidente de trabalho, surtindo efeitos para a proteção do obreiro.

Os tribunais, inclusive o C. TST têm entendido que, o acidente in itinere só se equipara ao acidente de trabalho para os efeitos previdenciários, mesmo porque o tempo de deslocamento não é considerado na jornada de trabalho do obreiro, segundo a nova redação do § 2º do art. 58 do diploma celetista, excluindo a obrigação da empresa para fins de reparação civil.

Entretanto, há decisões considerando que o tempo despendido pelo empregado entre seu posto de trabalho e residência deixou de ser considerado tempo à disposição do empregador; concluindo que também o acidente de percurso deixou de ser considerado como equiparado a acidente de trabalho.

Diante disto, podemos concluir que os nossos tribunais adotaram uma interpretação “salomônica” referente ao acidente de trajeto ou de percurso ao concluir que, o referido acidente atrai unicamente o nexo na esfera previdenciária, não se cogitando, de regra, de responsabilidade do empregador por não ser mais considerado tempo a disposição.

Ao fim e ao cabo, conclui-se então, que, apesar do fim das horas in Itinere, como horas à disposição do empregador, o acidente de trabalho in itinere ou em trajeto ainda existe, podendo levar a estabilidade acidentária. Contudo, a reparação civil se dará por meio de prova de dolo ou culpa do empregador no evento danoso.

José Pedro Fernandes Guerra de Oliveira
Jurista, Advogado e Consultor Jurídico, especialista em Direito do Trabalho e Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP. Advogando atuante desde 2017.

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