A atribuição do assistente técnico, nas áreas de saúde mental, são tão importantes quanto a atividade pericial. Com efeito, a parte interessada sempre terá a possibilidade de indicar assistente técnico especializado, o qual será responsável pelo acompanhamento do trabalho pericial ou análise documental, devendo emitir parecer técnico, bem como por realizar exposições orais quando requerido.
A propósito da atividade do assistente técnico, e sua imbricação com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a jurisprudência1 tem consagrado a importância de sua participação para o aprimoramento da justiça.
O trabalho técnico assistencial não se limita ao acompanhamento da diligência pericial, uma vez que o consultor da parte pode se utilizar de todos os meios necessários – desde que lícitos, jurídicos e formalmente legais – para desempenhar a sua atividade, conforme autoriza o art. 469 do CPC.
Com o advento da lei 11.690/08, passou-se a admitir expressamente a figura do assistente técnico no Processo Penal, antes sujeita à postulação caso a caso com embasamento nos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Por força do art. 159, § 6º, da referida lei, os materiais processuais deverão estar disponíveis para que os assistentes técnicos examinem e sobre eles elaborem o seu parecer.
Vide:
Art. 159: O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
No entanto, o posicionamento teórico atual é no sentido de que, na esteira de outros entendimentos2, a regra deve merecer interpretação ampla, não se trata apenas de permitir acesso ao material coletado. Isso porque, a maneira como se produz essa coleta também deve ser assistida, pois a seleção de um método em detrimento, por exemplo, não é neutra e deve ser conhecida em sua plenitude para a garantia da idoneidade pericial.
Em outras palavras, toda produção deve ser assistida, significando que o assistente técnico tem a faculdade de acompanhar o procedimento de seleção dos elementos que embasam as perícias, sejam elas realizadas por peritos públicos ou por particulares, nomeados pelo juízo.
No caso de perícia psiquiátrica ou psicológica, isso significa a possibilidade de assistir às entrevistas e às testagens realizadas pelo perito, bem como acompanhar a todos os atos desse procedimento e não se limitar à elaboração de argumentos discursivos sobre o laudo pericial cujos elementos, na sua gênese, são conhecidos apenas pelo perito.
A importância do assistente técnico nos casos que envolvem questões comportamentais, emocionais e de saúde mental num todo, não se restringe aos atos periciais propriamente ditos, sendo o papel destes personagens reconhecido em diversos procedimentos e etapas processuais.
Notadamente, no que tange aos processos criminais, a participação dos assistentes técnicos nos depoimentos especiais é fundamental, e garantida na própria lei 13.4313.
Vide:
Art. 12. O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento:
IV - findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco (Grifo nosso)
Acima de qualquer outra ponderação, isso implica uma questão constitucional. Somente assim será garantido o pleno exercício da função dos assistente técnicos, da parte longe de hermetismos e livre de seleção direcionada. Nesta medida se efetiva o contraditório e a ampla defesa no plano da constitucionalização dessas garantias.
Segundo Taborda4, exímio psiquiatra forense, deve-se ter em mente que, apesar da excelência de seus conhecimentos técnicos, profissionais podem fazer apreciações erradas, tanto pela singela razão de que errar faz parte da natureza humana quanto pela remota hipótese de venalidade.
Se não houver, então, a rígida fiscalização do trabalho pericial, por exemplo, conclusões errôneas poderão servir de base à decisão judicial, com prejuízo a uma das partes e ao sistema de distribuição de justiça.
Assim, o ato de prova tem de ser passível de verificabilidade e de falseabilidade. O que não for suscetível de refutação não pode possuir valor probatório, porque não pertence ao domínio científico nem ao registro jurídico, mas radica no plano do dogma, da crença e da adivinhação.
Com efeito, o que está fora do alcance da refutabilidade não pode ser valorado como prova psíquica, porque não permite que seja como tal desvalorado, sendo para tal, essencial a participação de assistentes técnicos especializados.
A par disso, é de se observar também que, consoante o art.182 do CPP, o juiz, e aqui se incluem também os jurados, não está adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo no todo ou em parte.
De acordo com os ensinamentos de Trindade5:
É razoável estimar que uma parte dos erros judiciais está associada ao desconhecimento de assuntos psicológicos essenciais.
Nesse sentido, para aprimorar a Justiça e as instituições é preciso conhecer os mecanismos psíquicos do comportamento humano, que podem interferir em todas as esferas do Direito.
Ao contrário de outras perícias que lidam com elementos objetivos, a perícia psíquica enfrenta um desafio único, pois lida predominantemente com elementos imateriais que precisam ser convertidos em achados concretos para embasar conclusões periciais. Essa tarefa complexa exige rigor técnico e precisão, pois os dados subjetivos da mente humana devem ser tratados de forma cuidadosa e sistemática6.
Destarte, a oratória de profissionais da saúde mental no contexto jurídico em casos com demandas psíquicas desempenha papel crucial na compreensão dessas questões.
Ao apresentar opinião técnica de forma oral, os psicólogos e psiquiatras assistentes têm a oportunidade de fornecer explicação detalhada e contextualizada, de forma clara e acessível. Essa prática visa auxiliar os operadores do Direito a compreenderem melhor os conceitos e achados psíquicos. bem como responder perguntas e esclarecer pontos importantes.
Em suma, o assistente técnico desempenha papel crucial ao fornecer suporte especializado em um processo legal, garantindo a compreensão adequada de questões técnicas complexas e, consequentemente, assegurado um processo mais justo e bem fundamentado tecnicamente.
A participação de profissional da psiquiatria e psicologia nas questões judiciais que envolvem específicidades de saúde mental em muitos casos é necessária, cabendo o deferimento judicial.
Nos casos em que há determinação de perícia, a participação dos assistentes técnicos implica numa condição essencial, que visa assegurar a qualidade dos trabalhos pericias, garantindo o contraditório e a ampla defesa.
Em outras demandas, tais como acompanhamento de depoimento especial e estudos de análises técnico documental, por exemplo, torna-se de extrema valia facultando aos operadores de Direito um conhecimento diferenciado que permite o esclarecimento de temas de grande relevância para o deslinde processual mais justo e adequado.
Do mesmo modo, o papel destes profissionais em explanações orais facilita o entendimento das especificidades técnicas, fornecendo, em tempo real, esclarecimentos de dúvidas técnicas remanescentes, sendo esta prática de extrema importância, seja na condição assistente ou mesmo testemunha técnica.
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1 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1153849 PR. Terceira Turma. Ministro Sidnei Beneti.
2 LOPES JR., A. Direito Processual Penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
3 BRASIL, Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em: L13431 (planalto.gov.br)
4 ABDALLA-FILHO, E.; CHALUB, M.; TELLES, L.E.B. Psiquiatria forense de Taborda. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
5 TRINDADE, J. Manual de psicologia jurídica: para operadores do direito. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria de Advogado, 2021.
6 ABDALLA-FILHO, E.; CHALUB, M.; TELLES, L.E.B. Psiquiatria forense de Taborda. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
7 ABDALLA-FILHO, E.; CHALUB, M.; TELLES, L.E.B. Psiquiatria forense de Taborda. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
8 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
9 BRASIL. Lei nº 11.690 de 9 de junho de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências.
10 BRASIL, Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). . Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em: L13431 (planalto.gov.br)
11 LOPES JR., A. Direito Processual Penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
12 PALOMBA, G.A. Perícia na psiquiatria forense. São Paulo: Saraiva, 2016.
13 PALOMBA, G.A. Tratado de psiquiatria forense: civil e penal de acordo com o código civil de 2002. São Paulo: Atheneu, 2003.
14 TRINDADE, J. Manual de psicologia jurídica: para operadores do direito. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria de Advogado, 2021