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Referências prestadas pelo ex-empregador – Gravação telefônica e licitude da prova – Consequências

Análise jurídica sobre a licitude de gravações como prova trabalhista, destacando decisões recentes do TST e STF em casos de má-fé empresarial.

16/12/2024

Uma questão ainda bastante debatida na Justiça do Trabalho diz respeito à seguinte indagação: É lícita ou ilícita a gravação de conversa por um dos interlocutores ou terceiro por ele autorizado, sem a ciência do outro participante?

No dia 22/11/24, foi publicada uma notícia no site do TST referente ao julgamento proferido pela 1ª turma, nos autos do processo TSTAg-AIRR-446-14.2020.5.23.0009, sendo o acórdão publicado no dia 13/11/24. A matéria foi assim intitulada: “Gravação telefônica com más referências de vendedora é prova válida contra empregador”.

Os fatos que originaram o julgamento, em síntese, foram assim descritos: “Na ação, a vendedora, que trabalhou na Delta de 2017 a 2019, disse que, após a dispensa, foi chamada para várias entrevistas e processos seletivos, que "ocorriam de forma positiva”, mas, ao final, “não era selecionada, ainda que tivesse larga experiência para as vagas ofertadas”. Diante de tantas negativas, mesmo em situações em que a contratação já parecia certa, passou a suspeitar que o antigo patrão estaria dando más referências a seu respeito. Ela então pediu a duas pessoas conhecidas que ligassem para a empresa pedindo referências e, segundo seu relato, as informações fornecidas eram inverídicas e desabonadoras. Na ação, ela alegou que essa conduta prejudicou, de forma explícita, seu acesso ao mercado de trabalho no ramo para o qual se qualificou.”

Nas instâncias inferiores, o pleito da autora não fora acolhido, sob justificativa de que a prova apresentada era manifestamente ilícita, uma vez que “obtida por meio de simulação, por terceiro e sem ciência da gravação pelo único interlocutor integrante da relação contratual”.

Destaca-se que, para fundamentar essa posição, no acórdão prolatado no Regional restou citado julgamento proferido por uma de suas Turmas:

"DANO MORAL. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES DESABONADORAS. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA ILÍCITA. A divulgação de informações desabonadoras representa violação de um dever de conduta a que se submetem os sujeitos do contrato de trabalho, ainda que findo, estribado no princípio da boa-fé, que lhes impinge o dever de agir com lealdade, correção e consideração com o outro sujeito da relação, a teor do que estabelece o art. 422 do CC. Procurando desvencilhar-se do encargo probatório que lhe incumbe (art. 818 da CLT e art. 373, inciso I, do CPC), o autor encartou aos autos um pen-drive que contém conversa gravada entre o representante da ré e o seu cunhado, simulando ser futuro empregador que estava interessado em sua contratação. Contudo, referida gravação telefônica, consistente na captação de conversa com terceiros, da qual não participou, razão pela qual não pode ser usada contra a ré, porque envolve a quebra da privacidade, direito constitucionalmente tido como inviolável (art. 5º, X, CF/88). Recurso ao qual nego provimento.". (TRT da 23ª Região; Processo: 0000153-81.2019.5.23.0008; Data: 25-11-19; Órgão Julgador: Gab. Des. Maria Beatriz Theodoro - 2ª Turma; Relator(a): MARIA BEATRIZ THEODORO GOMES).

Com efeito, os adeptos dessa corrente jurisprudencial entendem pela ilicitude da prova, considerando que a gravação decorreu de conversa obtida por terceiro e sem ciência de um dos interlocutores, o que causa ofensa, notadamente, ao direito à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações telefônicas, conforme previsto nos incisos X e XII, do art. 5º, da CF/88.

A autora interpôs recurso defendendo a tese de que a gravação, ainda que realizada por terceiro, que não constou da relação processual ou contratual, a seu pedido e sem ciência da outra parte, deve ser considerada lícita. E o seu pleito, como visto, foi acatado.

É que a exceção prevista no art. 5º, XII, da CF/88, diz respeito à interceptação telefônica de conversa realizada por terceiro, autorizada em decisão judicial, para produzir prova em investigação criminal e em instrução processual penal. Para tanto, devem ser preenchidos os requisitos previstos na lei 9.296/96, o que não é hipótese em discussão, não havendo que se falar em violação do direito à intimidade, à privacidade e, tampouco, do direito ao sigilo das comunicações telefônicas.

O diálogo entre o terceiro e o preposto da empresa, responsável por prestar informações sobre ex-empregados, “não se insere em causa legal de sigilo ou de reserva de conversação para ser inadmitido como prova.”

E para justificar tal posição, no acórdão cujo julgamento favoreceu a parte autora, foram citadas decisões proferidas por todas as Turmas integrantes do TST, com destaque para as seguintes:

“RECURSO DE REVISTA - PRELIMINAR DE NULIDADE POR USO DE PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO. A gravação de conversa, realizada por um dos interlocutores, não se enquadra no conceito de interceptação telefônica, razão pela qual não se pode considerá-la meio ilícito de obtenção de prova. O uso desse meio em processo judicial é plenamente válido, mesmo que o ofendido seja um terceiro, que não participou do diálogo, mas foi citado na conversa e obteve a prova por intermédio do interlocutor. Se a obtenção é lícita, o produto, ou seja, a prova, também o é. Na hipótese, a reclamante viu sua honra ser maculada por declarações da ex-empregadora, no intuito de frustrar sua admissão em um novo emprego, o que, obviamente, só poderia ter sido documentado por um terceiro, que foi quem recebeu as informações depreciativas a respeito da trabalhadora. Intacto o art. 5º, LVI, da CF/88. Precedentes do STF e desta Corte. Recurso de revista não conhecido." (TST-RR - 21500-05.2008.5.15.0001, 1ª Turma, relator juiz convocado José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT de 8/6/2012).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. IRRELEVANTE O FATO DE O RECLAMANTE, BENEFICIÁRIO DA GRAVAÇÃO, NÃO TER PARTICIPADO DA CONVERSA GRAVADA. EXIGÊNCIA INVIABILIZA O DIREITO DE DEFESA. PROVA LÍCITA. Não merece provimento o agravo, haja vista que os argumentos apresentados não desconstituem os fundamentos da decisão monocrática pela qual se negou provimento ao agravo de instrumento em face de não constatada a violação ao art. 5º, inciso LIV, da CF. Agravo desprovido” (Ag-AIRR-10325-35.2020.5.15.0149, 3ª Turma, relator ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 13/10/23).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/17. GRAVAÇÃO CLANDESTINA. MEIO DE PROVA. LICITUDE. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O e. TRT, com esteio no conjunto fático-probatório dos autos, intangível nesta fase recursal a teor da súmula 126 do TST, concluiu que a conversa foi gravada pelo reclamante, reputa-se, portanto, “lícita a origem da prova, tendo em vista que o funcionário que gravou o diálogo contido no arquivo de áudio apresentado era um dos interlocutores”. Com efeito, nos termos em que proferida, a decisão do e. TRT encontra-se em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Corte, a qual, seguindo entendimento do STF, adota o entendimento de que a gravação clandestina, ou seja, aquela gravação realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, destinada a comprovação de fatos, constitui meio lícito de prova. Precedentes do e. STF e de Turmas deste TST. Nesse contexto, estando a decisão regional em harmonia com o entendimento do STF, bem como com a pacífica jurisprudência desta Corte, incide a súmula 333 do TST, como obstáculo à extraordinária intervenção deste TST no feito. A existência de obstáculo processual apto a inviabilizar o exame da matéria de fundo veiculada, como no caso, acaba por evidenciar, em última análise, a própria ausência de transcendência do recurso de revista, em qualquer das suas modalidades. Agravo não provido. (...)". Agravo não provido" (AIRR-0010305- 44.2020.5.15.0149, 5ª Turma, relator ministro Breno Medeiros, DEJT 02/07/2024).
RECURSO DE REVISTA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DOS INTERLOCUTORES. LICITUDE DA PROVA. O STF já firmou entendimento no sentido de que a gravação feita por um dos interlocutores da conversa telefônica, a fim de comprovar fatos em juízo, ainda que sem o conhecimento da outra parte, não se confunde com a garantia constitucional prevista no art. 5º, XII, da CF/88, que trata especificamente da captação de conversa feita por um terceiro. Desse modo, não se trata de interceptação ilícita, podendo ser utilizada processualmente como meio lícito de prova. Precedentes do STF e do TST. Recurso de revista não conhecido. (...) (RR-1430- 42.2011.5.09.0093, 8ª Turma, rel. min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT de 25/5/2018)

Nesse contexto, a título de exemplo, o STF decidiu:

EMENTA: "Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica, ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de consequência, lícita e, também consequentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o art. 5º, LVI, da CF/88 com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido. (HC 74678, relator(a): MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 10-6-97, DJ 15-8-97 PP-37036 EMENT VOL-01878-02 PP-00232)

Aliás, vale lembrar que o STF, no Tema 237 do Ementário de Repercussão Geral, fixou a tese: “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”.

A consequência para o ex-empregador que fornece informações inverídicas e desabonadoras do ex-colaborador é a de ser responsabilizado pela reparação dos danos causados. E nessa direção foi decidido:

"(...) PROVA LÍCITA - GRAVAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO - VALIDADE DA PROVA . 1. A gravação de conversa telefônica por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento da outra parte, não constitui prova ilícita e pode ser utilizada em juízo . 2. A inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, prevista no art. 5º, XII, da CF/88, está direcionada à interceptação da conversa telefônica por terceiros estranhos ao diálogo. DANO MORAL - INFORMAÇÃO DESABONADORA - AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA - ATO ILÍCITO - CONFIGURAÇÃO. 1. No caso, a reclamada, em conversa telefônica, divulgou a terceiros a informação de ajuizamento de ação trabalhista pela reclamante contra a ex-empregadora. 2. O ato praticado pelo antigo empregador pode sujeitar o empregado à discriminação no mercado de trabalho, impondo-lhe dificuldades para obter novo emprego e reinserir-se no mercado de trabalho . A conduta do ex-empregador é ilícita e autoriza a condenação ao pagamento de indenização por dano moral. (...)" (AIRR-7167-22.2011.5.12.0035, 7ª Turma, relator ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 7/6/19).

O que se recomenda, portanto, é que o ex-empregador tenha cuidado ao repassar informações de ex-colaborador, principalmente aquelas que o desabonem injustamente, sob pena de ser condenado a reparar os danos decorrentes.

Orlando José de Almeida
Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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