Em julgamento realizado no dia 13/11/24, a 1° seção do STJ considerou, por meio do REsp 2024250, possível a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo e comercialização do cânhamo industrial por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e farmacêuticos. Trata-se de uma variação da Cannabis sativa com teor de THC - tetrahidrocanabinol inferior a 0,3%.
Todavia, é imprescindível que essa autorização observe a regulamentação a ser editada, no prazo máximo de seis meses, contados a partir da publicação do acórdão, pela Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária e pela União, nos limites de suas competências.
De acordo com a ministra Regina Helena Costa, relatora do referido recurso, o cânhamo (hemp) e a maconha são variedades distintas da Cannabis sativa, pois seus níveis de THC (componente responsável pelos estados alterados ou eufóricos de percepção) e CBD (substância com propriedades terapêuticas) são diferentes em cada variante. Desse modo, o cânhamo industrial possui uma concentração de THC, em geral, menor que 0,3%, sendo incapaz de causar efeitos psicotrópicos, enquanto a maconha o contém teores entre 10% e 30% do THC, sendo classificada como droga psicotrópica.
A relatora também citou estudos que indicam a eficácia dos derivados da Cannabis no tratamento de doenças e na atenuação de sintomas e transtornos – por exemplo, em doenças neurodegenerativas, transtornos mentais e quadros como a ansiedade.
Cumpre ressaltar que o STJ já exarou decisões no sentido de que a conduta de plantar Cannabis sativa para fins medicinais é atípica, ante o teor do art. 2º, parágrafo único, da lei 11.343/06. No julgamento do REsp 1.972.092/SP, de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, por exemplo, a 6° turma entendeu que "uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis Sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela Anvisa na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso -, não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos”.
Retornando ao REsp 2024250, frisou-se que a lei de drogas não veda uso de derivados da cannabis que não causem dependência. Inclusive, o já citado parágrafo único de seu art. 2º possibilita que a União autorize o plantio, a cultura e a colheita, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização. Sem contar que a lei define como drogas as substâncias que causem dependência, definição essa que não poderia ser aplicada ao cânhamo industrial, devido ao seu baixo nível de THC.
Ademais, no contexto das políticas de combate aos entorpecentes, as convenções internacionais adotadas pelo Brasil objetivam coibir o uso e o tráfico de substâncias narcóticas, mas admitem exceções quanto à utilização medicinal e industrial da cannabis, desde que respeitada a regulamentação de cada país.
Por essa razão, a relatora ressaltou a necessidade de que, na regulamentação a cargo da Anvisa, sejam editados normativos que diferenciem o cânhamo das demais drogas derivadas da cannabis, visando a suprir a ausência de regulamentação sobre o cultivo do cânhamo e ajustar os normativos que, de maneira equivocada, acabaram impondo restrições não previstas pela lei de drogas.