Em novembro de 2024, uma decisão monocrática do STF reacendeu debates sobre o controle judicial de concessões públicas.
A ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1196/SP, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil, questionou dispositivos legais do município de São Paulo que autorizavam a concessão de serviços funerários, cemiteriais e de cremação.
A decisão suspendeu tarifas previstas nos contratos de concessão, restaurando valores pré-concessão corrigidos pelo IPCA.
Embora se fundamente na dignidade da pessoa humana, a decisão ignora aspectos cruciais das legislações aplicáveis, como a lei geral de concessões (lei 8.987/95) e a LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, além de negligenciar os impactos práticos sobre o poder concedente, concessionárias e usuários.
Este artigo analisa os efeitos dessa intervenção judicial sob a perspectiva de boas práticas e segurança jurídica.
Estruturação e regulação ignoradas
Os contratos de concessão de serviços funerários e cemiteriais em São Paulo resultaram de um longo processo conduzido pela SP Parcerias, envolvendo estudos de viabilidade, consultas públicas e sondagens de mercado. Essa estruturação visava garantir a prestação eficiente e sustentável de serviços à população. A decisão judicial, no entanto, desconsiderou integralmente tais esforços, comprometendo a previsibilidade necessária para o setor.
Ao suspender unilateralmente o regime tarifário, a decisão também violou o art. 20 da LINDB, que exige do Poder Judiciário uma avaliação rigorosa das consequências práticas de suas determinações. Além disso, a lei geral de concessões oferece mecanismos para resolver conflitos de forma administrativa, como reequilíbrio econômico-financeiro e fiscalizações, os quais não foram acionados antes da decisão judicial.
Risco sistêmico e quebra de confiança
Contratos de concessão são baseados em uma relação de confiança entre o poder público e os investidores privados. Ao intervir em disposições tarifárias, o STF comprometeu não apenas os contratos em voga, mas também futuros projetos de concessão, gerando insegurança jurídica e desestimulando a participação privada em licitações.
A previsibilidade é um dos pilares das boas práticas na regulação de concessões. Alterar regras previamente estabelecidas pode levar concessionárias a provisionar recursos adicionais para lidar com riscos regulatórios, encarecendo os serviços para os usuários e comprometendo a eficiência.
Impactos para os usuários
Embora a decisão tenha como objetivo proteger a população, o efeito pode ser o oposto. A suspensão das tarifas comprometendo o reequilíbrio financeiro pode levar à deterioração dos serviços. O risco é ainda maior em contratos que preveem investimentos de longo prazo, como os cemiteriais, que dependem de estabilidade para atrair investidores qualificados.
Privatização vs. concessão: Um erro conceitual
A decisão também peca ao confundir privatização com concessão, sugerindo erroneamente que os bens concedidos deixariam de ser públicos. Em concessões, os bens retornam ao poder público ao final do contrato, diferentemente da privatização, onde há alienação definitiva.
Essa confusão mina a compreensão do público sobre as diferenças entre os modelos e prejudica o debate sobre a eficiência da gestão pública versus privada.
Conclusão
A decisão monocrática do STF demonstra os riscos de intervenções judiciais tardias e descoladas das particularidades dos contratos de concessão.
A análise limitada, sem considerar os impactos sistêmicos e alternativas administrativas, compromete a segurança jurídica e a eficiência dos serviços públicos.
Para evitar situações semelhantes, é imprescindível que o Judiciário respeite os limites de sua atuação, promovendo soluções que fortaleçam a previsibilidade e a estabilidade das concessões.
Em um cenário de crescente demanda por infraestrutura e serviços públicos de qualidade, é vital que todos os atores, incluindo o Judiciário, atuem de forma alinhada para preservar o interesse público.