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A consulta pública no Rio de Janeiro e o aperfeiçoamento do decreto 46.366/18: Reflexões sobre o Direito Administrativo sancionador

A Procuradoria do RJ propõe ajustes ao decreto 46.366/18, com destaque ao APR, que inova no combate à corrupção e promove integridade e transparência.

6/12/2024

A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro determinou em 2/12/24, a abertura de consulta pública sobre a proposta de alteração do decreto 46.366/18. Essa norma, que regulamenta a aplicação da lei Federal 12.846/13, está no centro do arcabouço jurídico de responsabilização de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública, e sua revisão busca incorporar avanços em face dos desafios contemporâneos de combate à corrupção e promoção da integridade. 

Formalizada pela resolução PGE 5.147/24, a iniciativa oferece a oportunidade de aperfeiçoar mecanismos de apuração, cálculo de sanções e instrumentos consensuais como os acordos de leniência e os recém-propostos APRs. 

Este texto busca analisar os principais pontos de inovação, destacando o papel do APR - Acordo no Processo de Responsabilização como alternativa complementar ao Acordo de Leniência, bem como os avanços no cálculo de multas, reparação de danos e medidas de integridade. Além disso, serão abordadas as inovações em transparência e publicidade, consolidando um panorama detalhado das transformações sugeridas e seu impacto na Administração Pública e no combate à corrupção.

1. O APR - Acordo no Processo de Responsabilização

Uma das inovações mais significativas propostas pela consulta pública liderada pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro é a introdução do APR - Acordo no Processo de Responsabilização, que complementa o sistema normativo já consolidado pelo decreto 46.366/18 e se diferencia do Acordo de Leniência de forma estrutural e funcional.

1.1. O Acordo de Leniência no decreto 46.366/18

O Acordo de Leniência, no decreto 46.366/18, é um instrumento central no combate à corrupção, incentivando a cooperação de pessoas jurídicas envolvidas em práticas ilícitas contra a Administração Pública. Sua celebração exige o cumprimento de requisitos rigorosos: ser a primeira a manifestar interesse, cessar imediatamente a conduta ilícita e apresentar provas substanciais (art. 49).

Além de reduzir a multa em até dois terços e excluir sanções administrativas específicas, como a publicação extraordinária de decisões (art. 56), o acordo objetiva desmantelar redes de corrupção por meio da identificação de outros envolvidos, sejam pessoas físicas ou jurídicas (art. 45). 

1.2. O APR - Acordo no Processo de Responsabilização no texto submetido à consulta

O APR, previsto no art. 34-A do texto em tramitação, amplia as soluções consensuais no Direito Administrativo sancionador ao permitir que a pessoa jurídica reconheça sua responsabilidade e colabore diretamente com a Administração Pública. Para tanto, exige-se aceitação da responsabilidade objetiva, apresentação de provas, descrição detalhada dos atos lesivos e cessação das práticas ilícitas.

Com a instauração do APR, a prescrição é interrompida (Art. 34-B, §3º), e a rejeição ou desistência do acordo não permite o uso dos documentos apresentados contra a parte (Art. 34-C, §2º). Sua condução é compartilhada pela CGE - Controladoria-Geral do Estado e pela PGE - Procuradoria-Geral do Estado, assegurando imparcialidade e tecnicidade (Art. 34-B, §2º). O descumprimento do APR acarreta a perda dos benefícios pactuados, impedimento para novos acordos pelo período de três anos e o registro no CNEP - Cadastro Nacional de Empresas Punidas por igual período (Art. 34-H, §§1º e 2º). O APR inova ao equilibrar mecanismos de colaboração e responsabilização, consolidando-se como uma ferramenta eficiente de accountability e integridade pública.

1.3 Comparação entre os acordos

2. Cálculo de multas e reparação de danos 

No decreto vigente (46.366/18), o cálculo das multas está diretamente vinculado ao faturamento bruto da pessoa jurídica no exercício anterior ao início do PAR - Processo Administrativo de Responsabilização, excluídos os tributos, conforme disposto no art. 33, I. O limite máximo da multa é de 20% do faturamento bruto, e o valor mínimo não pode ser inferior à vantagem auferida, quando possível estimá-la. A gravidade do ilícito, bem como a colaboração da pessoa jurídica, são consideradas na aplicação de agravantes e atenuantes, mas sem detalhamento rigoroso dos critérios ou metodologia. 

Com a alteração proposta no decreto de 2024, novos critérios são introduzidos para dar maior objetividade ao cálculo. Mantém-se a vinculação ao faturamento bruto, mas agora detalha-se que o valor mínimo será o maior entre a vantagem auferida e 0,1% do faturamento bruto, e o máximo será o menor entre 20% do faturamento bruto ou três vezes a vantagem auferida. Para casos em que não se possa determinar o faturamento, como previsto no art. 40-A, a multa será estabelecida entre R$ 6.000,00 e R$ 60.000.000,00. Além disso, o art. 38-A especifica metodologias para cálculo da vantagem auferida ou pretendida, incluindo a dedução de custos lícitos comprovados que seriam legítimos caso o ato ilícito não tivesse ocorrido.

3. Transparência e publicidade

No decreto vigente, conforme o art. 56, a transparência e a publicidade das decisões condenatórias são garantidas por meio da publicação em meios oficiais, como o Diário Oficial, e, quando aplicável, em outros veículos de comunicação de grande circulação. Essas medidas asseguram a divulgação formal dos resultados do processo administrativo de responsabilização, cumprindo o princípio de accountability, mas limitam-se a aspectos obrigatórios, sem abordar amplamente a integração com sistemas de registro público ou o compartilhamento de informações entre órgãos.

A proposta de alteração do decreto introduz inovações no art. 34-C, §1º e §2º, prevendo que a desistência ou rejeição de acordos, como o APR, não será divulgada publicamente, assegurando o sigilo processual. Por outro lado, para casos de descumprimento de sanções ou acordos, como estabelecido no art. 34-H, o registro das penalidades será efetuado no CNEP - Cadastro Nacional de Empresas Punidas, ampliando a publicidade dos resultados e promovendo maior acesso a informações relevantes por órgãos públicos e pela sociedade. Além disso, o decreto reforça a articulação entre entidades administrativas para garantir a comunicação eficiente e integrada sobre as penalidades aplicadas, contribuindo para um sistema mais transparente e acessível. Essas mudanças ampliam os mecanismos de divulgação e integram a publicidade com instrumentos tecnológicos, promovendo maior controle social e eficiência administrativa.

4. Programas de integridade

O novo texto propõe, entre outros pontos, a inclusão da obrigação de adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programas de integridade como requisito nos acordos administrativos de responsabilização (art. 34-D, VI). Além disso, prevê incentivos diretos para empresas que possuam programas de integridade implantados previamente à prática de atos lesivos, como atenuantes no cálculo das multas (art. 36, V e parágrafo único). Tais medidas não apenas reforçam o compromisso das pessoas jurídicas com padrões éticos mais elevados, mas também promovem maior previsibilidade e transparência no relacionamento com o poder público.

5. Conclusão

A consulta pública para revisão do decreto 46.366/18, conduzida pelo procurador-geral Renan Saad, é uma demonstração de compromisso com os princípios constitucionais que regem a Administração Pública brasileira. As inovações propostas, como o APR, a reformulação do cálculo de multas e o fortalecimento dos programas de integridade, representam avanços significativos que alinham o Rio de Janeiro às melhores práticas internacionais no combate à corrupção.

Essa iniciativa reforça a ideia de que a Administração Pública deve ser moderna, transparente e participativa, garantindo soluções consensuais que preservem o interesse público e promovam a ética empresarial.

Fábio Medina Osório
Advogado do escritório Medina Osório Advogados, ex ministro da AGU.

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