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Fenabrave se manifesta na ADPF 1.106 pela constitucionalidade da lei Renato Ferrari

A Fenabrave defende a constitucionalidade da lei Ferrari, argumentando que ela promove a concorrência e regula contratos de forma equilibrada no setor automotivo.

5/12/2024

No âmbito da ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1106, ajuizada em 13/12/23 pela PGR - Procuradoria Geral da República e que discute a constitucionalidade de determinados artigos da lei Federal 6.729/79 (“lei Ferrari”), a Fenabrave - Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores apresentou, em 29/10/24, petição expondo as razões pelas quais entende que a ADPF deve ser julgada improcedente. 

Em síntese, a petição apresentada pela entidade representativa do setor de distribuição de veículos no Brasil traça o contexto histórico da edição da lei Ferrari e foca nas questões concorrenciais abordadas na ADPF, destaca a natureza jurídica metaindividual das normas de direito concorrencial, por tutelarem a coletividade e o mercado, e sustenta a compatibilidade da lei Ferrari com a CF/88 e com leis infraconstitucionais.

A Fenabrave defende que a CF/88 não vedaria a regulamentação de modalidades específicas de contratos, mas sim forneceria diretrizes para que o legislador crie leis infraconstitucionais que regulem as relações contratuais. Nesse sentido, além da lei Ferrari, existiriam outras legislações infraconstitucionais que estabelecem condições gerais para setores específicos, como, por exemplo, a lei de franquia (lei Federal 13.966/19), a lei dos planos de saúde (lei Federal 9.656/98) e a lei de representação comercial (lei Federal 4.886/65). Segundo a Fenabrave, a legislação setorial poderia instituir mecanismos preventivos para evitar práticas abusivas, como seria feito pela lei Ferrari, que, para a Federação, equilibraria a relação entre concessionárias e montadoras. 

Junto da petição, a Fenabrave apresentou dois pareceres: um parecer jurídico, elaborado por Fernando de Oliveira Marques, advogado e economista, e um parecer econômico, elaborado pela GO Associados. 

O parecer jurídico se debruça sobre a aplicação do direito concorrencial e da lei de defesa da concorrência (lei Federal 12.529/11) nas relações de comercialização de veículos e sobre as previsões constitucionais também a esse respeito, de forma a responder 7 quesitos1 apresentados pela Fenabrave, dentre eles se “é possível afirmar que o regime legal inaugurado pela lei 6.729/79 é compatível com o princípio constitucional da livre concorrência” e “quais são as consequências jurídicas da declaração de não recepção/inconstitucionalidade da lei Renato Ferrari sobre os contratos vigentes?”.

Resumidamente, o parecer jurídico concluiu, dentre outros, que “não foi verificada violação à livre concorrência [pelos dispositivos da Lei Ferrari], mas ao contrário, foram identificados incentivos para tornar o mercado mais competitivo aos consumidores, com diversas opções de escolha em relação às diferentes marcas e também entre Concessionárias da mesma marca. Consequentemente, é observado maior investimento das Concessionárias para diferenciar o seu produto, seja em relação a preços como atendimento” 2

Além disso, o parecer jurídico analisou a compatibilidade da lei Ferrari com o princípio constitucional da livre concorrência, concluindo que a lei Ferrari promove a concorrência intramarcas e garante condições comerciais uniformes para as concessionárias. As restrições verticais estabelecidas pela lei Ferrari não seriam inconstitucionais por si sós e deveriam ser analisadas sob a regra da razão, ponderando pela existência de benefícios e prejuízos. 

Para o parecerista, a lei Ferrari e a lei de defesa da concorrência coexistem em harmonia, sem criar imunidade antitruste, de modo que a declaração de inconstitucionalidade da lei Ferrari causaria insegurança jurídica e prejudicaria o mercado e os consumidores, sendo essencial para a sustentabilidade do setor sua manutenção.

Por sua vez, o parecer econômico também apresentado pela Fenabrave trouxe considerações sobre os impactos macro e microeconômicos que poderiam decorrer da revisão ou invalidação da lei Ferrari. A conclusão do estudo foi de que a lei Ferrari abordaria um modelo flexível ao mercado e possíveis mudanças trariam efeitos macroeconômicos “devastadores3, de forma que, caso seja de fato necessária uma alteração, esta deveria ser feita de forma extremamente cautelosa pelo Poder Judiciário.

A petição apresentada pela Fenabrave se junta a outras manifestações já apresentadas nos autos da ADPF pela ANFAVEA - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, AGU - Advocacia-Geral da União e Senado Federal, que já se manifestaram pela improcedência da ação, conforme fundamentos específicos apresentados em cada manifestação4. Seguiremos acompanhando de perto os desdobramentos dessa ADPF, que, a depender do desfecho, impactará um dos setores mais importantes da economia brasileira.

___________

1 “I. Extrai-se da Constituição alguma vedação ao legislador ordinário para regulamentar condições necessárias a tipos específicos de contratos? Nessa perspectiva, há no ordenamento jurídico brasileiro outros exemplos de leis infraconstitucionais que estabelecem condições contratuais gerais para determinados setores?

II. O art. 173, § 4º, da Constituição prevê que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. A leitura desse dispositivo permite inferir que o legislador pode, de forma antecedente, instituir mecanismos hábeis a evitar práticas abusivas de mercado? Na perspectiva do setor de venda de automóveis, como isso se justifica? [Se possível, abordar a contextualização comparada a partir da experiência de outros países].

III. A livre concorrência é conceito de múltiplos significados. Nessa toada, é possível afirmar que o regime legal inaugurado pela Lei nº 6.729/1979 é compatível com o princípio constitucional da livre concorrência? Mais do que isso, é possível afirmar que essa legislação implica a concretização desse princípio?

IV. Alguns dispositivos da Lei Renato Ferrari (que dizem respeito, por exemplo, à cláusula de exclusividade, à área operacional de responsabilidade do concessionário, à quota de veículos, ao estoque e ao índice de fidelidade) estabelecem mecanismos que se apontam como “restrições verticais”. Sob a ótica da ordem econômica constitucional, essas restrições são consideradas inconstitucionais per se? Dada as particularidades inerentes ao funcionamento do setor de produção, distribuição e comercialização de veículos automotores de via terrestre, verifica-se que as eficiências advindas da sistemática da Lei Renato Ferrari superam os prejuízos?

V. A Lei nº 6.729/1979 impede a atuação das autoridades antitruste na repressão de condutas abusivas? Ela cria uma “imunidade antitruste”? a normatização dos contratos de concessão automotiva impede o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE de decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e de aplicar as penalidades previstas na Lei nº 12.529/2011?

VI. A Lei Renato Ferrari passou por uma alteração no ano de 1990. Com isso, viu-se a modificação das características inerentes à estipulação da alcunhada “cláusula de raio”. A racionalidade dessa nova redação, a qual estabelece regras de recíprocas responsabilidades, ao invés de apenas imposições, confirma a sua constitucionalidade?

VII. À luz do primado da livre concorrência, quais são as consequências jurídicas da declaração de não recepção/inconstitucionalidade da Lei Renato Ferrari sobre os contratos vigentes? Pode-se afirmar que a ausência de regulamentação tornará o setor mais eficiente?”

2 Pág. 57 do parecer jurídico.

3 Pág. 51 do parecer econômico.

4 A Câmara dos Deputados também se manifestou nos autos, prestando informações sobre o processo legislativo da Lei Ferrari.

Tatiana Dratovsky Sister
Sócia da área de Contratos Comerciais e Franquias do BMA Advogados

Letícia Gomes de Oliveira
Advogada da área de Contratos Comerciais e Franquias do BMA Advogados.

Bruno Ganz Granito
Integrante da área de Contratos Comerciais e Franquias do BMA Advogados

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