Com a promulgação da CF/88, o fenômeno da constitucionalização de normas infraconstitucionais trouxe à tona a problematização da compatibilidade entre os preceitos, diante de questões administrativas e judiciais. Ou seja, a convergência normativa tornou-se um problema, uma vez que tratativas inerentes à moralidade e à probidade, no campo da Administração Pública, descritas no art. 37, § 4º da CF/88, traziam lacunas hermenêuticas de difícil resolução.
Ou seja, com o intuito de conciliar os atos sancionadores, entre as instâncias, foi necessário que o STF e o STJ julgassem conflitos de constitucionalidade e legalidade, para que a insegurança jurídica não tomasse conta da Administração Pública. Explicando melhor, em relação a improbidade administrativa e as sanções específicas nas normas infraconstitucionais, observa-se que existem incompatibilidades e lacunas de interpretação.
Diante de um cenário brasileiro de separação de poderes, pautado na indispensabilidade de gestão com compliance institucional, as funções típicas e atípicas inerentes a cada poder deveriam ser equalizadas. Nessa toada, especificamente na esfera administrativa, as normas infraconstitucionais preconizam a probidade, pautada na boa fé e na imparcialidade de atuações de agentes públicos e equiparados. Nessa perspectiva, faz-se necessário descortinar a positivação da lei 8.112 (1990), referente ao regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas Federais. Isto é, observa-se que esta regulamentação, em seus arts. 127, 134 e 141, estipula as sanções aos funcionários públicos, quando constatados atos contra legem e arbitrários.
Destarte, pontualmente falando, a lei supracitada faz menção positivada na penalização referente a perda da função pública e a cassação de aposentadoria. Todavia, na esfera judicial, a lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), no art. 12, se refere às sanções aos atos de improbidade, sem tratar especificamente sobre este instituto. Nesse diapasão, quando há dupla penalização, na esfera administrativa e penal, surgem discussões atinentes a utilização da legalidade estrita, descrita constitucionalmente.
Nesse prisma, se as autoridades sancionatórias optarem por utilizarem a lei administrativa 8.112/90, far-se-á necessário punir agentes públicos com cassação de aposentadoria. Entretanto, se a aplicabilidade intrínseca é da lei 8.429/92, carece de positivação, indo na contramão da segurança jurídica – fato que torna as normas anacrônicas em seus entendimentos. Dizendo de outra forma, a lei 8.112 descreve esta penalização no art. 134, conquanto a lei 8.429 não possui sanção específica alusiva, ocorrendo incompatibilidade hermenêutica. Porquanto, diante de divergências nos Tribunais de primeira e segunda instância no Brasil, os casos chegaram ao STJ e ao STF, com o intuito de arrefecer a insegurança jurídica, diante de julgamentos repetitivos alusivos aos servidores.
Segundo o entendimento do STJ, “Para a ação sancionatória estatal, faz-se necessária a descrição específica da legalidade estrita, não podendo efetuar a interpretação extensiva”. Nesse viés, o tema foi objeto de estudo no caso do Resp 1.496.347/ ES e houve argumentação no sentido de que nada obstante, a legislação de regência sanciona a prática de atos de improbidade, de modo diverso nas esferas judicial e administrativa. Nessa perspectiva, na esfera administrativa, a eventual prática de ato de improbidade pode ensejar a imposição, pela autoridade administrativa, da sanção de cassação de aposentadoria, por força do que dispõe os artigos da lei 8.112/90.
Conquanto, na esfera judicial, o entendimento do STF é divergente do STJ, pois optou por convergir a perda de cargo público em cassação no âmbito da ação de improbidade administrativa no ARE 1.321.655 AgR. Nesse ângulo, o STF argumenta que a lei 8.429/92 possui especificidade legislativa além de publicação posterior a lei 8.112, sendo a temporalidade uma medida de hermenêutica. Ademais, no MS 20.444/DF, o então ministro do STF Herman Benjamin, teve o entendimento de que “mesmo diante de lacunas legislativas, a decorrência lógica da perda da função é a cassação de aposentadoria”.
Diante do exposto, percebe-se que este tema de suma importância social e econômica para a Administração Pública ainda não obteve consenso no âmbito administrativo e judicial. Segundo o professor Alexandre Mazza, “A previsão expressa da sanção de cassação de aposentadoria no estatuto dos servidores estatais não atende ao princípio da legalidade, nem permite o diálogo de fontes, porque a competência legislativa para disciplinar sobre a Improbidade administrativa é privativa da União". Faz- se necessário aguardar os próximos julgamentos e entendimentos das cortes superiores, com o intuito de gerar jurisprudência compatível com CF/88.
_________
1 ALVARENGA, Aristides Junqueira. Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro. Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001.
2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
3 BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. Brasília: 1992.
4 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.619.224/MG. Relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 5 out. 60 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=20160209 8010&dt_publicacao=22/10/2021. Acesso em 10 jul. 2023.
5 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Ação de Improbidade Administrativa nº 30/AM. Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 21 set. 2011. Disponívevl em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=20030196 5125&dt_publicacao=08/06/2006. Acesso em 12 jul. 2023.
6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm . Acesso em 02 de set. 2020. BRASIL.