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A hermenêutica anacrônica entre a lei 8.112 e a lei 8.429

Um artigo com abordagem sistêmica das normas administrativas e judiciais, com o intuito de trazer à tona a problemática da equidade constitucional.

29/11/2024

Com a promulgação da CF/88, o fenômeno da constitucionalização de normas infraconstitucionais trouxe à tona a problematização da compatibilidade entre os preceitos, diante de questões administrativas e judiciais. Ou seja, a convergência normativa tornou-se um problema, uma vez que tratativas inerentes à moralidade e à probidade, no campo da Administração Pública, descritas no art. 37, § 4º da CF/88, traziam lacunas hermenêuticas de difícil resolução. 

Ou seja, com o intuito de conciliar os atos sancionadores, entre as instâncias, foi necessário que o STF e o STJ julgassem conflitos de constitucionalidade e legalidade, para que a insegurança jurídica não tomasse conta da Administração Pública. Explicando melhor, em relação a improbidade administrativa e as sanções específicas nas normas infraconstitucionais, observa-se que existem incompatibilidades e lacunas de interpretação. 

Diante de um cenário brasileiro de separação de poderes, pautado na indispensabilidade de gestão com compliance institucional, as funções típicas e atípicas inerentes a cada poder deveriam ser equalizadas. Nessa toada, especificamente na esfera administrativa, as normas infraconstitucionais preconizam a probidade, pautada na boa fé e na imparcialidade de atuações de agentes públicos e equiparados. Nessa perspectiva, faz-se necessário descortinar a positivação da lei 8.112 (1990), referente ao regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas Federais. Isto é, observa-se que esta regulamentação, em seus arts. 127, 134 e 141, estipula as sanções aos funcionários públicos, quando constatados atos contra legem e arbitrários.  

Destarte, pontualmente falando, a lei supracitada faz menção positivada na penalização referente a perda da função pública e a cassação de aposentadoria. Todavia, na esfera judicial, a lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), no art. 12, se refere às sanções aos atos de improbidade, sem tratar especificamente sobre este instituto. Nesse diapasão, quando há dupla penalização, na esfera administrativa e penal, surgem discussões atinentes a utilização da legalidade estrita, descrita constitucionalmente. 

Nesse prisma, se as autoridades sancionatórias optarem por utilizarem a lei administrativa 8.112/90, far-se-á necessário punir agentes públicos com cassação de aposentadoria. Entretanto, se a aplicabilidade intrínseca é da lei 8.429/92, carece de positivação, indo na contramão da segurança jurídica – fato que torna as normas anacrônicas em seus entendimentos. Dizendo de outra forma, a lei 8.112 descreve esta penalização no art. 134, conquanto a lei 8.429 não possui sanção específica alusiva, ocorrendo incompatibilidade hermenêutica. Porquanto, diante de divergências nos Tribunais de primeira e segunda instância no Brasil, os casos chegaram ao STJ e ao STF, com o intuito de arrefecer a insegurança jurídica, diante de julgamentos repetitivos alusivos aos servidores. 

Segundo o entendimento do STJ, “Para a ação sancionatória estatal, faz-se necessária a descrição específica da legalidade estrita, não podendo efetuar a interpretação extensiva”. Nesse viés, o tema foi objeto de estudo no caso do Resp 1.496.347/ ES e houve argumentação no sentido de que nada obstante, a legislação de regência sanciona a prática de atos de improbidade, de modo diverso nas esferas judicial e administrativa. Nessa perspectiva, na esfera administrativa, a eventual prática de ato de improbidade pode ensejar a imposição, pela autoridade administrativa, da sanção de cassação de aposentadoria, por força do que dispõe os artigos da lei 8.112/90. 

Conquanto, na esfera judicial, o entendimento do STF é divergente do STJ, pois optou por convergir a perda de cargo público em cassação no âmbito da ação de improbidade administrativa no ARE 1.321.655 AgR. Nesse ângulo, o STF argumenta que a lei 8.429/92 possui especificidade legislativa além de publicação posterior a lei 8.112, sendo a temporalidade uma medida de hermenêutica. Ademais, no MS 20.444/DF, o então ministro do STF Herman Benjamin, teve o entendimento de que “mesmo diante de lacunas legislativas, a decorrência lógica da perda da função é a cassação de aposentadoria”

Diante do exposto, percebe-se que este tema de suma importância social e econômica para a Administração Pública ainda não obteve consenso no âmbito administrativo e judicial. Segundo o professor Alexandre Mazza, “A previsão expressa da sanção de cassação de aposentadoria no estatuto dos servidores estatais não atende ao princípio da legalidade, nem permite o diálogo de fontes, porque a competência legislativa para disciplinar sobre a Improbidade administrativa é privativa da União". Faz- se necessário aguardar os próximos julgamentos e entendimentos das cortes superiores, com o intuito de gerar jurisprudência compatível com CF/88. 

_________

1 ALVARENGA, Aristides Junqueira. Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro. Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001. 

2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 

3 BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. Brasília: 1992. 

4 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.619.224/MG. Relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 5 out. 60 2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=20160209 8010&dt_publicacao=22/10/2021. Acesso em 10 jul. 2023.  

5 BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Ação de Improbidade Administrativa nº 30/AM. Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 21 set. 2011. Disponívevl em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=20030196 5125&dt_publicacao=08/06/2006. Acesso em 12 jul. 2023. 

6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm . Acesso em 02 de set. 2020. BRASIL. 

Joseane de Menezes Condé
Servidora Pública Federal do TRT 15 Americana, Mestranda em Direito Internacional FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional IBMEC, pós graduanda em direito tributário e trabalhista.

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