A ilegalidade da resolução 654 do CFA - Conselho Federal de Administração e sua inaplicabilidade aos denominados “síndicos profissionais”.
Em 12/11/24, o universo condominial foi surpreendido pela publicação de uma resolução normativa, a de 654 do Conselho Federal de Administração, a qual foi editada com o tortuoso objetivo de “regulamentar as atividades dos síndicos profissionais (externos) e das empresas de sindicatura”. (SIC).
A nosso ver, estamos diante de uma norma “natimorta”, que peca por desrespeitar princípios basilares do direito, adentrando a uma seara que não diz respeito ao campo de incidência regulamentar da autarquia profissional em comento.
Exemplificativamente, vejamos algumas das graves ilegalidades que se apresentam no corpo do conjunto de regras autárquicas:
- a resolução faz referência expressa a uma “profissão inexistente”, qual seja, a imputada como de “síndico profissional”; as profissões existentes e em atividade no Brasil estão enunciadas em leis próprias (profissões regulamentadas) ou no cadastro brasileiro de ocupações (profissões não regulamentadas), de onde se extrai a evidente conclusão que, não sendo uma profissão, nem regulamentada, nem não regulamentada, a atividade de síndico não pode ser objeto de incidência exclusiva de nenhuma autarquia profissional;
- inexistindo lei apta a definir os contornos jurídicos da profissão de síndico, a tentativa de “regulamentar uma profissão inexistente” por meio de um ato normativo infralegal, resta inepta e inconstitucional, na medida em que afronta gravemente o princípio da legalidade, como tal previsto no art. 5°, II da CF da República;
- a infausta resolução normativa atenta frontalmente contra o CC brasileiro que, ao prever a atividade de síndico em seu art. 1348, não prevê a figura de um dito SIC - “síndico profissional”, nem mesmo no citado “síndico proprietário ou morador” (SIC), limitando-se a criar a figura jurídica de um “síndico” – correta e exata expressão legal, de modo que qualquer distinção que se pretenda fazer se descortina, desde a sua gênese, inovadora, criativa, inexata e precária.
Não é de hoje que o CFA intenta a adentar a uma seara que evidentemente não lhe pertence. A tentativa de regulamentar as atividades de síndico perpetra-se de forma reiterada no tempo e encontra a sua origem na elaboração de um desditoso e errático parecer, aprovado durante a 8ª reunião plenária do CFA, segundo o qual “as atividades relacionadas à administração condominial se enquadram nas atribuições de um administrador” onde se vislumbrou identidade da atividade de síndico com o exercício das funções próprias da profissão de “técnico de administração”.
Aqui reside a nosso ver, mais um exemplo de incoerência, improcedência e fragilidade da inditosa resolução: diferentemente dos demais conselhos que possuem foco profissional específico (médicos, arquitetos, engenheiros, contadores, advogados) o administrador, dada sua amplitude conceitual, e consequencial nebulosa moldura, sob o viés mais expansivo, pode ser, desde o síndico (morador ou não), assim como qualquer empreendedor, tal e qual o proprietário de estabelecimento comercial, alcançando, quiçá, até mesmo uma “dona de casa”, afinal, todas essas pessoas citadas, administram recursos humanos, gerem ativos financeiros e respondem pelo destino de bens materiais e imateriais, sendo que não nos consta que o CFA intente disciplinar, ao menos por enquanto, a “profissão” das senhoras “administradoras do lar”.
Ademais, essa evidente “crise de identidade” do CFA tem feito com que a entidade, sob o pretexto legítimo de disciplinar o exercício profissional de profissões sob a sua égide, venha sofrendo derrotas sucessivas nos tribunais, como ocorreu na ingente tentativa de disciplinar os administradores de holdings ou os gestores portuários, todas rechaçadas de forma sistemática e contundente pelo Poder Judiciário.
Ademais, apresenta-se abusiva e ilegal a tentativa de penalizar pessoas e empresas que não se encontram sob o campo de incidência disciplinar da entidade.
Conselhos de classe como OAB, CFM, CREA e CAU, dentre outros, quando se deparam com pessoas ou empresas exercendo profissões sem a devida competência legal, podem no máximo apresentar “notitia criminis” em face de possível ilícito penal de “exercício ilegal da profissão”, mas seguem vedadas de aplicar penalidades a quem não se encontra sob o perímetro de seus próprios quadros.
Isso porque, segundo clássica lição de Direito Administrativo, o poder disciplinar das entidades autárquicas, profissionais ou não, se circunscreve ao âmbito interno dessas mesmas entidades, diversamente do poder de polícia, cujo espectro se manifesta na externalidade de seus atos sancionadores.
Como nos ensina Caio Tácito, “não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito”. Com propriedade, nesse mesmo diapasão, assim nos ensina, o emérito professor Celso Antônio Bandeira de Mello: “não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois estará se comportando fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em consequência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente.”.
Lembramos ainda que tentativas erráticas de “legislar” fora do âmbito de sua competência representa evidente mostra de abuso de poder, sob a forma de desvio de finalidade.