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Práticas sustentáveis em contratações públicas: impactos e oportunidades

A lei exige um planejamento rigoroso para as contratações e orienta a Administração Pública a considerar os impactos ambientais e a eficiência econômica no processo de licitação.

26/11/2024

A lei Federal 14.133/21, que institui a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, representa um significativo avanço das políticas públicas voltadas à sustentabilidade.

A lei de licitações elege o desenvolvimento sustentável como um dos princípios que regem as licitações públicas (art. 5º), o que implica a necessidade efetiva de serem considerados os critérios ambientais, sociais e econômicos no planejamento e na elaboração dos editais de contratações públicas.

Para tanto, a lei exige um planejamento rigoroso para as contratações, e orienta a Administração Pública a considerar os impactos ambientais e a eficiência econômica nas etapas iniciais do processo de licitação (art. 18).

Interessante a previsão expressa de que as especificações técnicas e os critérios de julgamento devem incluir exigências de desempenho ambiental, sempre que pertinente (art. 34, §1º). Assim, fica a Administração autorizada a exigir o alinhamento das suas contratações com os padrões sustentáveis, prestigiando o uso de materiais recicláveis ou biodegradáveis; a redução do consumo de energia e água e, até mesmo, o fornecimento de produtos com certificações ambientais.

No caso específico das contratações para fornecimento, as compras poderão levar em consideração o ciclo de vida do produto, permitindo que a Administração considere os impactos ambientais durante todo o período de uso e descarte do bem ou serviço (art. 6°, inciso XXIII, alínea “c” e 18, VIII).

Outra tendência introduzida pela nova lei reside no incentivo à pesquisa e à inovação tecnológica, incluindo aquelas voltadas à sustentabilidade, de modo a estimular o desenvolvimento de soluções ambientalmente responsáveis por empresas contratadas (art. 11, IV).

Com o mesmo objetivo, a lei possibilita a definição de lotes ou itens que estimulem práticas sustentáveis, como compras de itens específicos que atendam a critérios ambientais. Fica autorizada a preferência por materiais provenientes de fontes renováveis e/ou com insumos produzidos com baixa emissão de carbono, por exemplo (art. 20).

A lei, por outro lado, traz claramente a preocupação em estimular a participação de pequenas empresas e empreendimentos locais, que podem ser orientados para práticas sustentáveis, favorecendo o desenvolvimento socioeconômico e ambiental regional.

A inclusão de diretrizes específicas visando fomentar a economia circular e a reutilização de materiais pode ser destacada como um ponto implícito que a lei permite explorar, alinhando-se a práticas sustentáveis mais amplas.

Em outra ponta, a lei exige maior fiscalização e monitoramento das contratações, incluindo aspectos relacionados ao cumprimento de exigências ambientais, de modo a assegurar que fornecedores estejam alinhados aos compromissos de sustentabilidade.

Importante destacar como ponto positivo, a modernização dos processos licitatórios. A digitalização e a simplificação dos procedimentos tornam os processos mais ágeis, proporcionando uma maior participação de empresas em um ambiente competitivo mais acessível e justo.

Outro aspecto que merece destaque diz respeito aos incentivos fiscais que podem auxiliar as empresas na implementação das práticas sustentáveis e reduzir custos.

A criação de mecanismos de finanças sustentáveis, como os Títulos Verdes (“Green Bonds”) e os Fundos de Investimento Sustentáveis, favorece empresas que investem em práticas ambientais, pois aprimoram a sua capacidade de inovação e alinhamento às exigências ambientais.

Como se vê, a integração de práticas sustentáveis no contexto das licitações públicas traz uma série de impactos positivos para as empresas. E um dos principais benefícios é o aumento da competitividade, uma vez que os players alinhados às exigências ambientais se beneficiam de certas vantagens nos processos licitatórios, especialmente com as margens de preferência estabelecidas pela mais recente legislação.

Outro ponto a ser considerado é o fortalecimento da imagem corporativa. Empresas que adotam práticas sustentáveis e participam de contratações públicas com critérios ambientais demonstram comprometimento com a responsabilidade social, o que pode atrair novas parcerias e oportunidades tanto no setor público, como no privado.

Para maximizar os benefícios e se destacar em licitações públicas, é essencial que as empresas adotem um conjunto de boas práticas. O primeiro passo é compreender profundamente as exigências da Lei nº 14.133/2021 relacionadas à sustentabilidade, acompanhar as correspondentes regulamentações e a jurisprudência, que possam impactar os processos licitatórios.

Internamente, a adoção de práticas sustentáveis, como gestão eficiente de resíduos, utilização de materiais recicláveis e implementação de medidas de eficiência energética, não só garante a redução dos custos, como, ainda, se torna um diferencial competitivo. Investir em certificações ambientais, como a ISO 14001, pode agregar valor às propostas e aumentar as chances de sucesso em licitações.

As empresas devem estar atentas às oportunidades de incentivos fiscais e linhas de crédito voltadas para projetos sustentáveis, que poderão minimizar os custos de adaptação e fortalecer a viabilidade financeira das iniciativas. Além disso, estabelecer parcerias com fornecedores e parceiros que compartilhem os mesmos princípios reforça a cadeia produtiva e amplia as capacidades competitivas.

Nossa visão diante dos novos desafios:

Apesar dos inúmeros avanços, nem tudo são flores. Existe uma enorme distância entre a previsão legal e a sua efetiva aplicação no cotidiano das contratações públicas. Há que se reconhecer que a aplicação prática desses dispositivos voltados à sustentabilidade enfrenta e, por algum tempo enfrentará, desafios significativos.

Um dos principais obstáculos a serem superados é a complexidade na sua implementação. As empresas precisarão adaptar seus processos internos para atender às exigências específicas dos editais, o que pode demandar reestruturações organizacionais e investimentos em capacitação de equipes. Alie-se, ademais, o custo inicial associado à adoção de práticas sustentáveis.

Contudo, todas essas medidas e práticas sustentáveis, preconizadas pela lei, embora, de início, possam ser percebidos como uma barreira, a médio e longo prazos, resultarão em economias operacionais, além de fortalecerem a competitividade das empresas no mercado.

Adotar boas práticas sustentáveis, alinhar-se às novas exigências e aproveitar os avanços regulatórios são passos essenciais para empresas que desejam não apenas se destacar, mas também contribuir para um futuro mais sustentável e inovador.

Com planejamento criterioso de suas ações aliado a uma estratégia de atuação bem estruturada, poderão transformar os desafios iniciais em vantagens competitivas, consolidando sua posição como importante player perante a Administração Pública e, ainda, fortalecendo a sua relevância no mercado.

Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo
Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Salamanca, Espanha e em Direito Público pela PUC-SP.

Cláudia Klocke Ghini Jorge Okumura
Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade Damásio de Jesus.

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