No dia 20 de junho, o STJ realizou o julgamento do REs 2.093.778/PR, que discutia a validade do transporte de fretamento colaborativo no Paraná em relação aos modelos tradicionais de transporte interestadual e intermunicipal. O STJ decidiu que o modelo de fretamento colaborativo geraria concorrência desleal, proibindo a Buser de operar no Paraná. Essa decisão levanta reflexões sobre o fretamento colaborativo, monopólio de mercado e a necessidade de evolução do Direito para acompanhar as mudanças sociais.
Historicamente, conquistas de direitos sociais — como o direito ao voto feminino, alcançado apenas em 1932, e a liberação do futebol feminino, até então proibido por décadas, somente em 1983 — mostram que as leis precisam se adaptar às mudanças sociais. Até 1985, o analfabetismo também era um fator de exclusão eleitoral, uma restrição que só foi removida com a EC 25, de 1985. Esses exemplos refletem como a evolução social se torna essencial para transformar o que antes eram restrições em direitos legítimos.
O fretamento colaborativo é uma nova modalidade que surgiu com o avanço tecnológico, permitindo que uma plataforma conecte pessoas que desejam viajar a empresas que possam realizar o transporte para o destino escolhido. Nesse modelo, o grupo fecha a viagem, os preços são rateados entre os usuários e o transporte é realizado. Esse sistema oferece viagens mais econômicas que o transporte tradicional, ampliando o acesso da população, especialmente das camadas mais pobres, ao transporte intermunicipal e interestadual.
Pesquisas apoiam os benefícios desse modelo. Um estudo da Quaest revelou que 49% dos entrevistados haviam viajado no semestre anterior, com a renda como fator determinante para a frequência das viagens. Entre os que recebiam até dois salários mínimos, apenas 17% haviam realizado seis viagens no semestre, enquanto esse número subia para 32% entre os que ganhavam até cinco salários mínimos. Em pesquisa interna, a Buser também constatou que 43% de seus usuários têm renda de até três salários mínimos, evidenciando que a plataforma é usada majoritariamente pelas classes menos abastadas, onde o preço é um fator decisivo para a realização das viagens.
Além das viagens a lazer, o fretamento colaborativo possibilita deslocamentos por motivos de saúde, facilitando que pessoas de baixa renda viajem para tratamentos ou acompanhem familiares. Exemplos incluem deslocamentos para cidades com hospitais especializados, como o hospital do câncer em Barretos e o hospital do amor no Mato Grosso do Sul, que oferecem tratamento oncológico. Em outubro de 2022, a Buser firmou uma parceria com o hospital do amor, garantindo viagens gratuitas para pacientes e acompanhantes realizarem exames preventivos ou tratamentos, um benefício social significativo para pessoas em tratamento médico.
A decisão do STJ, ao proibir o fretamento colaborativo no Paraná, bloqueia não só o avanço natural do Direito, que deve acompanhar as transformações sociais, mas também restringe o acesso das camadas mais pobres a um serviço de transporte acessível e necessário. Vale ressaltar que o Tribunal da Cidadania, nesse caso, posicionou-se contrariamente aos anseios e às necessidades dos cidadãos.
Do ponto de vista legal, a proibição imposta pelo STJ não encontra respaldo em nenhuma norma específica de Direito Público ou Administrativo. De acordo com o princípio da legalidade, que rege a administração pública, tanto o Estado quanto o Judiciário não podem proibir práticas que não sejam expressamente ilegais. Assim, ao vedar a operação da Buser sem haver uma lei que proíba o fretamento colaborativo, o STJ age de forma contrária ao que prevê esse princípio básico. Em 2019, a lei da liberdade econômica reafirmou o direito das empresas e dos indivíduos de desenvolverem novos produtos e serviços, especialmente quando normas existentes se tornem obsoletas frente ao desenvolvimento tecnológico. Esse marco legal garante o direito de inovar em situações onde a regulamentação se mostra insuficiente ou inadequada às novas tecnologias e demandas.
Dessa forma, a operação da Buser se alinha à lei da liberdade econômica, uma vez que não há proibição legal do fretamento colaborativo, nem regulamentação específica para esse tipo de transporte. Em respeito ao princípio da legalidade, o Judiciário e o Estado não deveriam impedir empresas de operar, e as plataformas de fretamento colaborativo deveriam ter o direito de funcionar conforme o art. 3º, inciso VI da lei da liberdade econômica. A alegação de que o modelo operacional da Buser favorece uma concorrência desleal também merece uma análise cuidadosa, uma vez que a decisão do STJ cria uma reserva de mercado para poucas empresas.
De acordo com dados da ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres, das 4 mil linhas no sistema de transporte regular rodoviário coletivo Interestadual, 12% das empresas operam mais de 50 linhas cada. Isso revela uma concentração significativa de mercado e reduz a concorrência, resultando em tarifas mais altas e serviços limitados. Atualmente, dos 5.568 municípios brasileiros, apenas 2.065 são atendidos pelo transporte rodoviário interestadual, o que deixa mais da metade dos municípios sem acesso regular. A proibição de novas empresas no setor de fretamento colaborativo restringe a entrada de alternativas que poderiam melhorar o atendimento a essas regiões e beneficiar os consumidores com mais opções e preços competitivos.
Por outro lado, o TRF-3 adotou uma abordagem diferente. Em recente julgamento, o TRF3 reconheceu a legalidade do modelo de fretamento colaborativo e considerou a regra do “circuito fechado” como ilegal. O "circuito fechado" obriga que o mesmo grupo de pessoas viaje em ida e volta, limitando a flexibilidade do transporte. Segundo o TRF3, essa exigência não possui fundamentação legal ou técnica e ultrapassa as competências regulatórias da ANTT. Em seu voto, o desembargador responsável destacou que normas infralegais, como o circuito fechado, precisam ser compatibilizadas com os direitos constitucionais. Ele acrescentou que inovações tecnológicas no transporte de passageiros não podem ser barradas por interesses econômicos de agentes estabelecidos no setor.
A decisão do TRF-3 exemplifica como o Judiciário pode atuar na preservação dos direitos constitucionais à liberdade econômica e à inovação. Ainda que não definitiva, essa posição do TRF-3 representa um avanço no entendimento do Direito para atender às transformações sociais e econômicas. A proteção ao fretamento colaborativo, como demonstrado, beneficia especialmente as populações de baixa renda e amplia o acesso ao transporte para necessidades vitais, como saúde e deslocamento a trabalho.