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Falta grave na exclusão de sócios de sociedade limitada na jurisprudência do TJ/SP

Análise do TJ/SP destaca exclusão de sócio por falta grave com ênfase em prova robusta, focando conflitos de interesses e prejuízo à sociedade.

20/11/2024

1. Introdução: Escopo e metodologia

Este trabalho traz levantamento de julgados do TJ/SP sobre falta grave para exclusão de sócios de sociedade limitada. Por se tratar de análise assentada exclusivamente sobre posicionamento jurisprudencial, não houve revisão de referências doutrinárias.

A norma-base do estudo é o art. 1.030 do CC:

Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.

A pesquisa utilizou o seguinte argumento no campo “ementa” do site do TJ/SP: limitada “falta grave” exclusão sócio. O levantamento foi concluído no dia 30 de outubro de 2024 com 98 acórdãos (“base amostral”), dos quais 22 não tratam diretamente de falta grave, enquanto 76 abordam o tema de alguma forma, compondo, então, 77,5% da base amostral (“amostra geral”).

O STJ tem acórdão recente sobre o tema destacando que falta grave é conceito jurídico indeterminado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE LIMITADA. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. POLO ATIVO. SOCIEDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. AFFECTIO SOCIETATIS. QUEBRA. INSUFICIÊNCIA. EXCLUSÃO. SÓCIO. DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS.

PREVISÃO. CONTRATO SOCIAL. LEI. VIOLAÇÃO. FALTA GRAVE. CONFIGURAÇÃO. EXCLUSÃO DE SÓCIO. CABIMENTO. INTERVENÇÃO MÍNIMA. PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA SUPLETIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIÊNCIA. RAZÕES DISSOCIADAS. SÚMULA 284/STF. INCIDÊNCIA.

[...]

2.   A quebra da “affectio societatis” não constitui causa eficiente ao rompimento do vínculo societário, sendo necessária a demonstração da prática de falta grave para a exclusão de sócio. Precedentes.

3.   A noção de falta grave, embora consista em conceito jurídico indeterminado, está configurada na conduta de sócio que viola a integridade patrimonial da sociedade, concretizando descumprimento dos deveres de sócio, em evidente violação do contrato social e da lei.

4.  A retirada de valores do caixa da sociedade, em contrariedade ao deliberado em reunião de sócios, configura falta grave, apta a justificar a exclusão de sócio.

5.    A intervenção mínima do Poder Judiciário em disputas societárias significa o reconhecimento de que a regulação da matéria societária se dá a partir do princípio da supletividade, tal como disposto no art. 3º, VIII, da Lei 13.874/2019 - lei da liberdade econômica.

Da análise da natureza cogente ou dispositiva das regras societárias de regência e dos interesses tutelados deverá o julgador extrair a possibilidade de as partes estabelecerem em comum acordo como se dará a administração e a execução do objeto social, o que não autorizava, em qualquer hipótese, a conduta dos recorrentes.

6.   A exposição de razões dissociadas do que foi decidido no acórdão recorrido revela deficiência na fundamentação do recurso e impede a exata compreensão da controvérsia a ser dirimida. Incidência, por analogia, da súmula 284/STF.

7.  Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.

(REsp n. 2.142.834/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 11/06/24, DJe de 18/06/24.)

O julgado destaca na noção de falta grave “conduta do sócio que viola a integridade patrimonial da sociedade” e “descumprimento dos deveres de sócio”, deixando claro que a simples quebra da affectio societatis não justifica o rompimento do vínculo societário. Tais elementos representam filtro de relevância temática para organização dos acórdãos levantados nesta pesquisa, que foram agrupados da seguinte forma, somando 65 casos (“amostra específica”):

  1. APROPRIAÇÃO DE RECURSOS DA SOCIEDADE: 8 casos
  2. QUEBRA DO DEVER DE LEALDADE: 26 casos
  3. QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS: 6 casos
  4. FALTA DE PROVAS DE FALTA GRAVE: 25 caso

No grupo I, além da subtração direta de valores da sociedade, há julgados reconhecendo como falta grave o pagamento de despesas pessoais dos sócios com recursos dela. Os 8 casos do grupo I foram qualificados como falta grave do sócio.

No grupo II, a quebra do dever de lealdade contempla (i) casos de conflito de interesses em geral com a sociedade, como aumento de remuneração dos sócios em momentos de crise da empresa e empréstimo de sócio à sociedade com juros usurários (9 casos), (ii) concorrência com a sociedade (7 casos), (iii) abandono da sociedade (6 casos),

(iv) recusa em ratear despesas com os demais sócios (2 casos) e (v) atos de gestão em violação à lei (2 casos), como venda sem emissão de nota fiscal e não pagamento de verbas rescisórias dos empregados.

Nesse grupo II, os 9 casos de conflito de interesse foram considerados falta grave, assim como os 7 casos de concorrência desleal e os 2 casos de recusa em ratear despesas. Porém, dos julgados envolvendo abandono da sociedade, 3 reconheceram o fato como falta grave e 3 como não, e dos julgados envolvendo atos de gestão contra legem, 1 entendeu que se tratava de falta grave (venda sem nota fiscal) e 1 que não (não pagamento de verbas rescisórias). Portanto, no grupo II, em 22 casos decidiu-se pela falta grave a justificar a exclusão de sócio, enquanto em 4 entendeu-se pela ausência dessa falta.

No grupo III, a quebra de affectio societatis traz casos de desentendimentos sobre o curso dos negócios e de agressões verbais. Os 6 julgados decidiram pela inexistência de falta grave.

No grupo IV, a ausência de provas sobre falta grave tem diversos enfoques que vão desde ausência de evidência documental, contradição de testemunhos até juízo de valor das provas apresentadas pelas partes, mas consideradas insuficientes pelos julgadores. Os 25 casos resultaram, naturalmente, no não reconhecimento da falta grave.

2. Análise 

Os dados indicam que, em linha com o STJ, para o TJ/SP a mera quebra da affectio societatis não justifica a exclusão de sócio e a falta grave deve ser demonstrada com prova robusta, não bastando simples alegação. Ponto importante do ônus da prova é revelar que a conduta do sócio trouxe algum prejuízo para a sociedade, não se limitando a questões exclusivamente inter socios.

Em números, dos 65 casos da amostra específica, 29 casos, ou aproximadamente 45%, foram contrários à exclusão do sócio, seja em razão do mérito em que se fundou a pretensão, seja por ausência de prova robusta, no entendimento dos julgadores.

Como o percentual é próximo de 50%, não é possível identificar uma clara tendência do tribunal no tratamento do tema. Porém, do ponto de vista do ônus da prova, os acórdãos apresentam diretrizes para as partes.

3. Discussão

Os debates sobre ônus da prova estão concentrados no grupo IV, que é o mais significativo da amostra específica porque (i) contempla 38% dela, e (ii) é homogêneo, ou seja, tem todos os casos decididos no mesmo sentido (não exclusão do sócio). Pode- se notar que os julgadores demandaram provas específicas sobre as alegações de falta grave, como revelam trechos dos acórdãos a seguir:

Todavia, diante do quadro probatório debuxado aos autos, com exordial de apenas 10 laudas desacompanhada de quaisquer documentos, que pudessem sustentar minimamente a tese de que a sócia não coopera com as atividades da sociedade, é possível concluir tão somente pela ocorrência de corriqueiros desentendimentos em relação à atividade empresarial, notadamente sobre o pedido de recuperação judicial, comuns e aceitáveis entre sócios (TJ/SP; Apelação Cível 1043954-12.2019.8.26.0100; Relator: Pereira Calças; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível

- 1ª vara EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento:

04/12/2020; Data de Registro: 04/12/20).

Assim, a gestão temerária não restou comprovada, ausente demonstração efetiva no sentido de que houve o alegado desvio de recursos em proveito próprio da apelada e de terceiro, com prejuízo à sobrevivência da empresa, bem como o apontado descumprimento das obrigações contraídas e decorrentes de imposição tributária. (TJ/SP; Apelação Cível 1009424-55.2017.8.26.0066; Relator: Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Barretos - 3ª vara Cível; Data do Julgamento: 31/07/19; Data de Registro: 31/07/19)

In casu, os documentos e demais provas produzidas pela autora (em particular a fls. 67/180) não são suficientes para comprovar a ocorrência de fraude e nem das várias condutas imputadas ao réu. Igualmente desabonando a pretensão da recorrente, há vários depoimentos das testemunhas contrariando suas alegações. (fls. 641/642 e 662) (TJ- SP; Apelação Cível 0006219-96.2012.8.26.0361; relator: Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Mogi das Cruzes - 2ª vara Cível; Data do Julgamento: 17/05/17; Data de Registro: 18/05/17)

A movimentação bancária indicada a fs. 35/52 não demonstra, por si só, a prática de qualquer irregularidade pelo apelado, sobretudo porque o contrato social previa que a sociedade seria administrada e gerida pelos sócios em conjunto ou isoladamente (cláusula 8ª - fs. 30), ressalvando expressamente a possibilidade de abrir, movimentar e encerrar contas bancárias (cláusula 9ª - fs. 30). A documentação de fs. 53/258, por sua vez, apenas evidencia a existência de dívidas trabalhistas e fiscais em nome da sociedade, não havendo elementos suficientes para reconhecer a responsabilidade exclusiva do apelado pela propositura de tais demandas. (TJ/SP; Apelação Cível 1002883-69.2015.8.26.0100; relator: Hamid Bdine; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial;

Foro Central Cível - 16ª vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/16; Data de Registro: 29/09/16)

Os julgados abaixo orientam a produção probatória no sentido de se demonstrar que a falta grave trouxe prejuízo para a sociedade, não se restringindo a temas do convívio dos sócios:

De todo o modo, o fato é que não houve demonstração de que a ausência temporária de administradores indicados pela sócia minoritária acarretou qualquer prejuízo à administração da sociedade Diamond Mountain Participações Ltda. As apelantes se limitaram a afirmar genericamente que tal circunstância, por si só, estaria inviabilizando o desenvolvimento das atividades da empresa. Contudo, não mencionaram nenhum ato jurídico concreto que necessitasse, com urgência, da assinatura de um dos administradores da apelada. (TJ/SP; Apelação Cível 1002030-94.2014.8.26.0100; relator: Hamid Bdine; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 23ª vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/17; Data de Registro: 30/03/17).

O boletim de ocorrência de fls. 94/98 e as fotografias juntadas a fls. 100/107 e 194 não são suficientes para que se concluir que a presença da agravante é nociva para as atividades da empresa. Também não impressionam as cinco escrituras públicas de declaração que os agravados apresentaram às vésperas do julgamento do recurso (fls. 211/216). Embora os declarantes informem atos graves que teriam sido praticados pela agravante, as declarações não foram prestadas em juízo e sob o crivo do contraditório, de sorte que não têm força probante suficiente para que seja mantido o afastamento da recorrente da administração da empresa (TJ/SP; Agravo de Instrumento 2040543- 60.2013.8.26.0000; Relator: Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Teodoro Sampaio - vara Única; Data do Julgamento: 20/03/14; Data de Registro: 28/03/14).

4. Conclusão

Em conclusão, do ponto de vista quantitativo, pode-se dizer que o TJ/SP decide pela exclusão de sócio por falta grave em pouco mais da metade dos casos (55%) e que os temas mais sensíveis para esse entendimento estão abrangidos no conceito amplo de quebra do dever de lealdade a ensejar conflito de interesses com a sociedade.

Ademais, a prova da falta grave deve ser específica, ou seja, (i) relevar uma conduta determinada do sócio (não bastando alegações genéricas), além de (ii) evidenciar um determinado prejuízo à sociedade.

Kleber Luiz Zanchim
Graduado e Doutor pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Professor do Insper. Sócio de SABZ Advogados.

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