A lavagem de dinheiro é um dos crimes mais complexos e de difícil detecção, sendo uma ameaça significativa para a integridade do sistema financeiro e econômico global. A fim de combater essa prática ilícita, diversos países programaram políticas de prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro que envolve tanto o setor público quanto o setor privado. No Brasil, o COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras é a principal entidade responsável pela supervisão e pelo monitoramento de atividades financeiras suspeitas, exigindo que determinados setores econômicos informem ao órgão transações que possam sugerir práticas de lavagem de capitais.
1. O dever de informação ao COAF no contexto da lei de lavagem de dinheiro
A lei 9.613/98, alterada pela lei 12.683/12, estabeleceu o COAF como órgão responsável por receber, examinar e identificar atividades suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamentos ao terrorismo. O COAF atua de forma articulada com diversos setores econômicos que, por sua natureza, podem estar expostos ao uso indevido por organizações criminosas, tais como instituições financeiras, imobiliárias, joalherias, corretoras de valores e advogados em transações específicas.
O dever de informação consiste na obrigação de notificar operações que apresentem indícios de ilicitude ao COAF, sendo essa obrigação uma medida de proteção que visa prevenir e combater o crime de lavagem de dinheiro. Esse dever de comunicação se configura de maneira proativa, ou seja, as instituições obrigadas devem informar quaisquer movimentações suspeitas, mesmo sem uma condenação ou investigação formal em andamento.
2. A importância do dever de informação e o princípio da cooperação
No contexto das políticas globais de combate ao crime organizado, o dever de informar ao COAF está alicerçado no princípio da cooperação internacional. Autores como Boaventura de Souza Santos (português) e Jorge Witker Velásquez (Chile) destacam que o combate à lavagem de dinheiro transcende as fronteiras nacionais, exigindo uma atuação conjunta entre Estados, especialmente em função da integração financeira global e da mobilidade de capitais.
O dever de informar ao COAF cria um canal de cooperação eficaz entre o setor privado e o Estado, estabelecendo uma responsabilidade compartilhada que facilita a detecção precoce de práticas ilícitas. Conforme argumenta Manuel Ballbé Mallol (Espanha), o papel do setor privado é essencial no combate à lavagem de dinheiro, uma vez que bancos e demais agentes econômicos têm acesso privilegiado a transações financeiras e podem identificar comportamentos atípicos que mereçam investigação.
Através das informações recebidas, o COAF pode identificar supostas irregularidades visando ocultar, ou dissimular a origem criminosa de recursos financeiros. Com base nessas informações, seria possível aprofundar as investigações pelo Órgão Federal, comunicar outros órgãos da Administração para que sejam instaurados procedimentos administrativos de fiscalização e controle, bem como aperfeiçoar os mecanismos de cooperação e troca de informações para um combate à lavagem de capitais mais eficiente.
O dever de informação ao COAF enfrenta algumas críticas e desafios, especialmente no que diz respeito ao equilíbrio entre a proteção contra crimes financeiros e a garantia dos direitos fundamentais dos clientes. O compartilhamento de informações financeiras com o Estado levanta questões quanto à proteção da privacidade e da presunção de inocência, especialmente quando ocorre sem o consentimento ou ciência do investigado.
No Brasil, estudiosos como Luiz Flávio Gomes e Heleno Cláudio Fragoso argumentam que o dever de informação deve ser aplicado com rigor, mas dentro dos limites constitucionais. Além disso, López-Muñiz Goñi (Espanha) alerta que a legislação deve evitar a generalização de suspeitas, para que o dever de informação não se torne um mecanismo de vigilância excessiva que comprometa a confidencialidade e confiança dos cidadãos no sistema financeiro.
3. O papel do COAF como inteligência financeira
O COAF, além de receber as informações, é responsável por realizar uma análise de inteligência financeira e identificar padrões de comportamento suspeitos que possam indicar práticas de lavagem de dinheiro. Autores como Roberto Mangabeira Unger e Gérard Rameix (França) destacam a importância de sistemas de inteligência financeira, que empregam ferramentas tecnológicas e cruzamento de dados para detectar fluxos atípicos de capital.
Ao fazer uso de sistemas de inteligência, o COAF contribui para uma atuação preventiva, ao invés de apenas reativa. Essa abordagem é vista como mais eficaz, pois permite identificar redes criminosas em estágio inicial. O relatório gerado pelo COAF pode ser compartilhado com outras autoridades, incluindo o Ministério Público e a Polícia Federal, facilitando a investigação e a aplicação da lei.
Diversos países programaram políticas semelhantes de comunicação obrigatória. Na União Europeia, o FATF - Financial Action Task Force estabelece diretrizes de compliance para países-membros, que são aplicadas na Espanha e em outros países da UE. Na América Latina, países como Argentina e México adotaram sistemas similares, com a UIF - Unidade de Inteligência Financeira, que funciona de forma equivalente ao COAF.
As experiências internacionais mostram que o sucesso da política de prevenção ao crime de lavagem de dinheiro depende da eficácia do sistema de monitoramento e da cooperação internacional. Daniel S. Marcello (Argentina), por exemplo, defende a criação de um sistema de troca de informações entre países latino-americanos para fortalecer o combate ao crime organizado na região.
O dever de informação ao COAF é um pilar fundamental para a política de prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro no Brasil, representando um canal de colaboração entre o setor privado e o Estado. Apesar dos desafios e das críticas relacionadas à privacidade e aos direitos dos investigados, o dever de informar é uma medida que busca impedir a infiltração de capitais ilícitos no sistema econômico e proteger a ordem financeira nacional.
O sucesso desta política depende da continuidade dos esforços de fiscalização e análise de inteligência por parte do COAF e da adoção de práticas de compliance pelas empresas, além do constante aprimoramento da legislação, alinhando-se aos padrões internacionais de combate ao crime financeiro. A cooperação internacional, como observada na União Europeia e em países da América Latina, oferece exemplos valiosos que podem ser adaptados e aplicados ao contexto brasileiro.
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1 Santos, B. de S. (2005). Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez Editora.
2 Velásquez, J. W. (2011). Crimen organizado y lavado de activos en América Latina. México DF: Editorial Porrúa.
3 Mallol, M. B. (2013). El control de las actividades financieras y el blanqueo de capitales en España. Madrid: Aranzadi.
4 Gomes, L. F., & Fragoso, H. C. (2012). Lavagem de Dinheiro e Dever de Informação. Revista Brasileira de Direito Penal.
5 López-Muñiz Goñi, R. (2010). La protección de datos y el deber de informar en el marco de la lucha contra el lavado de dinero. Barcelona: Tirant lo Blanch.
6 Unger, R. M. (2014). O futuro do direito. São Paulo: Saraiva.
7 Rameix, G. (2008). Lutte contre le blanchiment de capitaux: Un défi pour la gouvernance financière. Paris: Dalloz.
8 Marcello, D. S. (2009). Cooperación internacional y combate al lavado de activos en América Latina. Buenos Aires: Ad-Hoc.