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Riscos climáticos no setor de energia: Estratégicas contratuais para eventos extremos

A crise hídrica no Brasil evidencia a importância das cláusulas de força maior nos contratos de energia. Adaptações são essenciais para garantir segurança.

6/11/2024

Era uma tarde abafada no interior do Brasil quando o gerente de uma usina hidrelétrica recebeu uma ligação alarmante. A região enfrentava uma seca severa, e os reservatórios estavam em níveis críticos, comprometendo a capacidade da empresa de cumprir contratos de fornecimento de energia, com penalidades e multas acumulando-se rapidamente.

Diante dessa crise, o gerente se perguntava: as cláusulas de força maior cobririam essa situação? Como renegociar os prazos de fornecimento de energia em meio a um evento tão imprevisível?

Esse exemplo fictício ilustra a realidade enfrentada por empresas do setor energético no Brasil, especialmente aquelas ligadas à geração hidrelétrica, solar e eólica. A matriz energética brasileira, amplamente baseada em fontes renováveis, torna o setor vulnerável a variações climáticas extremas, como secas prolongadas, inundações e queimadas. Esses eventos podem comprometer a execução de contratos de fornecimento de energia, construção e operação de usinas e parques energéticos, além de outros acordos comerciais relacionados.

Diante desse cenário, é fundamental que as empresas de energia revisem e adaptem seus contratos, considerando esses riscos climáticos. Muitas estão ajustando suas práticas de contratação para incluir cláusulas que proporcionem maior flexibilidade e proteção contra eventos climáticos adversos.

Cláusulas de força maior

As cláusulas de força maior desempenham um papel crucial na mitigação de riscos contratuais em tempos de mudanças climáticas, ao isentar, temporária ou permanentemente, as partes de suas obrigações contratuais quando eventos extraordinários, alheios ao seu controle, tornam o cumprimento do contrato impossível.

Dada a crescente frequência de eventos climáticos extremos, é crucial que as empresas do setor de energia revisem suas cláusulas de força maior, incluindo explicitamente fenômenos climáticos como eventos qualificáveis. No Brasil, onde secas e enchentes são recorrentes em determinadas regiões, essa questão se torna ainda mais delicada. Tais eventos podem ser considerados pelos tribunais como parte do risco inerente à atividade, o que torna fundamental a definição de critérios claros e objetivos no contrato, a fim de evitar disputas judiciais.

Ao redigir essas cláusulas, recomenda-se a inclusão de critérios mensuráveis para oferecer maior segurança jurídica. Algumas sugestões incluem:

Além de definir os eventos, o contrato deve estabelecer um procedimento claro para a invocação da cláusula de força maior, incluindo prazos para notificação, documentação comprobatória e a adoção de medidas de mitigação.

A cláusula de força maior em contratos longos deve, idealmente, prever uma revisão periódica dos parâmetros e métricas utilizados, a fim de acompanhar a evolução dos impactos climáticos e garantir que o contrato continue adequado ao cenário ambiental e tecnológico.

Rescisão contratual

É fundamental diferenciar a aplicação da cláusula de força maior da rescisão contratual, compreendendo como ambas podem atuar separadamente ou em conjunto para proteger as partes de impactos econômicos e operacionais.

A cláusula de força maior tem como objetivo suspender temporariamente as obrigações contratuais enquanto o evento persiste, com a expectativa de retomada após a resolução do problema. Contudo, em situações em que o evento se prolonga ou torna a execução do contrato permanentemente inviável, a cláusula pode justificar a rescisão definitiva.

Além disso, as partes podem decidir pela rescisão contratual mesmo que um evento climático não torne o cumprimento do contrato impossível, mas sim economicamente desvantajoso. Isso ocorre quando tais eventos alteram significativamente o equilíbrio econômico do contrato. Por exemplo, em um contrato de fornecimento de energia, o fornecedor pode enfrentar custos operacionais insustentáveis devido à necessidade de investimentos em reparos ou novas tecnologias, enquanto o comprador pode não estar disposto a pagar valores superiores aos acordados para a retomada do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Nesses casos, as partes podem optar por uma rescisão consensual, reconhecendo que, embora o contrato ainda seja tecnicamente viável, ele não é mais financeiramente vantajoso às partes.

Para garantir que essas alternativas de rescisão sejam claras e seguras, é fundamental incluir critérios objetivos tanto para a suspensão quanto para a rescisão definitiva em situações de força maior.

Alocação de riscos

Um dos maiores desafios diante das mudanças climáticas é a adequada alocação de riscos entre as partes. Tradicionalmente, os contratos atribuem certos riscos à parte que tem maior controle sobre as operações. Contudo, diante das incertezas climáticas, é recomendável revisitar essa alocação tradicional.

Um modelo que distribua equitativamente os riscos pode incluir seguros que cubram os prejuízos decorrentes de desastres naturais, compartilhamento dos custos adicionais para adaptação às novas condições, ou até mesmo a criação de fundos de contingência entre as partes contratantes para lidar com os imprevistos climáticos.

É crucial que as empresas discutam abertamente os riscos climáticos e negociem soluções que atendam ambas as partes, garantindo que o contrato seja suficientemente flexível.

Conclusão

A adaptação dos contratos no setor de energia às mudanças climáticas é uma necessidade estratégica. Uma abordagem preventiva pode ser a chave para o sucesso em tempos de incerteza.

Adaptar os contratos para enfrentar crises climáticas permitirá que as empresas mitiguem os impactos e garantam a continuidade das operações, mesmo diante dos desafios ambientais que se aproximam.

Luiza Gouveia Marques Dias
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 2021 Advogada - Chenut

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