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Não configura improbidade ato com base em divergência interpretativa de lei

O ato praticado com base na divergência interpretativa da lei, fundamentado em jurisprudência, ainda que não pacífica, não caracteriza ato de improbidade administrativa.

5/11/2024

O presente trabalho busca fazer uma análise do § 8º, do art. 1º, incluído na lei de Improbidade Administrativa, por intermédio da lei 14.230/21, bem como a decisão do STF, na medida cautelar, da ação direta de inconstitucionalidade 7.236, que dentre outras normas, deferiu parcialmente a medida cautelar, ad referendum do Plenário para suspender tal dispositivo.

Foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, pela CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, tendo por objeto o art. 2º da lei 14.230/21, na parte em que alterou diversos dispositivos da lei 8.429/92, dentre eles o § 8º, do art. 1º, que prevê o seguinte:

Art. 1º (…)

§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.

Com efeito, a norma estabelece que não caracteriza improbidade ação ou omissão praticada baseado em jurisprudência, ou seja, caso o ato praticado esteja fundamentado em decisão judicial.

A decisão proferida monocraticamente, em sede de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, foi deferida parcialmente, ad referendum do plenário do STF, com fundamento no art. 10, § 3º, da lei 9.868/99, e no art. 21, inciso V, do RISTF, para suspender a eficácia, dentre outros, o § 8º, do art. 1º, da lei 8.429/92, incluído pela lei 14.230/21.

 O ministro Alexandre de Moraes, apresentou as seguintes razões para suspender a eficácia do § 8º, do art. 1º, da LIA:

(II) art. 1º, § 8º da lei 8.429/1992, incluído pela lei 14.230/21 – LIMINAR CONCEDIDA.

Em relação ao § 8º do art. 1º, introduzido na LIA pela lei 14.230/21, anoto que referido dispositivo afasta a possibilidade de caracterização de improbidade na hipótese de “divergência interpretativa da lei”, quando a conduta questionada houver sido fundada em entendimento jurisprudencial controvertido nos Tribunais pátrios. Essa excludente incidiria mesmo que esse entendimento “não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário”.

O Requerente impugna essa previsão como atentatória ao princípio da segurança jurídica, além de fragilizar a efetividade da tutela da probidade administrativa, em vista da possibilidade de que decisões judiciais pontuais e isoladas sirvam de amparo para a prática de condutas dolosas contrárias ao interesse público.

De fato, embora o propósito do legislador tenha sido proteger a boa-fé do gestor público que confia e adota orientações exaradas pelo Poder Judiciário a respeito da aplicação da lei, preservando-o de eventuais oscilações jurisprudenciais, deve ser reconhecido que o critério estabelecido no art. 1º, § 8º, da LIA, é excessivamente amplo e resulta em insegurança jurídica apta a esvaziar a efetividade da ação de improbidade administrativa.

Levando em consideração a pluralidade de órgãos jurisdicionais com competência para apreciar a aplicação da legislação administrativa, além da complexidade e multiplicidade dessa modalidade de contencioso, impõe-se admitir a existência de grande quantidade de pronunciamentos judiciais que, sem desabono de sua autoridade, não servem como sinalização do entendimento do Poder Judiciário, seja por provirem de órgãos singulares, ou serem editados em momento ainda incipiente do debate sobre a matéria, ou mesmo por se relacionarem a circunstâncias concretas que não permitem a generalização de suas premissas para outras situações.

A excludente imaginada pelo legislador depende um critério seletivo em relação a quais precedentes judiciais permitiriam ao gestor público a sua adoção em situações concretas. Do contrário, a inovação legislativa em foco, ao invés de proteger o administrador que age de boa-fé, estaria fornecendo ao gestor ímprobo a ocasião de encontrar pretextos para afastar a aplicação correta da legislação administrativa. Ou, como referido pelo Requerente CONAMP, “expedientes ardilosos para contornar o melhor direito e perpetua o sentimento de impunidade para atos cuja intensidade e modus operandi são reconhecidamente ilícitos”.

Assim, a ausência de uma definição clara sobre o alcance da nova excludente, considerando a multitude de decisões e situações de fato a permitir interpretações conflitantes sobre a aplicação da legislação administrativa, causará dificuldade na aplicação da LIA, ampliando conflitos e gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade administrativa e efetividade da tutela da probidade.

Por esses motivos, entendo presentes os requisitos para concessão de medida cautelar nos presentes autos, para suspender a eficácia do art. 1º, § 8º, da LIA, introduzido pela lei 14.230/21.1 (destacamos)

Diante da fundamentação apresentada dentre os fundamentos, vale destacar a parte que afirma que a multiplicidade de decisões, inclusive as provenientes de órgãos singulares, não servem como sinalização do entendimento do Poder Judiciário.  

A respeito das decisões em medida cautelar em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade o ministro Gilmar Mendes do STF, no artigo Científico do efeito vinculante das decisões concessivas de cautelares em ação direta de inconstitucionalidade, entende que tais decisões possuem efeito vinculante, nos seguintes termos: “Vê-se, pois, que a decisão concessiva de cautelar em ação direta de inconstitucionalidade é também dotada de efeito vinculante.” 2

Nesse contexto, consta na fundamentação da medida cautelar que as decisões proferidas por órgãos singulares não servem como sinalização do entendimento do Poder Judiciário. Ocorre que a decisão que suspendeu a eficácia da norma é de natureza singular e possui efeito vinculante, ou seja, representa o entendimento do Poder Judiciário.

Assim, há contradição na decisão singular em análise, proferida no dia 22 de dezembro de 2022, que até 03 de novembro de 2024, não foi referendada pelo Plenário3, e possui efeito vinculante e erga ominis, ou seja, representa o entendimento do Poder Judiciário, porém utiliza como fundamentação a justificativa que decisões proferidas por órgãos singulares não podem servir como sinalização do entendimento do Poder Judiciário.

Quanto a norma debatida em questão, é necessário destacar que se trata de norma constitucional que decorre do princípio fundamental da segurança jurídica para o gestor público, que pratica o ato com a confiança legitima de que a interpretação dada ao caso, com base em decisão judicial, é legal.

Ademais, também é necessário frisar que mesmo que a Suprema Corte venha a decidir pela inconstitucionalidade do mencionado § 8º, do art. 1º, o fato do agente público praticar ato decorrente de divergência interpretativa da lei, baseado em jurisprudência, inviabiliza a caracterização do ato de improbidade, ante a ausência do dolo específico, exigido pelo § 2º, do mesmo art. 1º, da LIA.

Dessa forma, o ato praticado com fundamento divergência interpretativa da lei, baseado em jurisprudência, ainda que não seja pacífica, via de regra, afasta a intenção, o animus do agente, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, até porque o ato foi praticado baseado em interpretação da lei e de acordo com jurisprudência, ainda que não pacífica.

Com efeito, é necessário fazer um adendo que não estamos defendendo que seja permitido a prática de atos pelos gestores públicos contrários a jurisprudência pacífica dos tribunais, como por exemplo, as teses fixadas nos enunciados sumulares e repercussão geral. Mas sim que, no caso de ato praticado decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda não pacificada, e que não seja contrária a jurisprudência pacífica, não pode caracterizar ato de improbidade administrativa.

Nesse rumo, os casos dos atos praticados em afronta a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, no caso de ficar demonstrado o dolo específico de enriquecer ilicitamente, de causar prejuízo ao erário ou de atentar contra os princípios da administração pública, caracteriza ato de improbidade administrativa.

Diante do exposto, entendo que o § 8º, do art. 1º, da LIA, representa a vontade do legislador, sendo constitucional a norma, até porque garante segurança jurídica ao gestor público, além de que, a decisão com fundamento em interpretação de lei divergente, com fulcro em decisão judicial, ainda que não pacífica, via de regra, afasta o dolo da conduta do agente.

_____

1 BRASIL. STF. ADIN 7236 MC, rel. Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355453796&ext=.pdf Acessado: 28 Fev2024.

2 MENDES, Gilmar Ferreira. DO EFEITO VINCULANTE DAS DECISÕES CONCESSIVAS DE CAUTELARES EM AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Disponível em: file:///C:/Users/diogo/Downloads/43-Texto%20do%20Artigo-107-120-10-20090514.pdf Acessado: 28 Fev2024.

 3 As informações sobre a decisão e que ainda não foi referendada pelo Plenário consta no andamento processo Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 Acessado: 28 Fev2024.

Diogo Esteves Pereira
Advogado, Especialista em Prática Processual nos Tribunais, Coordenador da Coleção Teses Defensivas, autor do livro Teses Defensivas Improbidade Administrativa da Editora Juspodivm.

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