Nos últimos anos, acentuaram-se, em diversas regiões do mundo, mudanças climáticas que se aproximam daqueles cenários negativos e catastróficos que eram tidos como alarmistas, exagerados ou mesmo ficcionais.
A "verdade inconveniente" é que o aumento da temperatura global tem causado períodos de frio ou de calor muito intensos e duradouros, chuvas com volume e intensidade acima das médias históricas, secas severas em regiões onde havia abundância fluvial, maior ocorrência de fenômenos como El Niño e La Niña, incêndios, inundações, deslizamentos de terra e outros desastres naturais que afetam diretamente a vida das pessoas e a estabilidade dos ecossistemas, com reflexos diretos na economia.
O Brasil é considerado o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e, em 2025, como anfitrião da 30ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas - COP30, terá, para além de conclamar os países desenvolvidos a colaborarem efetivamente com essa dramática questão, a responsabilidade de revelar um plano de metas que seja ao mesmo tempo ousado e exequível. Não é tarefa fácil, mesmo porque a equação envolve diversos outros atores e fatores que precisam ser considerados na busca pela relação desenvolvimento-sustentabilidade.
Mais do que nunca, o conhecido provérbio se revela adequado: “Uma andorinha só não faz verão” (para Aristóteles “Uma andorinha só não faz primavera”). O desafio é coletivo, é global, pois os danos causados pelas mudanças climáticas afetam a todos e todas, mesmo que seja inegável que alguns sofram mais do que outros.
Por isso, devemos nos inspirar no conto daquela andorinha que, ao perceber um grande incêndio na floresta, do qual todos os animais instintivamente fugiram, combatia o fogo levando água de um riacho em seu pequeno bico. Conta-se que vários animais a desestimulavam, pois ela não tinha como resolver o problema sozinha. A resposta é emblemática: “Eu sei, mas pelo menos estou fazendo minha parte.”
O TCU - Tribunal de Contas da União, fazendo sua parte, por intermédio do recente acórdão 2201/24 - Plenário, sob a relatoria do ministro Vital do Rêgo, trouxe relevante contribuição reflexiva e propositiva, como fruto de auditoria operacional realizada entre 2023 e 2024, a respeito da governança para o enfrentamento da crise climática.
É importante destacar que o relatório apresentado faz justiça ao registrar um histórico da questão, seja no aspecto normativo, operacional ou orçamentário, permitindo que não se responsabilize sempre o “governo do momento” alcançado pela fiscalização ou auditoria. Por exemplo, é possível identificar que, entre 2020 e 2023 (PPA da União), a redução orçamentária foi causa determinante para o comprometimento das ações de enfrentamento à crise climática no Brasil. Por outro lado, o acórdão aponta que "[...] uma nova governança climática vem sendo construída na administração pública federal desde 2023", mas ressalta a necessidade de conferir celeridade, atualidade e efetividade à questão.
No campo normativo, foi identificado déficit na principal base legal sobre o tema, a lei 12.187/09, que instituiu a PNMC - Política Nacional sobre Mudança do Clima, a qual carece de atualização e de melhor monitoramento. Além disso, duas constatações foram apresentadas, e têm sido constantemente objeto de análise neste espaço: falta de articulação entre os entes federativos e baixa transparência do gasto climático.
Ora, se o "efeito borboleta" é admitido em plano global, o mesmo ocorre em um único país, mesmo que este seja gigante territorialmente, diversificado culturalmente, plural politicamente e federativo (de três níveis) como o Brasil. Em nosso federalismo cooperativo e complexo, a colaboração e a sinergia entre União, Estados e Municípios são fundamentais, e, no campo da governança climática, o desafio é a atuação cada vez mais articulada dos multiníveis.
Não esqueçamos que a CF/88 estabelece, em seu Art. 23, que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios: “VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “VII - preservar as florestas, a fauna e a flora”, bem como preceitua a competência legislativa concorrente, do Art. 24, que, no caso dos Municípios, se soma ao Art. 30, II, sobre: “VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.
Logo, qualquer política pública que deseje prosperar em um contexto governamental multinível exige acordos, convênios, colaboração, coordenação e articulação. Basta lembrarmos do episódio das inundações que assolaram o Rio Grande do Sul, em 2024, conforme discutido aqui no Migalhas (O "recupera RS": TCU e TCE-RS unidos em prol da população gaúcha, https://www.migalhas.com.br/depeso/407591/o-recupera-rs--tcu-e-tce-rs-unidos-em-prol-da-populacao-gaucha). Os governos Federal, Estadual e Municipais precisaram atuar conjuntamente para enfrentar e mitigar os graves problemas de diversas ordens que se apresentaram e que ainda nem foram totalmente superados.
O acórdão 2201/24 – TCU/Plenário aponta que tem sido deficitária a atuação das instâncias responsáveis pela necessária articulação entre a União e os entes subnacionais, bem como do Estado com a sociedade civil organizada.
Por outro lado, o TCU reconheceu uma recente iniciativa do Governo Federal que tem o potencial de efetivar a governança climática brasileira para os próximos anos. Trata-se do Decreto 12.040/24, que alterou o Decreto 11.550/23 e regulamentou o “Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima”, órgão responsável pelo monitoramento e promoção da implementação das ações e das políticas públicas, no âmbito do Poder Executivo federal, relativas à Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (lei 12.187/09).
No escopo deste artigo, entende-se mais interessante referir à instituição de três câmaras, de caráter consultivo, vinculadas ao Comitê – CIM: A Câmara de participação social, para “promover a participação da sociedade civil nas políticas públicas sobre mudança do clima”; a Câmara de Articulação Interfederativa, que objetiva “promover a participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na elaboração, no aperfeiçoamento e na implementação de medidas de mitigação e adaptação à mudança do clima”; e a Câmara de Assessoramento Científico, que visa “subsidiar a política climática com a melhor ciência disponível”.
Ora, dois dos principais achados do acórdão 2201/24 – TCU/Plenário, que comprometem a boa governança climática brasileira, podem avançar consideravelmente se as Câmaras de Participação Social e de Articulação Interfederativa encontrarem respaldo governamental para seu pleno funcionamento e ação.
A Câmara de Articulação Interfederativa possui entre suas competências: alinhar políticas nacionais, setoriais e transversais com as políticas e contextos regionais e locais; apoiar a elaboração de planos estaduais, distritais e municipais de mitigação e adaptação à mudança do clima, observadas as diretrizes federais; e monitorar a implementação da política climática no âmbito dos Estados, municípios e do Distrito Federal. Já a Câmara de Participação Social tem como principal competência “mobilizar agentes dos setores econômicos e da sociedade civil para o engajamento em planos e ações relacionados à mudança do clima”.
São, portanto, diretrizes essenciais para o enfrentamento da crise climática a partir da realidade brasileira: a) promover uma governança climática multinível que seja efetiva; b) promover uma articulação social ecossistêmica, que envolva todos os setores e atores.
O TCU tem feito sua parte. O acórdão 2201/24 – TCU/Plenário, por seus alertas e recomendações, é um excelente exemplo. Vamos todos fazer o que nos compete!