O presente trabalho busca debater e apresentar a natureza da ação de improbidade administrativa e seus impactos para a defesa.
Inicialmente, vale destacar que o § 4º, do art. 37, da CF/88 quando prevê as sanções para a prática dos atos de improbidade ressalva a ação penal cabível, nos seguintes termos:
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (destacamos)
Na mesma linha do previsto na CF/88, o STJ na sua jurisprudência em tese – edição 234 – improbidade administrativa – VI, Item 3, fixa o seguinte entendimento:
Não há prerrogativa de foro em benefício de agentes públicos na instauração de inquéritos civis ou no julgamento de ações de improbidade administrativa, uma vez que não possuem natureza criminal.1 (destacamos)
Nesse compasso, conclui-se que a ação de improbidade administrativa não possui natureza penal, sendo assim, consequentemente não se aplica as sanções de natureza penal e não é possível a conversão das penalidades aplicadas em decorrência da improbidade em pena privativa de liberdade.
O art. 17-D, da lei de improbidade administrativa afirma categoricamente que a ação de improbidade não constitui ação civil, vejamos:
Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. (destacamos)
Assim, verifica-se que a ação de improbidade não constitui ação de natureza nem civil e nem penal, tendo, portanto, caráter sancionatório, conforme previsto em lei.
No sentido de que a ação de improbidade administrativa possui natureza sancionatória o STJ já decidiu:
DIREITO SANCIONADOR. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DEFINIÇÃO SE É POSSÍVEL INCLUIR OU NÃO O VALOR DE EVENTUAL MULTA CIVIL NO DECRETO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO DE AFETAÇÃO AO RITO DOS REPETITIVOS PELO COLEGIADO DA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ.
OBSERVÂNCIA DO ART. 1.036, § 5º. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RI/STJ. SUSPENSÃO DOS FEITOS EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO.
1. Delimitação da tese: definir se é possível - ou não - a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta prevista no art. 11 da lei 8.429/92, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.
2. Recurso Especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes do Código Fux (arts. 256-E, II e 256-I do RISTJ). 2(destacamos)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. EMBORA SE TENHA EM CONTA A EXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE PASSIVA NA FASE EMBRIONÁRIA DO PROCESSO SANCIONADOR, NÃO SE PERMITE QUE SE OPERE A CONSTRIÇÃO DO VALOR TOTAL SOBRE CADA UM DOS ACIONADOS, ISTO É, UMA VEZ ATINGIDO O IMPORTE DA PRETENSÃO SOBRE QUALQUER UM, NADA MAIS HÁ DE SER BLOQUEADO. AGRAVO INTERNO DO PARQUET FEDERAL NÃO PROVIDO.
1. Este Tribunal Superior tem o entendimento de que, havendo solidariedade passiva na fase embrionária da ação de improbidade, a indisponibilidade recai sobre os réus, de tal modo que, uma vez atingido o valor total sobre qualquer um deles, nada mais há de ser constrito na ação até solução meritória, quando então se conhecerá a cota de responsabilidade de cada um (AgInt no REsp 1.899.388/MG, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 10.03.2021).
2. Bem por isso, esta Corte Superior rechaça a tese de que o bloqueio patrimonial, nos casos de multiplicidade de réus na ação, deva incidir sobre todos os acionados e na totalidade do dano ao Erário pretendido (todo o valor sobre cada um) (AgInt no AREsp 1.437.494/SE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 09.12.2020; AgInt no REsp. 1.827.103/RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe 29.05.2020).
3. Na presente demanda, a pretensão do Órgão Acusador está cifrada à seguinte alegação: incabível reconhecer que a indisponibilidade deva recair apenas sobre um acusado ou em quotas até o valor auferido de danos ao erário, uma vez que, diante da natureza cautelar da medida, com real possibilidade de levantamento dos valores no momento devido, e da presunção de inocência de cada réu, conclui-se que todos os acusados defenderão suas inocências e, porventura, obtendo êxito o réu, no qual recaiu a indisponibilidade, o erário ficará desamparado em seu objetivo de ressarcimento dos danos auferidos na ação civil pública (fls. 509).
4. Em cotejo, ao pretender o bloqueio sobre a totalidade do dano vindicado na ação para cada qual dos acionados, o Parquet Federal persiste, neste Agravo Interno, em tese adversária à dessa Corte Superior no tema.
5. Agravo Interno do Parquet Federal não provido.3 (destacamos)
O §4º, do art. 1º, da lei de improbidade administrativa estabelece que se aplicam os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador ao microssistema da improbidade.
Na mesma linha, em sede doutrinária, o Doutor Fábio Medina, afirma o seguinte:
Entendo, como já deixei assentado noutras oportunidades, que as sanções previstas aos atos ímprobos, desde o art. 37, § 4º, da Carta Magna, passando pelo rol da Lei 8.429/92, estão disciplinadas diretamente pelo Direito Administrativo, operacionalizando-se pelo Direito Processual Público que cuida da respectiva ação judicial. Afirmado o caráter não penal dessas sanções, pelo juízo negativista, há que se reconhecer também o caráter não civil, não trabalhista, não empresarial, não ambiental, etc. O juízo negativo perpassa todos os ramos jurídicos, até o ponto em que se haveria de indagar: estaríamos diante de um novo ramo do Direito Público, ao contemplarmos a Lei 8.429/92? Claramente, a resposta contundente há de ser de rechaço a essa cogitação. E isto porque, sem dúvida alguma, essa legislação federal cuida da responsabilidade central de agentes públicos – incluídos aqui os agentes políticos -, numa perspectiva de uma espécie de Código Geral de Conduta, catalogando comportamentos proibidos e suas respectivas sanções. Os dispositivos que estabelecem os elementos normativos dos modelos de condutas proibidas estão vazados no plano material do Direito Administrativo, ninguém ousaria duvidar. Na parte tocante às sanções, tais dispositivos seguem, hão de seguir, ao menos, a mesma lógica, inserindo-se no patamar do Direito Administrativo. E a parte do Direito Administrativo que cuida de tipificação de condutas ilícitas e de sanções é, precisamente, o chamado Direito Administrativo Sancionador. Não se há de olvidar que a inserção da legislação federal no campo administrativista se dá em razão de seu próprio objeto, a saber, o foco na normativa da função pública, em sua vertente sancionatória.4 (destacamos)
Dessa forma, conclui-se que a ação de improbidade administrativa possui natureza de direito administrativo sancionador, devendo, portanto, observar as diretrizes atinentes a sua natureza.
À luz da defesa, a natureza sancionatória da ação de improbidade impacta inicialmente na base principiológica que deverá ser aplicada a esse microssistema. Assim, podemos destacar a seguinte base principiológica que deverá ser observada no processo de improbidade: devido processo legal, legalidade, ampla defesa, contraditório, duração razoável do processo, retroatividade da lei mais benéfica, proporcionalidade, razoabilidade, presunção de inocência, insignificância, promotor natural, dentre outros.
Além da base principiológica, decorre da natureza sancionatória da ação de improbidade administrativa, paridade de armas entre defesa e acusação, o ônus da prova é da acusação (inciso II, do § 19, do art. 17, da LIA), não se admite a aplicação dos efeitos da revelia (inciso I, do § 19, do art. 17, da LIA), vedação a distribuição dinâmica do ônus da prova (inciso II, do § 19, do art. 17, da LIA), direito do réu de ser interrogado (§ 18, do art. 17, da LIA) e também se aplica as Normas de Direitos Humanos que tratam de penalidades a serem aplicadas pelo Estado, como, por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Diante do demonstrado, conclui-se que decorre da natureza de direito administrativo sancionatório da ação de improbidade administrativa a base principiológica aplicada ao microssistema da improbidade, diversos institutos, bem como, a aplicação dos Tratados de Direitos Humanos que o Brasil seja signatário, que inclusive pode possuir status constitucional ou supralegal a depender do rito de sua aprovação.
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1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência em Tese do STJ – Edição 234 – Improbidade Administrativa – VI. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/Jurisprudencia%20em%20Teses%20234%20-%20Improbidade%20Administrativa%20VI.pdf Acessado em: 18 out2024.
2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ. ProAfR no REsp n. 1.862.792/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 16/6/2020, DJe de 26/6/2020.
3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ. AgInt no REsp n. 1.929.981/BA, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do Trf-5ª Região), Primeira Turma, julgado em 9/8/2021, DJe de 16/8/2021.
4 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 176-177.