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Qual a importância da psiquiatria e da psicologia em casos criminais?

Essa linha de pensamento, como observado por Trindade, desconsidera que o ser humano é simultaneamente cidadão desses dois mundos, pertencendo tanto ao reino do “ser” quanto ao do “dever-ser”.

25/10/2024

A interseção entre psicologia e direito, especialmente no tratamento de vítimas de crimes, revela a importância de uma abordagem mais humanizada e sensível dentro do sistema judicial. O psicólogo forense desempenha um papel central ao explorar as dimensões subjetivas e emocionais das vítimas, analisando traumas, medos e inseguranças que podem surgir após um evento traumático.

De acordo com Trindade1, essa análise é crucial, uma vez que o direito e a psicologia, apesar de partirem de premissas diferentes, convergem em sua missão de tratar o ser humano de maneira integral, seja ele réu ou vítima. A psicologia oferece, assim, uma perspectiva única que permite compreender se há sofrimento psíquico e como esse afeta ou não a vida de uma suposta vítima no processo judicial.

Apesar dos indicadores de convergência entre direito e psicologia no sentido da construção de uma área de tangência interdisciplinar, há quem afirme que esses campos pertencem a mundos muito diferentes: a psicologia, ao mundo do “ser”, e o direito, ao mundo do “dever-ser”. A psicologia se baseia na causalidade, enquanto o direito é pautado no princípio da finalidade.

Essa linha de pensamento, como observado por Trindade2, desconsidera que o ser humano é simultaneamente cidadão desses dois mundos, pertencendo tanto ao reino do “ser” quanto ao do “dever-ser”. Essa dicotomia pode, à primeira vista, parecer uma barreira para a integração das duas áreas, mas na prática, ambos os campos convergem ao lidar com o ser humano em sua totalidade.

Além da psicologia, a psiquiatria forense complementa essa atuação ao fornecer diagnósticos clínicos sobre as partes envolvidas em processos judiciais.

Casos de suspeita de abuso sexual, violência doméstica ou outros tipos de agressão demandam uma avaliação minuciosa para determinar os efeitos duradouros na saúde mental das vítimas3 4.

A psiquiatria forense não se limita à responsabilidade criminal do réu, mas também considera a extensão do dano psicológico causado às possíveis vítimas, incluindo transtornos como estresse pós-traumático, ansiedade severa e depressão. Dessa forma, a saúde mental das vítimas torna-se um aspecto central para garantir que a justiça seja efetiva e completa possibilitando também a identificação de casos em que há falsas denúncias e assim auxiliando a evitar condenações de inocentes.

A colaboração entre psicólogos e psiquiatras forenses nos processos judiciais cria uma base mais abrangente para a análise dos casos, permitindo que o sistema e os Operadores do Direito não apenas compreendam os aspectos psíquicos e subjetivos apresentados nessas demandas, mas principalmente obtenham, através da transdisciplinaridade, uma correlação entre as questões legais e psíquicas.

Silva e Andrade5 discutem como essa integração é vital em casos complexos, onde a avaliação comportamental e psiquiátrica deve ser utilizada de forma complementar facultando melhor entendimento dos aspectos psicojurídicos e, consequentemente, decisões mais assertivas.

Sendo assim, a conectividade reclamada pela ciência moderna não pode ser reduzida a uma mera justaposição de pontos de vista6, o todo deve transcende a soma das partes, e a noção de transdisciplinaridade ser evocada na busca por uma compreensão mais adequada e profunda no paradigma da complexidade.

Ao adotar essa visão transdisciplinar, o psicólogo jurídico forense, em sua função é capaz de traduzir traumas psicológicos em termos jurídicos, o que facilita decisões mais justas e humanizadas. Da mesma forma, a psiquiatria forense, ao fornecer diagnósticos precisos, permite ao tribunal entender a profundidade do perfil dos acusados ou mesmo dos danos causados pelo crime cometido, criando estratégias mais eficazes de reparação.

Isso reforça a necessidade de o direito não se limitar a uma abordagem puramente legalista, mas incorporar as ciências psicológicas e psiquiátricas para oferecer uma justiça mais completa7.

Sendo assim, a colaboração entre psicólogos e psiquiatras forenses não só fortalece a compreensão dos aspectos psicojurídicos mas, sobretudo enriquece as decisões judiciais, tornando-as mais sensíveis e humanizadas. Conforme Trindade8 e Gonçalves9 destacam, a integração dessas áreas é uma necessidade ética e técnica, que garante que a justiça atue de maneira plena, abordando tanto os aspectos materiais quanto os emocionais e psicológicos dos casos. Ao reconhecer a complexidade do ser humano e sua vulnerabilidade o sistema de justiça se torna mais eficaz quanto às necessidades tanto das vítimas quanto dos réus, refletindo a máxima de que "a justiça sem força é impotente, a força sem justiça é tirânica" conforme diz Pascal10.

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1 Trindade, J. (2004). Manual de psicologia jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

2 Trindade, J. (2004). Manual de psicologia jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

3 Gonçalves, P. (2018). Psiquiatria forense: Uma abordagem sobre saúde mental e justiça. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

4 Taborda, J. C. D. S. (2016). Psiquiatria Forense (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed.

5 Silva, A., & Andrade, M. (2021). Colaboração interdisciplinar em casos de vítimas de trauma: A importância da psiquiatria e psicologia forense. Brasília: Instituto de Psicologia Forense.

6 Trindade, J. (2004). Manual de psicologia jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

7  Costa, L. (2019). A psicologia forense e o impacto do trauma nas decisões judiciais. São Paulo: Editora Jurídica.

8  Trindade, J. (2004). Manual de psicologia jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

9 Gonçalves, P. (2018). Psiquiatria forense: Uma abordagem sobre saúde mental e justiça. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

10 Pascal, B. (2021). Pensamentos: Pensamentos (Blaise Pascal) . Exousia.

Costa, L. (2019). A psicologia forense e o impacto do trauma nas decisões judiciais. São Paulo: Editora Jurídica.

Gonçalves, P. (2018). Psiquiatria forense: Uma abordagem sobre saúde mental e justiça. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Nunes, R. (2020). Transdisciplinaridade e o sistema jurídico: Um estudo entre psicologia, psiquiatria e direito. Porto Alegre: Editora Contexto.

Silva, A., & Andrade, M. (2021). Colaboração interdisciplinar em casos de vítimas de trauma: A importância da psiquiatria e psicologia forense. Brasília: Instituto de Psicologia Forense.

Pascal, B. (2021). Pensamentos: Pensamentos (Blaise Pascal). Exousia.

Taborda, J. C. D. S. (2016). Psiquiatria Forense (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed.

Trindade, J. (2004). Manual de psicologia jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Hewdy Lobo
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

Luiz Mauro Bastos Filho
Estudante do 7º período de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Atua como estagiário de Psicologia Jurídica na Vida Mental Perícias.

Elise Karam Trindade
Elise Karam Trindade, psicóloga inscrita no CRP sob nº 06/205.826; especialista em Psicologia Jurídica e Neuropsicologia. Coordenadora da equipe de Psicologia Jurídica da Vida Mental.

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