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Licitação, cronograma físico-financeiro e exequibilidade

A planilha do cronograma físico-financeiro tem a finalidade de manter, substancialmente, a mesma licitação desde o edital até o término da execução contratual.

24/10/2024

Cronograma físico-financeiro e exequibilidade

A prova de exequibilidade da proposta prevista no art. 59, IV da lei de licitações deve ser acompanhada de cronograma físico-financeiro no caso de obras/reformas?

Sim, foi nossa resposta a um respeitado chefe das licitações. Complementamos que não se trata daquilo que costumamos denominar de “hiperformalismo licitatório”.

O hiperformalismo licitatório se configura quando há uma exigência documental desprovida de consonância com os princípios licitatórios. Por exemplo, inabilitar um licitante porque seu endereço está digitado de forma equivocada ou, ainda, inabilitar por informações que não foram prestadas, expressamente, pelo licitante mas podem ser obtidas com facilidade pelo pregoeiro.

A finalidade da norma do art. 59,IV é a demonstração da exequibilidade e observância do princípio da isonomia. A prova da exequibilidade também está em consonância com a higidez da licitação para que, em síntese, o objeto do edital seja o mesmo objeto executado pelo licitante vencedor.

A planilha do cronograma físico-financeiro tem a finalidade de manter, substancialmente, a mesma licitação desde o edital até o término da execução contratual. A maneira de manter, substancialmente, a mesma licitação é coibir o “jogo de planilhas”, procedimento que deturba a licitação numa “metamorfose” do objeto licitado. A planilha analítica de custos e o cronograma físico-financeiro são os “parâmetros matemáticos mínimos” que permitem a fiscalização da manutenção, substancial, do mesmo objeto licitado.

O jogo de planilhas é uma “burla matemática transversa” ao princípio da vinculação ao edital e faz com que aditivos aumentem itens em percentuais superiores a 25%/50% e reduza outros itens em percentuais igualmente elevados mantendo, porém, o índice global do aditivo nos patamares legais de 25%/50%. A indicação expressa e numérica pelo licitante dificulta esse embaralhamento licitatório. Essa indicação terá maior precisão com a apresentação de planilha de custos e cronograma físico-financeiro.

Prevenção ao “jogo de planilhas”

Em nosso modesto entendimento, o tema do conteúdo da prova da exequibilidade com a demonstração do cronograma físico-financeiro tem relação com a prevenção às fraudes.

A fraude licitatória que deve ser prevenida é o “jogo de planilhas’, uma “metamorfose” que transforma uma licitação “X” numa licitação “Y” sem que os incautos percebam a manobra realizada.

Sobre o tema, o subscritor já teve a oportunidade de escrever sobre a necessidade de reelaboração linear de planilhas para que a licitação permaneça a mesma e não sofra de “metamorfose licitatória”.

Assim:

“Jogo de planilha é a inversão ilícita do Teorema de Pareto de maneira a burlar o objeto licitatório criando preços por etapas/itens artificialmente valorizados e depreciados.

(...)

O “macete” do ilícito jogo de planilha seria, no aditamento contratual (ou na reelaboração da planilha após a rodada de lances), inverter essa planilha inflando itens com margem maior de lucro e diminuindo itens de pouca rentabilidade. Aparentemente, o “preço global” seria o mesmo. Mas na essência houve burla ao dever de licitar pois a empresa obteve uma margem de lucros maior e inviabilizou a presença de empresas que fariam, com facilidade, a nova planilha alterada.

A NLLC criou várias regras: exigência de garantia de proposta, vedação de sobrepreço e superfaturamento por item e realinhamento linear da planilha após o julgamento.”

Aproveitamos para registrar que, dentre os mecanismos mencionados no texto mencioando faltou mencionar o cronograma físico-financeiro na prova de exequibilidade. É mais um mecanismo de garantia da higidez licitatória.

Na quarta edição do mencionado livro será corrigida essa omissão.

A prova da exequibilidade deve ser detalhada com planilhas de maneira a demonstrar a exequibilidade e a efetiva equação econômico-financeira.

Higidez da licitação

A exequibilidade tem como finalidade a demonstração de que a obra/reforma licitada será efetivamente realizada. Além de realizada a mesma obra/reforma deve ser implementada e não outra através do famigerado “jogo de planilha”.

Não estamos sugerindo que licitantes sempre pretendam praticar tal famigerado jogo mas que a ausência de cronograma físico-financeiro possibilita e facilita o uso deste expediente.

Cronograma físico-financeiro é essencial para demonstração de preços

A natureza essencial do cronograma físico-financeiro decorre do fato e ser indicativo legal para a demonstração do preço e prevenção ao “jogo de planilhas”. Nesse diapasão prevê o art. 6º da lei Federal 14.133/21:

“LVII - superfaturamento: dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por:

(...)

d) outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços;” (grifos nossos).

Inobstante o cronograma físico-financeiro tenha sido mencionado na lei como descrição do superfaturamento é; claramente; um parâmetro para aferição de preços sejam os superfaturados sejam os exequíveis/inexequíveis.

A planilha detalhada de BDI/encargos indiretos, por outro lado, reflete questões internas da empresa que não facilitam/favorecem o jogo de planilha. Logo, a omissão deste item é de pouca relevância para aferição da exequibilidade.

Assimetria de informações

É pressuposto principiológico da nova lei a supremacia de informações sobre o objeto licitado por parte dos licitantes.

Nesse diapasão, já escrevemos:

“A assimetria de informações entre o setor público e o setor privado é reconhecido na nova lei de licitações, assumindo-se a supremacia de informações em mãos do setor privado.

Alguns mecanismos são criados de maneira a minimizar essa assimetria de informações.

O sigilo do orçamento, por exemplo, tem como finalidade equilibrar as informações das partes, deixando no âmbito exclusivamente público o valor que será gasto na licitação. Numa aquisição privada, é muito comum que o comprador não informe quanto pretende gastar, forçando uma redução de custos na oferta do vendedor.”

Outro mecanismo que reconhece a assimetria é a imposição do dever de juntada do cronograma físico-financeiro pelo licitante na prova de sua exequibilidade.

Detendo o licitante a supremacia informativa de preços deve indicá-la, de forma detalhada, na prova da exequibilidade.

Conclusão

A juntada do cronograma físico-financeiro na prova da exequibilidade do art. 59, IV da lei Federal 14.133/21 é requisito essencial sob pena de configuração de não demonstração da exequibilidade. Não se trata de mero formalismo pois a redução do preço abaixo do patamar de 75% cria a presunção relativa de que a obra/reforma não será efetivada e a reversão dessa presunção passa, inclusive, pela demonstração que inviabilize o “jogo de planilhas” que muda substancialmente o objeto licitado ferindo o princípio da isonomia.

Laércio José Loureiro dos Santos
Mestre em Direito pela PUCSP, Procurador Municipal e autor do Livro, "Inovações da Lei de Licitações e polêmicas licitatórias", 3ª Ed. Dialética, 2.024, versão em português e inglês.

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