Tramitam no Legislativo algumas propostas de emendas constitucionais cujo objeto é o STF, como uma que busca fixar tempo de duração de mandato de seus ministros. Também, dentre outras mais, proposta de emenda para suprimir a vitaliciedade na carreira da magistratura.
Importariam aqui, na atualidade, pela aparente maior relevância, duas delas. A PEC 8/21, que busca limitar decisões monocráticas no que se refere a específicas pretensões, quando não em recesso o STF, e a pedidos de vista. A outra, de 50/23, se destina a sustar decisão judicial transitada em julgado, em vindo a ser tida pelo Legislativo como ato a extrapolar os limites constitucionais.
Difícil afirmar se e quando serão aprovadas essas propostas e consequente promulgação pelo Congresso. Mas, a presunção segura vem a ser a de nenhuma dúvida nem trabalho sobre inquestionável e segura declaração pela Corte de inconstitucionalidade das referidas emendas, com fundamento consistente em falta de legitimidade para agir do Legislativo, nos casos, além de ofensa por este ao princípio da legalidade. Se o que se pretende é conseguir afastar, liminarmente, pelo Legislativo, os eventuais efeitos de atos judiciários que possam ser qualificados como inconstitucionais, mediante controle abstrato, o que se sustenta é que a medida inovadora não parece poder ser tomada, porque em ofensa à regra da independência e harmonia a dever reinar entre os poderes, bem como em razão de significar quebra da indispensável segurança jurídica geral, em face da gravidade e repercussão numa área de assuntos da mais alta relevância.
O Legislativo sustenta, porém, que se mostra atento às precauções necessárias, porque estaria a agir somente em casos de alta relevância em face de pedidos de suspensão no STF de tramitação de propostas legislativas, como os casos de políticas públicas ou que venham a envolver despesas para qualquer dos poderes. Contudo essa referida justificação opera, sem nenhuma força, contra a regra de legitimidade para a ação e o princípio da legalidade, como também contra a lógica. Afinal, em contrapartida, não estaria em conformidade com a lógica caber ao Judiciário impedir no Legislativo a propositura de um PL ou de EC.
Quanto aos pedidos de vista nos julgamentos do Tribunal, impõe-se acrescentar que o Tribunal, em relação a essa matéria, adiantando-se perante as justas críticas, no final de 2023, editou a emenda regimental 58, aprovada por unanimidade. “O ministro que pedir vista dos autos deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, no prazo de 90 dias, contado da data da publicação da ata da medida, sendo que, vencido o prazo previsto no caput, os autos estarão automaticamente liberados para a continuação do julgamento”. Essa iniciativa do Tribunal teria prejudicado o objeto da proposta de EC 8/21, ao menos em parte.
Contudo, o que importa reconhecer é que o STF, em face das duas propostas de emendas ora sob exame, estaria em condições de arguir invasão de competência de parte do Legislativo, na matéria, ante o disposto na CF, art. 96, I, a, II d. A aprovação das PECs estaria a implicar em ofensa ao princípio constitucional de harmonia e independência dos poderes, constituindo-se, esse eventual acolhimento, em espécie de perigo à democracia. Não obstante, o Legislativo insiste em argumentar que dele, Legislativo, o poder constituinte, daí decorrendo direito de intervir nas decisões judiciais da Corte.
Essa justificativa, porém, não tivesse que se considerar a autonomia do Tribunal e o caráter derivado do poder constituinte do Legislativo, talvez até pudesse se mostrar pertinente, em princípio, no referente à pretensão da proposta consistente em proibição de decisão isolada de ministro do STF para dispor sobre eficácia de lei ou ato normativo com efeito geral ou que suspenda ato dos presidentes da república, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional. No que referente, especialmente, à PEC 50/23, consta, na apresentação ao Congresso, que a medida nela em causa não estaria a ferir as cláusulas pétreas da CF/88, “não retira nenhuma prerrogativa do STF, mas tão somente acrescenta no art. 49, o inciso XIX – deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa Legislativa, em dois turnos, sobre projeto de Decreto Legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que proponha sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais...”. Evidentemente, o texto dessa emenda alça o Legislativo a uma condição conjugada de elaborador de leis e de corte constitucional, mediante entrada forçada em alçada do poder constituinte originário.
Em Israel, no Parlamento – e não cabe dizer aqui que o nosso estaria a copiá-lo, porque propostas brasileiras parece que existiam desde antes das israelenses -, já em 2009 se pregava que uma verdadeira revolução deveria ser feita no sistema judicial e uma série de projetos foram apresentados para limitar a autoridade do Supremo Tribunal em julgamentos de invalidação de leis e para conceder ao Knesset autoridade para promulgar leis invalidadas pela Corte, dentre outras competências. O caminho tomado pelo Legislativo de Israel tem sido chamado de “revolução legal” pelos críticos e tem levado ao surgimento de protestos populares de grande repercussão, nos quais vem sendo afirmado que a democracia estaria a ser ferida de morte, naquele distante país. Entende-se lá que o Executivo e o Legislativo apertam a mão um do outro em intencional busca de uma ordem em sustentação de autoritarismo. Teria o Brasil sido despertado pelo que estava a acontecer em Israel, no assunto em causa? Bem, não importa uma resposta a essa questão, porque o que tem que ser ressaltado no caso brasileiro é que o Legislativo aqui tem poder, mas não o poder para fazer atendida suas aqui discutidas pretensões.
O Legislativo, nos termos da CF/88, tem poder constituinte, mas poder constituinte derivado, não poder constituinte originário, cujo titular é a nação, conforme a lição de Sieyès, seguida pela maioria da doutrina. Assim ensina o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (cf. Direito Constitucional Comparado, I – O Poder Constituinte, Bushatsky, Editor).
Conclusão: o próprio Congresso, que dá andamento às emendas para a satisfação de política interna no Parlamento, deixará, em algum ponto do tempo, de considerá-las, enquanto que o impugnado ativismo judicial, conquanto aparentemente descabido ou impertinente em alguns casos, continuará no seu caminho de obrigações, em favor da sociedade, sem subtração de poder alheio.