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Responsabilidade do médico cooperado

Dívidas sociais em sociedades cooperativas e os limites da responsabilidade patrimonial do médico cooperativado – Caso Unimed.

18/10/2024

Introdução

Visamos, pelo presente estudo, esclarecer os limites jurídicos da responsabilidade dos médicos-cooperados em face dos prejuízos apurados pela cooperativa médica da qual são partes integrantes, Unimed-Rio.

O assunto nos tornou afeto no momento em que o nosso escritório de advocacia foi procurado por uma médica credenciada à Unimed-Rio (Empresa de grande porte, atuante na área de planos de saúde, que passa por problemas financeiros graves).

Ocorre que a referida médica encontra-se preocupada com as incertezas que o ondam, pelo fato de figurar no quadro societário da referida empresa, apesar de nunca ter exercido quaisquer cargos de gestão e/ou administração.

Como muitos outros médicos, nossa cliente apenas se credenciou junto da referida empresa para que pudesse prestar seus serviços médicos às pessoas integrantes dos planos de saúde ofertados ao consumo (planos de saúde – Unimed). Nunca recebeu lucros ou dividendos. Apenas contribuiu para a formação do capital social mediante certo pagamento inicial e, após, prestou serviços médicos aos clientes da Unimed. Até a presente data, recebeu, tão somente, o correspondente aos serviços médicos por ela prestados, nada, além disso.

Ocorre que, como dito, a empresa vem passando por sérias dificuldades financeiras, razão pela qual são promovidas assembleias na tentativa de que os médicos (sócios/cooperados) façam aportes de capital para que se possam cobrir os prejuízos apurados até a presente data.

Diante desse cenário, surgem algumas indagações: está o médico-cooperado obrigado compulsoriamente a realizar aportes de capitais para cobrir os prejuízos aferidos? Quais os limites da responsabilidade do médico-cooperado em face dos prejuízos da cooperativa? O médico-cooperado responde com seu patrimônio pessoal? A responsabilidade do médico-cooperado é limitada ou ilimitada diante das dívidas sociais? Quais as consequências jurídicas em caso de eventual desassociação do médico-cooperado?

São essas as questões que pretendemos elucidar com o presente estudo.

Iniciaremos com brevíssima explanação sobre o quadro jurídico que permeia as instituições cooperativas, previsão e regramento legal, para, após, adentrarmos ao cerne do presente estudo: “os limites da responsabilidade do cooperado em face dos prejuízos suportados pela cooperativa da qual é integrante.”

Feita a delimitação do tema, iniciamos nosso estudo.

Capítulo 1 – das cooperativas – Regência normativa

As cooperativas têm menção constitucional nas normas insculpidas no inciso XVIII, do art. 5º, bem como, no §2º, do art. 174, ambos da CRFB/1988.

Art. 5°: [...]

XVIII a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a intervenção estatal em seu funcionamento.

Art. 174: [...]

§2° A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

Pelos referidos dispositivos constitucionais, já se pode depreender que, apesar de não conceituar ou delimitar o bojo das atividades a serem exercidas por meio de entidades cooperativas, o poder constituinte, na tentativa de estimular as atividades associativas e colaborativas, vedou expressamente qualquer intervenção estatal, bem como definiu como diretriz básica de ordem econômica o expresso fomento dessas atividades sócio-colaborativas.

No que tange ao ordenamento infraconstitucional, as cooperativas regem-se, em princípio, pelas normas insculpidas no bojo da lei 5.764/71, lei especial que define a Política Nacional de Cooperativismo. Todavia, vale ressaltar que, diante da promulgação do CC/02, somente encontram-se em vigor os preceitos da lei 5.764/71, que não contrastarem com os arts. 1.093 a 1.095 do CC/02 (TÍTULO II, SUBTÍTULO II CAPÍTULO VII da sociedade cooperativa do CC/02) novel diploma legal que revogou preceitos legais pretéritos contrários e divergentes a nova ordem legal.

Vale destacar ainda que por força do art. 1.096, CC/02, onde persistir omissão legal, aplicar-se-ão as disposições referentes à sociedade simples.

Diante desse cenário, aplicar-se-ão às cooperativas, primeiramente, as normas insculpidas no CC/02, em complementação, aplicar-se-á a lei 5.764/71 (naquilo que não confrontar as disposições insertas no CC/02) e, por fim, caso ainda reste omissão legislativa, dever-se-á aplicar as disposições inerentes às sociedades simples (TÍTULO II, SUBTÍTULO II, CAPÍTULO I – arts.997 a 1.038 do CC/02) por expressa previsão legal insculpida na norma do art. 1.096/02.

Assim, através da conjugação dos preceitos legais supracitados, pretendemos elucidar as questões postas neste trabalho.

Todavia, antes de adentrarmos as questões inerentes às limitações da responsabilidade, passaremos pela questão precípua no que tange a forma de rateio das dívidas e dos prejuízos sociais.

Capítulo 2 – do rateio das dívidas e dos prejuízos sociais

Pela lei 5.764/71, a questão inerente ao rateio de despesas e prejuízos encontra-se normatizada nos arts. 80, 81 e 89.

Art. 80. As despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços.

Parágrafo único. A cooperativa poderá, para melhor atender à equanimidade de cobertura das despesas da sociedade, estabelecer:

  1. rateio, em partes iguais, das despesas gerais da sociedade entre todos os associados, quer tenham ou não, no ano, usufruído dos serviços por ela prestados, conforme definidas no estatuto;
  2. rateio, em razão diretamente proporcional, entre os associados que tenham usufruído dos serviços durante o ano, das sobras líquidas ou dos prejuízos verificados no balanço do exercício, excluídas as despesas gerais já atendidas na forma do item anterior.

Art. 81. A cooperativa que tiver adotado o critério de separar as despesas da sociedade e estabelecido o seu rateio na forma indicada no parágrafo único do artigo anterior deverá levantar separadamente as despesas gerais.

(...)

Art. 89. Os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos, ressalvada a opção prevista no parágrafo único do artigo 80.

Assim, diante desse quadro, resta claro que, nada dispondo o contrato social, “As despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços”.

Essa é a regra. Pagará mais o sócio-cooperativado que mais se beneficiou dos serviços da cooperativa, pagará menos aquele que utilizou menos e nada pagará aquele que, apesar de sócio-cooperativado, não se utilizou dos serviços.

Poderia, então, dispor o contrato social de forma diversa? Poderia ser realizado o rateio igualitário de despesas e prejuízos entre todos os cooperativados, independentemente da fruição de serviços da cooperativa?

Realmente, a lei permite que o contrato social disponha pelo rateio igualitário, todavia, restringe o rateio igualitário às despesas de ordem geral. Somente as despesas gerais podem ser reatadas igualitariamente, desconsiderando-se o nível de fruição dos serviços da cooperativa. Diferentemente das despesas gerais são os prejuízos, estes devem sempre observar orateio proporcional, é o que se depreende da norma insculpida no caput do art. 81 e da norma do inciso II, do parágrafo único, também do art. 81, da lei 5.764/71.

Logo, nula qualquer estipulação de forma diversa.

Valendo destacar que esse entendimento resta consubstanciado na decisão proferida pela 3ª turma do STJ, no bojo do REsp 1.303.150 – DF (2012/0007071-1), cuja relatoria fora incumbida a excelentíssima ministra Nancy Andrighi, cuja ementa transcrevemos abaixo:

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ANULATÓRIA E OBRIGAÇÃO DE FAZER. COOPERATIVA MÉDICA. ASSEMBLEIAS GERAIS E PREVISÕES ESTATUTÁRIAS. RATEIO DE PREJUÍZOS. CRITÉRIO IGUALITÁRIO OU PROPORCIONAL À FRUIÇÃO DOS SERVIÇOS. 1.

Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 2. Na hipótese, foi efetivado, pela cooperativa médica, o rateio dos prejuízos apurados nos exercícios de 2003 e 2005, de forma igualitária entre os cooperados, e não proporcional aos serviços por eles usufruídos. 3. As sociedades cooperativas apresentam características especiais que as distinguem das demais sociedades empresárias, obedecendo a uma principiologia própria, caracterizada, entre outras coisas, pela participação econômica equitativa e proporcional de seus membros, de acordo com a sua respectiva participação nas operações da entidade, que orienta a distribuição de ônus, vantagens, riscos e benefícios e que prevalece sobre a composição patrimonial do capital da sociedade. 4. Os estatutos das cooperativas contêm as normas fundamentais sobre a organização, a atividade dos órgãos e os direitos e deveres dos associados frente à associação. Embora a Assembleia Geral dos associados, nos termos do art. 38 da Lei 5.764/1971, seja o órgão supremo da sociedade, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes, ela deve fazê-lo sempre dentro dos limites legais e estatutários. 5. Ainda que se admita, no art. 80, parágrafo único, da Lei 5.764/1971, o rateio igualitário das despesas gerais, a depender de previsão no estatuto social da cooperativa, em relação aos prejuízos, sempre deverá ser observada a proporcionalidade, nos termos do art. 89 da mesma norma. 6. As deliberações das Assembleias Gerais, relativas à distribuição igualitária dos prejuízos não devem prevalecer porque contrárias às disposições estatuárias então vigentes e/ou às disposições da Lei 5.764/1971, que prevê no seu art. 89, o rateio proporcional à fruição dos serviços pelos cooperados. 7. Recurso especial provido. (grifo nosso).

Visto isso, resumimos:

As dívidas societárias, para fins de rateio, dividem-se em (1) dívidas gerais e (2) prejuízos.

Os prejuízos devem ser sempre rateados proporcionalmente, ou seja, na proporção direta da fruição de serviços que cada cooperado fez uso. Já as dívidas gerais podem ser rateadas igualitariamente ou proporcionalmente. As dívidas gerais serão divididas igualitariamente por todos os cooperados se, e somente se, assim estiver previsto no contrato social da cooperativa.

Se nada dispuser, no ato de constituição da cooperativa, as despesas gerais devem ser rateadas proporcionalmente. Esclarecido este ponto, passamos ao tema da limitação da responsabilidade.

Capítulo 3 – da responsabilidade limitada e da responsabilidade ilimitada

A limitação, ou não, da responsabilização pessoal do sócio pelas dívidas sociais, é representativa de escolha, feita no bojo no ato de constituição da sociedade cooperativa. Quando da constituição da sociedade cooperativa, faculta a lei aos seus criadores optarem sobre qual será o regime de responsabilização de seus sócios-cooperados, se limitada ou ilimitada. É o que se depreende da simples leitura do que dispõe o caput do art. 1.095, do CC/02, abaixo transcrito.

Art. 1.095. Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada.

§1o É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua participação nas mesmas operações.

§2o É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Em contrapartida, sobre o mesmo tema, encontramos os arts. 12, 13 e 14 da lei 5.764/71, abaixo transcritos.

Art. 11. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade limitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade se limitar ao valor do capital por ele subscrito.

Art. 12. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade ilimitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade for pessoal, solidária e não tiver limite.

Art. 13. A responsabilidade do associado para com terceiros, como membro da sociedade, somente poderá ser invocada depois de judicialmente exigida da cooperativa.

Pela simples leitura das normas transcritas, vê-se que não há divergência legal no que toca a possibilidade de se definir no estatuto da cooperativa, se limitada ou ilimitada, a responsabilidade dos sócios-cooperativados.

Todavia, devemos ficar atentos no que tange ao instituto da responsabilidade limitada. Há, ou não, diferença no que rege a lei 5.764/71 (art. 11) e o que dispõe o CC/02 (§1º do art. 1.095)? Para responder esse questionamento, segue, abaixo, o quadro comparativo das normas suscitadas.

lei 5.764/71 CC/02
Art. 11. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade limitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade se limitar ao valor do capital por ele subscrito. Art. 1.095. Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada. §1o É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua participação nasmesmas operações.

Como se pode observar das normas transcritas, há clara diferença textual. Dúvidas não existiriam se a norma da art. 1.095, §1º, do CC/02 não contivesse o texto grifado e se limitasse a dizer: §1o É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas.

Caso assim fosse, não haveria dúvidas de que a matéria fora igualmente regulada.

Diante disso, surge a questão: Mesmo sendo limitada a responsabilidade do sócio cooperado, ele responde com seu patrimônio pessoal pelos prejuízos sociais? Os prejuízos sociais podem superar as forças do capital subscrito e alcançar o patrimônio dos sócios cooperados, mesmo no caso de responsabilidade limitada? Pelo CC/02, seriam duas as responsabilidades dos sócios-cooperativados: O sócio responde (1) pelo valor de suas quotas e (2) pelo prejuízo verificado nas operações sociais?

Data máxima vênia existirem posicionamentos contrários, entendemos que a resposta a essa questão somente pode ser um categórico não!

Uma vez limitada a responsabilidade dos sócios, estes respondem, tão somente, com a força do capital subscrito, seja qual for a natureza da dívida, sendo seu patrimônio pessoal intocável.

Resta claro, no dispositivo legal, insculpido no §1º do art. 1.095 do CC/02: “o sócio responde somente pelo valor de suas quotas”. A parte final da norma legal não muda tal fato.

Apesar de mal escrita, o que o legislador pretendeu fora deixar claro que, quando estivermos diante de prejuízos, obrigatório é o rateio proporcional, restando vedado, a contrario sensu, o rateio igualitário dos prejuízos.

O que efetivamente encontra-se regulado no §1º, in fine, do art. 1.095 do CC/02, não é a limitação da responsabilidade, mas, sim, a forma como os prejuízos sociais podem ser, ou não, rateados entre os cooperativados.

Em verdade, em conformidade com o que já era regulado pelos arts. 80, 81 e 89 da lei 5.764/71, restou expresso que, quando estivermos diante de prejuízos, estes somente podem ser rateados de forma proporcional. Diferentemente do que ocorre com as dívidas gerais que podem vir a ser rateadas igualitariamente se assim dispuserem os atos de constituição da cooperativa.

O legislador não alterou as questões ligadas à limitação da responsabilidade. Se tivermos uma responsabilidade limitada, teremos, sempre, o limite do capital subscrito como ponto último de alcance ao patrimônio do sócio-cooperativado.

Assim sendo, uma vez limitada a responsabilidade, responderá o sócio no exato limite do capital subscrito. Esgotado o capital subscrito, nada mais será devido.

Que fique claro: Irrelevante o fato de estarmos diante de dívidas gerais ou prejuízos, nenhum desses débitos poderá alcançar o patrimônio pessoal do cooperativado, quando estivermos diante de responsabilidade limitada.

Diferente situação encontramos quando da responsabilidade ilimitada. Aqui não restam dúvidas, respondem os sócios subsidiária e ilimitadamente com todo o seu patrimônio pessoal pelas dívidas sociais. Ou seja, esgotadas as forças sociais poder-se-á buscar o implemento no patrimônio pessoal dos sócios.

Visto isso, restam duas perguntas a serem respondidas:

Capítulo 4 – da responsabilidade subsidiária

Neste ponto, acreditamos não haver divergência doutrinária e/ou jurisprudencial sobre o tema. A responsabilidade dos sócios-cooperativados será sempre subsidiária, é o que resta claro e inequívoco na norma insculpida no art. 13 da lei 5.764/71:

Art. 13. A responsabilidade do associado para com terceiros, como membro da sociedade, somente poderá ser invocada depois de judicialmente exigida da cooperativa.

Como já dito ao início deste trabalho, aplicar-se-ão às cooperativas, primeiramente, as normas insculpidas no CC/02, em complementação, aplicar-se-á a lei 5.764/71 (naquilo que não confrontar as disposições insertas no CC/02) e, por fim, caso ainda reste omissão legislativa, dever-se-á aplicar as disposições inerentes às sociedades simples (TÍTULO II, SUBTÍTULO II, CAPÍTULO I – art. 997 a 1.038 do CC/02) por expressa previsão legal insculpida na norma do art. 1.096/02.

Assim sendo, como não há no CC/02 norma conflitante, permanece íntegra e vigente a norma insculpida no art. 13 da lei 5.764/71, sendo induvidoso que impossível responsabilizar os sócios de forma direta.

Destaque-se que, mesmo que absurdamente considerássemos que a lei 5.764/71 fora ab-rogada pelo CC/02, ainda assim, a responsabilidade seria subsidiária por força do art. 1.096 c/c art. 1.024, ambos do CC/02.

Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094.

Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Capítulo 5 – da responsabilidade solidária

Somente haverá solidariedade se assim estiver estipulado nos atos constitutivos da sociedade cooperativa.

A lei 5.764/71 nada fala sobre o tema, logo, por força do art. 1.096, do CC/02, aplicável às sociedades cooperativas, a regra insculpida no art. 1.023 c/c art. 265, ambos, também, do CC/02, que deixa clara a possibilidade de responsabilização solidária desde que prevista contratualmente.

Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094.

Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.

Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

Capítulo 6 – Breve resumo

Até o presente momento, extraímos as seguintes conclusões sobre a extensão e limites da responsabilidade do cooperativado.

Primeiramente, vimos que, em sociedades cooperativas, existem duas ordens de despesas: despesas gerais e prejuízos. Vimos que os prejuízos não podem ser rateados igualitariamente entre os cooperados. Devem sempre ser rateados proporcionalmente.

Vimos que as despesas gerais podem ser rateadas igualitariamente, todavia, para que tal fato aconteça, depende de expressa previsão nos atos constitutivos da cooperativa.

Após isso, passamos aos limites da responsabilidade dos cooperativados diante das dívidas (despesas gerais e prejuízos). Neste ponto, observamos que cabe ao ato constitutivo da cooperativa definir se estamos diante de responsabilidade limitada ou responsabilidade ilimitada.

Vimos que a responsabilidade limitada, em sede de sociedades cooperativas, em nada difere da responsabilidade limitada inerente a tipos societários diversos. Sendo limitada a responsabilidade, o sócio-cooperativado responderá pelas dívidas sociais, sejam elas dívidas gerais ou prejuízos, nos exatos limites do capital que subscreveu ou que se obrigou a subscrever.

No caso de restar prevista, nos atos constitutivos da cooperativa, a responsabilidade ilimitada, o sócio-cooperativado responderá com seu patrimônio pessoal sem qualquer limitação, todavia, em proporcionalidade ao percentual de quotas-partes do qual é detentor.

Vimos, também, que a responsabilidade dos sócios-cooperativados é sempre subsidiária. Assim, devem ser esgotadas as forças patrimoniais da sociedade antes de se perquirir se alcançável ou não o patrimônio pessoal dos sócios.

Por fim, concluímos que não há previsão legal que possa impingir aos sócios responderem solidariamente pelas dívidas sociais. Para que haja solidariedade entre os sócios-cooperativados, deverá restar expressamente acordado no âmbito dos atos constitutivos da sociedade cooperativa da qual são membros.

Visto isso, passamos a examinar o caso concreto:

Caso Unimed-Rio Capítulo 7 – Caso Unimed-Rio

Como se pode depreender do que dispõe o estatuto social da sociedade cooperativa em questão (Unimed-Rio), optou-se pela responsabilidade limitada dos sócios-cooperativados, logo, não nos resta dúvidas de que inalcançável o patrimônio pessoal destes por dívidas que ultrapassem o capital subscrito ou o capital ao qual se obrigaram a subscrever. Não importando se estamos diante de despesas gerais ou prejuízos. Seja qual for a rubrica da dívida social, está, o sócio cooperativado, garantido pelo princípio da autonomia patrimonial (princípio segundo o qual a entidade coletiva passa a constituir um centro autonômico de relações jurídicas onde o patrimônio da sociedade não se confunde com o dos seus sócios. Autonomia patrimonial justificada pelas necessidades sociais advindas do desenvolvimento das atividades comerciais).

Vale destacar também que a responsabilidade dos sócios cooperativados da Unimed-Rio, além de limitada, é subsidiária e não solidária, tudo em conformidade com que resta estabelecido no art. 9º, caput e parágrafo único, dos atos constitutivos da referida sociedade cooperativa. Norma abaixo transcrita:

Art. 9º - O cooperado responde subsidiariamente pelas obrigações contraídas pela Cooperativa perante terceiros, até o limite do valor das quotas-partes do capital que subscreveu e o montante das perdas que lhe caibam, na proporção do valor dos atos médicos que houver realizado com a Cooperativa, perdurando essa responsabilidade até quando forem aprovadas pela Assembleia Geral as contas do exercício em que se deu a sua retirada da Cooperativa.

PARÁGRAFO ÚNICO – A responsabilidade do cooperado somente poderá ser invocada depois de judicialmente exigida a da Cooperativa.

Vale observar que uma leitura apressada do caput dará a falsa impressão de alargamento da responsabilidade do cooperado (O cooperado responde subsidiariamente pelas obrigações contraídas pela cooperativa perante terceiros, até o limite do valor das quotas-partes do capital que subscreveu e o montante das perdas que lhe caibam...), fazendo crer que eventuais perdas sociais possam ultrapassar o capital subscrito. Pensar assim seria desvirtuar o instituto da responsabilidade limitada e desprezar o princípio da autonomia patrimonial. Em verdade, seria o mesmo que dizer que temos uma responsabilidade limitada-ilimitada. Nada mais absurdo.

Diante disso, entendemos que o dispositivo inserto no ato de constituição deve ser interpretado em consonância com a legislação vigente, sob pena de figurar como ilegal e, por consequência, nulo.

Assim, não nos restam dúvidas de que o sócio-cooperado é efetivamente responsável pelas perdas sociais, todavia, sua responsabilidade encontra-se limitada ao capital suscrito.

Resta então saber. Está o médico cooperativado obrigado a realizar pagamentos de dívidas sociais que exorbitem a força do capital por ele subscrito?

Entendemos que a regra geral é não.

Cabe ao cooperativado a opção de se retirar da sociedade, levantando o capital por ele subscrito, descontadas as dívidas sociais que lhe são inerentes (despesas gerais e prejuízos). Caso as dívidas sejam superiores ao capital subscrito, nada poderá levantar, pois o saldo será negativo. Mas, devemos deixar claro que, ante a responsabilidade limitada acordada quando da constituição da sociedade cooperativa, seu patrimônio pessoal não poderá ser alcançado por este saldo negativo eventualmente existente.

A solução do problema parece simples, todavia, verificamos que as decisões jurisprudenciais são vacilantes e não enfrentam diretamente o tema da limitação da responsabilidade. Razão da necessidade do presente estudo.

Verificamos que o que hoje acontece com a Unimed-Rio já aconteceu com Unimed's de outras regiões. Em tais regiões, instauraram-se processos judiciais de duas ordens: (1) processos de cobrança da Unimed's em face dos médicos-cooperados, onde se pleiteia quantia inerente ao rateio das dívidas sociais, e (2) processos dos médicos-cooperativados requerendo a saída dos quadros sociais e pleiteando o ressarcimento do capital subscrito.

Basicamente, são estes os tipos de demandas existentes no judiciário sobre o caso. Ocorre, contudo, que, em nenhum dos casos por nós vistos, a questão da responsabilidade limitada do sócio cooperativado fora realmente enfrentada. O que se figura presente nestes processos é, sempre, uma discussão sobre as contas apresentadas pela Unimed's, sendo os autos enviados aos peritos para que se manifestem sobre as contas apresentadas, se válido ou não o rateio realizado. Todavia, acreditamos que antes de se verificar qualquer conta de dívidas e prejuízos e seu respectivo rateio, o que se deve estabelecer, prima facie, é a limitação da responsabilidade do cooperado. Ou seja, (1) deve ser declarada a responsabilidade limitada que resguarda o sócio-cooperado, (2) verificar qual o montante atualizado do capital subscrito, (3) verificar quais as dívidas sociais que cabem ao médico cooperativado e que serão suportadas no limite do capital por ele subscrito. Nessa ordem. Somente após verificados estes pontos, é que poderá o juízo emitir decisão de mérito sobre o processo.

Mas, independentemente da conclusão inerente ao saldo final apurado, certo é que o médico-cooperado não pode ter seu patrimônio pessoal alcançado pelas dívidas sociais da sociedade cooperativa, pois, protegido pelo princípio da autonomia patrimonial inerente à responsabilidade limitada que lhe ampara. Quando muito perderá o capital subscrito, mas, nada, além disso, pode ser alcançado.

___________

1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

2 Brasília, DF: Senado, 1988.

3 Código Civil. Exposição de motivos e texto sancionado por Jorge Bornhausen. 1ª ed. Brasília: Senado Federal, 2002.

4 Lei n° 5.764 de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 dez. 1971. Disponível em: Acesso em: 17 mar. 2009.

5 BULGARELLI, Valdírio. Sociedades Comerciais: sociedades civis e sociedades cooperativas, empresas e estabelecimento comercial. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. (A).

6 Valdírio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. (B).

7 Valdírio. Elaboração do direito cooperativo. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1967.

8 CAMPOS, Armando. Plexo Normativo das Cooperativas de Crédito. 1ª ed. Brasília: OAB, 2003.

9 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

10 CRUZ, Sérgio Paulo Alves da. Cooperativismo: a filosofia cooperativista e o cooperativismo no Brasil e no mundo. 1ªed. Rio de Janeiro: COP, 2002.

11 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de empresa. 2ª ed.

12 São Paulo: Saraiva, 2009.

13 FRANKE, Walmor. Direito das Sociedades Cooperativas: direito cooperativo. 1ª ed. São Paulo: Universidade, 1973.

14 POLONIO, Wilson Alves. Manual das Sociedades Cooperativas. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

15 RICCIARDI. Luiz Pedro Pedroso; LEMOS. Roberto Jenkins de. Administração de Cooperativas. 1ª ed. Vitória: Ocees, 1995.

16 Cooperativa, a empresa do século XXI: Como os países em desenvolvimento podem chegar a desenvolvidos. 1ª ed. São Paulo: LTr, 2000.

17 RIZZARDO. Arnaldo. Direito de Empresa: Lei n° 10.406, de 10.01.2002. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

18 SILVA. Claudemir. Dissolução e liquidação de cooperativas: conhecendo para evitar. 1ª ed. Goiânia: Bandeirante, 2001.

Vitor Hugo Lopes
Advogado. Empresário. Pós-Graduado em Direito Empresarial e Direito Imobiliário. MBA em Gestão Jurídica na área da saúde e hospitalar. Sócio fundador do Vitor Hugo Lopes Advogados Associados.

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