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O imposto mínimo para milionários e os reflexos da tributação sobre fortunas no Brasil

Brasil avalia imposto mínimo para milionários entre 12% e 15%, visando maior arrecadação. Contudo, é preciso cautela para preservar a competitividade e evitar impactos negativos na economia.

15/10/2024

Como divulgado amplamente pela mídia, o Governo brasileiro avalia a criação de um imposto mínimo para pessoas físicas com renda superior a R$ 1 milhão, com alíquotas, ainda a serem definidas, entre 12% e 15% sobre a renda auferida.

A medida é vista pelos membros do time do ministro Fernando Haddad como contrapartida para compensar o aumento da faixa de isenção do IRPF - Imposto de Renda da Pessoa Física para R$ 5 mil, conforme prometido durante a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, valores abaixo de dois salários mínimos (R$ 2.824,00) são isentos de tributação.

O imposto mínimo sobre a renda dos milionários é tratado pelo governo como uma forma de alcançar, na pratica, as rendas que hoje são consideradas como isentas entre brasileiros mais abastados. Segundo Adriana Fernandes, jornalista da Folha, “o custo de corrigir a faixa de isenção do IRPF para R$ 5 mil poderia chegar a R$ 50 bilhões”.

A sistemática para o novo imposto se daria da seguinte maneira: compara-se o valor que seria devido com base no imposto mínimo, considerando toda a renda anual da pessoa física, considerando os ganhos de aplicações financeiras, salários, lucros e dividendos, com o valor no qual foi recolhido de acordo sistema atual. Caso o montante recolhido seja inferior ao mínimo exigido, o contribuinte deverá recolher a diferença no ajuste do Imposto de Renda aplicando à alíquota – ainda a ser definida – de 12% a 15%.

A proposta reforça a tendência do atual governo em focar na tributação das classes com maior capacidade contributiva para sustentar o orçamento fiscal.

Estima-se que existam cerca 250 mil brasileiros com renda anual acima de R$ 1 milhão e, segundo o Relatório Global Wealth 2024 do banco UBS, há cerca de 380.585 brasileiros com patrimônio acima de US$ 1 milhão, números que podem crescer para 463.797 nos próximos anos.

Ainda, de acordo com o UBS, há uma perspectiva de que, globalmente, US$ 83 bilhões em recursos e bens dos titulares sejam transferidos para as próximas gerações (sucessores) pelos próximos 20 a 25 anos. No Brasil, já se nota um movimento de reorganização patrimonial diante das potencias investidas do governo para alcançar a renda e o patrimônio dos contribuintes, através de alterações na legislação tributária vigente . Mudanças que visam incluir o Brasil em um cenário mais amplo de alcance global na tributação de patrimônio e renda.

Cenário esse que já engloba mudanças como a progressividade da alíquota do Imposto sobre ITCMD  - Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, o novo RERCT - Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, a tributação das offshores e fundos exclusivos, a possível tributação de lucros e dividendos ou um imposto sobre as grandes fortunas, dentre outros movimentos.

No campo corporativo, as empresas também não passam despercebidas. O governo estuda também a limitação da dedutibilidade do JCP - Juros Sobre o Capital Próprio, a adição dos incentivos fiscais a título de subvenções para investimento no cômputo das receitas tributadas, o adicional da CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido voltado as grandes multinacionais, além do voto de qualidade no CARF. Todas essas medidas visam equilibrar as contas públicas, em especial, diante da meta de cumprir, ainda, em 2024 com o déficit primário zerado.

No entanto, de acordo com o TCU - Tribunal de Contas da Uniao, existe o risco de não cumprimento da meta. Em setembro de 2024, a unidade de auditoria Especializada em AudFiscal -Orçamento, Tributação e Gestão Fiscal relatou incertezas quanto ao não atingimento da meta fiscal do exercício financeiro de 2024, considerando, a incerteza que gira em torno da estimativa de receita oriunda do voto de qualidade do CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, alertando sobre o potencial impacto de eventual frustração dessa receita no resultado primário e a baixa arrecadação observada até então.

Mesmo diante do cenário de incertezas, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães afirmou em entrevista coletiva sobre o relatório de avaliação de receitas e despesas primárias do 4° bimestre 2024, que a meta será cumprida, “usando todos os instrumentos possíveis”. A LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias e o novo arcabouço fiscal estipulam, para 2024, uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB - Produto Interno Bruto permitindo que o governo feche o ano com um déficit de até R$ 28,75 bilhões. No entanto, no boletim RTN - Resultado do Tesouro Nacional de agosto, foi divulgado que a receita líquida acumulada alcançou R$ 1,384 trilhão enquanto a despesa totalizou R$ 1,484 trilhão, apresentando um déficit de R$ 99,997 bilhões no acumulado, ainda muito distante da meta estipulada de até R$ 28,75 bilhões.

Portanto, embora o governo esteja buscando aumentar a arrecadação e justificar seus atos na justiça social, poderá causar diversos impactos a longo dos anos na sociedade brasileira.

De acordo com estudo elaborado pelo banco mundial, a tributação de grandes fortunas pode não ter o resultado desejado, como já visto em países com economia mais expressiva que a brasileira. Para os pesquisadores, uma tributação do patrimônio dos super ricos na América Latina teria uma arrecadação ínfima de apenas 0,1% do PIB da região, sem levar em consideração potencias fugas de capital.

Para o Banco Mundial, o calcanhar de aquiles de políticas tributárias como essa é justamente a facilidade que os cidadãos, detentores de grandes patrimônios, têm em deslocar seu patrimônio pelas diversas fronteiras de paraísos fiscais. “Os paraísos fiscais, que oferecem impostos mínimos ou inexistentes sobre a riqueza, sigilo e regulamentações frouxas, agravam ainda mais esse problema. A capacidade de realocar riqueza líquida representa um risco substancial de evasão e elisão fiscal.”

No Brasil, a tendência é exatamente essa. Em uma pesquisa elaborada pela empresa de consultoria Henley & Partners, estima-se que o Brasil perderá 800 milionários ao final de 2024. Segundo o estudo, “A migração de milionários serve como um indicador chave da saúde econômica e estabilidade geral de um país. Quando indivíduos de alto patrimônio líquido saem em números significativos, isso pode sinalizar problemas subjacentes, como instabilidade política, políticas fiscais desfavoráveis ou incerteza econômica no país de origem.”

Muitos desses indivíduos, especialmente empreendedores e fundadores de empresas, começam novos negócios em seus países de destino, criando empregos e impulsionando a economia local. Milionários também contribuem para os mercados de ações por meio de investimentos em ações e listagens públicas de suas empresas. Seu poder de consumo estimula a criação de empregos em setores de alto valor, como bens de luxo, tecnologia e imóveis. Além disso, empresas fundadas por milionários têm um impacto positivo sociedade como um todo, ao gerar grandes números de empregos.

Embora o governo busque aumentar a arrecadação e promover a justiça social, a imposição fiscal de tributos mais elevado sobre grandes riquezas pode gerar efeitos contrários ao esperado. Onerar a carga tributária sobre grandes fortunas poderá resultar na redução da base arrecadatória, além de incentivar a fuga de talentos e investimentos que, em outros contextos, poderiam impulsionar o crescimento econômico. O desafio, portanto, será equilibrar a necessidade de aumentar as receitas preservando a competitividade do país, garantindo a confiança dos investidores e evitando, impactos negativos a longo prazo sobre a economia nacional.

Pedro Henrique Vasconcellos Moraes
Advogado da área de Consultoria Tributária do Azevedo Sette Advogados.

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