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A obrigatoriedade da prestação de contas na alienação fiduciária

O decreto-lei 911/69, que regulamenta a alienação fiduciária, prevê a obrigatoriedade da prestação de contas por parte do credor fiduciário após a venda do bem alienado.

10/10/2024

Introdução:

O Decreto-lei 911/69 regulamenta a alienação fiduciária, um mecanismo que permite ao credor adquirir o domínio resolúvel de um bem móvel como garantia de pagamento de uma dívida. Em caso de inadimplência, o credor pode vender o bem para quitar o débito. No entanto, a lei exige a prestação de contas detalhada sobre essa venda, o que muitas vezes é negligenciado pelas instituições financeiras.

A obrigatoriedade da prestação de contas:

O art. 2º do Decreto-lei 911/69 determina que, após a venda do bem, o credor fiduciário deve prestar contas ao devedor, discriminando o valor da venda, as despesas relacionadas e o saldo remanescente, se houver. Essa obrigação visa garantir a transparência do processo e proteger o devedor de eventuais abusos.

Consequências jurídicas do não cumprimento:

O não cumprimento da obrigação de prestar contas pode gerar diversas consequências para o credor fiduciário. O devedor pode ingressar com uma ação judicial para exigir a prestação de contas e, caso seja comprovado que o credor agiu de má-fé ou obteve lucro indevido, poderá ser condenado a indenizar o devedor por perdas e danos.

Além disso, a falta de prestação de contas pode configurar crime de apropriação indébita, previsto no art. 168 do Código Penal, com pena de reclusão de um a quatro anos e multa.

Jurisprudência:

A jurisprudência brasileira tem se manifestado de forma contundente sobre a obrigatoriedade da prestação de contas na alienação fiduciária. Diversos tribunais têm decidido que a falta de prestação de contas configura ato ilícito, passível de indenização por danos materiais e morais.

Vejamos alguns dos mais recentes julgados pelos nossos Tribunais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS, QUE JULGA PROCEDENTE PRIMEIRA FASE - INTERESSE DE AGIR VERIFICADO, DECORRENTE DE DISPOSITIVO DE LEI - INCIDÊNCIA DO DEC - LEI 911/69, ART. 2º, "CAPUT" - PRETENSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS QUE ENVOLVE EVENTUAL CRÉDITO ORIGINADO DA VENDA DE VEÍCULO APREENDIDO NOS AUTOS DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - PRECEDENTES DESTE E. TJSP - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO, COM DETERMINAÇÃO. (TJSP - AI 2340750-34.2023.8.26.0000 - Matão - 34ª CDPriv. - Relª Cristina Zucchi - DJe 24.05.2024 ).

APELAÇÃO - AÇÃO DE EXIGIR CONTAS - BUSCA E APREENSÃO - PRIMEIRA FASE - Pretensão voltada à prestação de contas relativas à venda de bem apreendido por força de alienação fiduciária em garantia. Decisão de primeira fase nomeada de sentença que julgou procedente o pedido inicial, nos termos do art. 550 § 5º, do CPC. Conhecimento do recurso pelo princípio da fungibilidade. Prestação de contas devida. Inteligência do art. 2º, caput, do Decreto-lei 911/69 . Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP - AC 1020058-08.2023.8.26.0032 - Araçatuba - 33ª CDPriv. - Relª Carmen Lucia da Silva - DJe 02.05.2024 )

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXIGIR CONTAS - PRIMEIRA FASE - Determinação para que a instituição financeira preste contas da venda de veículo apreendido em ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária em garantia - Interesse processual configurado - Adequação da ação de exigir contas - Obrigação de prestar as contas, que decorre da parte final do art. 2 º, do Decreto-lei 911/69 - Hipótese em que não se busca a prestação de contas de contrato de mútuo, em si considerado, situação que não se subsome à tese fixada pelo C. STJ, no tema 528 - Decisão mantida - Improvido o agravo. (TJSP - AI 2057017-23.2024.8.26.0000 - São Paulo - 25ª CD.Priv. - Rel. João Antunes - DJe 17.06.2024 )

Conclusão:

A prestação de contas na alienação fiduciária é uma obrigação legal e moral do credor fiduciário. O não cumprimento dessa obrigação pode gerar graves consequências jurídicas, incluindo a indenização por perdas e danos e a responsabilização criminal. É fundamental que as instituições financeiras estejam atentas a essa exigência, a fim de garantir a transparência e a legalidade do processo de alienação fiduciária.

Marcelo Passiani
Advogado, Professor de pós-graduação em Direito na FMU, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Penal, Mestre em Direito Constitucional, Discente em Psicologia; Sócio Sênior da Passiani Advogados.

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