Inicialmente, para se conseguir avaliar qual a melhor forma de governo para determinado país, faz-se necessária uma análise histórica e teleológica das diferentes teorias e tipologias, descritas por juristas e filósofos ao longo dos anos. Isto é, a distinção entre a aceitação de uma democracia, oligarquia ou monarquia perpassa por uma análise multifacetária. Destarte. cada análise axiológica tem o condão de priorizar o contexto socioeconômico e cultural que uma nação pode estar vivenciando. Nessa linha, para exemplificar, mencionam-se os juristas Platão, Maquiavel, Montesquieu, uma vez que trouxeram ideias complementares e inovadoras para a sociedade no qual viveram.
Nessa perspectiva, o filósofo Platão, em sua obra “O político e as leis”, acreditava que a monarquia, a aristocracia e democracia eram oriundas das paixões dos homens, sendo que as formas de Estado em si poderiam ser consideradas uma verdadeira utopia. Nessa toada, pode-se inferir que cada uma acompanhava um determinado tipo de lei suprema, na medida que surgiam as necessidades mais prementes dos governantes e da população. Além disso, para tentar explicar esse pensamento pessimista deste doutrinador, sabe-se que vivia a decadência de Atenas, após todas as crises e guerras ocorridas entre estados, com arrefecimentos orçamentários excessivos.
Outrossim, após a teoria das três formas de governo de Platão, tem-se a teoria da bipartição ou Estado misto, descrita pelo filósofo político Nicolau Maquiavel. Explicando melhor, poderiam coexistir a monarquia com o governo de um só e a república com a discricionariedade do coletivo. Nesse diapasão, Maquiavel não acreditava que poderia haver Estados intermediários, entre a monarquia e a república, pois causaria instabilidade e crise na governabilidade. Nessa linha de pensamento, com o sistema bipartite, com o passar dos tempos, a monarquia cederia lugar a república e vice-versa. Nessa linha de pensamento, o sucesso de um Estado se pautava na preservação temporal e mandamental, pois a estabilidade jurídica se tornara imprescindível. Por conseguinte, a seguinte frase: “Os fins justificam os meios”, encaixa-se na situação transformadora que a Europa vivia nessa época. Ou seja, acontecia a queda do Império Romano e o surgimento do Estado moderno e muitos aceitavam a reengenharia de valores para a imposição estrutural do Estado.
Para complementar o estudo das diversas teorias do Estado e suas decorrências para com as manifestações da contemporaneidade, citam-se as contribuições do doutrinador Montesquieu e sua notável manifestação sobre “freios e contrapesos”. Nessa seara, este teórico acreditava que a causa da criação de leis e sanções era a desobediência das leis naturais do homem (jusnaturalismo). Porquanto, em sua obra “A teoria da sociedade”, existiam três tipos de formas de Estado: a monarquia, a república e o despotismo (ausência de leis). Ademais, era imperativo a separação de poderes, com o intuito de se manter o equilíbrio funcional entre a criação de leis, a execução destas e a função jurisdicional.
Depois de descortinar os diversos pensamentos sobre os principais pensamentos sobre as diversas formas de governo, é mister tratar da situação jurídica sui generis brasileira, repensando as prerrogativas e as sujeições inerentes a cada fase de governo. Nesse contexto, o Brasil vivenciou o regime monárquico por 67 anos, desde a independência, em 7/9/22, até a Proclamação da República, em 15/11/89. A partir de 1847, a monarquia brasileira adotou o parlamentarismo, modelo que perdurou até 1889. Com a instauração da república, em 1889, o Brasil adotou o presidencialismo como sistema de governo, modelo que se mantém até os dias atuais, com exceção de um breve período parlamentarista entre 1961 e 1963. Por conseguinte, após tantas crises socioeconômicas descritas na história, iniciou-se o questionamento a respeito da escolha da melhor forma de governo para o Brasil, trazendo à tona a possibilidade de utilizar um Plebiscito para preservar a opinião da maioria da população.
Consequentemente, em 1993, por meio de uma consulta popular, permitida pelo 2ª ADCT, utilizou-se do plebiscito para perguntar aos cidadãos qual a melhor forma de governo: monarquia ou presidencialismo. Naquela época, a grande maioria escolheu a permanência da monarquia, uma vez que havia um certo temor de trazer um direito divino monárquico a realidade de caos econômico e social no qual o país perpassava. Assim, com o passar dos tempos, vieram os Impeachment de alguns presidentes brasileiros, repercutindo na posição de alguns juristas em contestar o presidencialismo novamente. Todavia, a problemática insurgiu a respeito da conjugação do sistema monarquia e parlamentarismo inspirado no modelo europeu.
Outrossim, surgiu a ideia intermediária do semipresidencialismo, intitulada pelos ministros do STF Barroso e Gilmar Mendes, com o intuito de se estabilizar a democracia, diante dos recorrentes impeachments e crises institucionais recorrentes. Segundo o ministro Gilmar Mendes, “A grave crise institucional que hoje atormenta o país não deixa dúvida que é primordial repensar as formas pelas quais o Estado brasileiro é regido. Temos tido várias falhas na governança e na governabilidade. Um exemplo claro disso é o fato de que, dos cinco presidentes eleitos desde a redemocratização, apenas três conseguiram terminar os mandatos sem serem destituídos do cargo”.
Para complementar o raciocínio, sabe-se que a forma de governo, descrita pela CF/88 não é considerada cláusula pétrea, podendo ser modificada por PEC - Projeto de Emenda Constitucional, com respeito aos requisitos intrínsecos constitucionais. Nesse viés, em 2024, por meio do Portal Cidadania, um cidadão brasileiro e trinta mil apoiadores cogitaram a propositura de um novo plebiscito em 2026, com a finalidade de questionar novamente a escolha entre o parlamentarismo e o presidencialismo. Diante disso, a ideia do parlamentarismo brasileiro origina-se do eficiente padrão espanhol, inglês e dinamarquês de governabilidade, cuja teleologia favorece a estabilidade institucional e a autonomia dos partidos escolhidos pelo povo. Entretanto, mais uma vez, interpela-se se é econômica e culturalmente viável tal mudança e se isso conseguirá arrefecer as recorrentes crises do poder executivo.
Diante do exposto, é incontroverso que a utilização copiosa de formas de Estado com origem europeia, sem a avaliação multifacetária pode acarretar prejuízos irreparáveis na governabilidade. Conquanto, continuar com o atual sistema presidencialista sem a reengenharia necessária a evolução do Brasil, implica em manutenção do ciclo impeachment e sucessão temporária e insegurança jurídica. Se o plebiscito for aprovado para 2026, o sufrágio universal e o pleito poderão trazer surpresas para a sociedade brasileira.
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1 Benevides, Maria Victoria (Abril 1993). O plebiscito de 1993 à luz do precedente de 1963. Lua Nova. doi:10.1590/S0102-64451993000100004. Consultado em 1 de maio de 2024
2 Bobbio, N (2013). A teoria das formas de governo e a história do pensamento político. México D. F.: Fundo de cultura econômica.
3 Época - EDG ARTIGO IMPRIMIR - Os presidentes do Brasil e a evolução do presidencialismo no país. revistaepoca.globo.com. Consultado em 26 de dezembro de 2022
4 Figueiredo, Marcus (1993). Os plebiscitos de 1963 e 1993 e a participação eleitoral. Opinião Pública.
5 Maduro, Lídice (1988). Parlamentarismo no Brasil: experiência histórica. Revista de Ciência Política
6 Maquiavel, N. (1971). Obras políticas. La Habana: Instituto Cubano del Libro (31): 91
7 Montesquieu. (1977). O espírito das leis. México: Porrua
8 O presidencialismo de coalizão. Congresso em Foco. 29 de julho de 2013. Consultado em 26 de dezembro de 2022.
9 PEC Gilmar Mendes (PDF). JOTA. Consultado em 15 de novembro de 2021
10 Plebiscito de 1993. Tribunal Superior Eleitoral. Consultado em 1 de maio de 2024
11 PLATÃO. (1993). A República. 7. ed. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
12 Semipresidencialismo reduziria "toma lá da cá", diz deputado autor de PEC. Congresso em Foco. 19 de julho de 2021. Consultado em 16 de novembro de 2021