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Um é pouco, dois é bom, três é demais? Para se requerer exame de um pedido de patente, três anos é muito melhor

Estudo sobre o Objetivo Estratégico 1, do plano estratégico 2023-2026 do INPI, e, sua implementação através do Substitutivo ao Projeto de lei 2.210/22, de autoria do Senador Jacques Wagner (PT/BA), proposto perante a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal.

7/10/2024

1.Introdução

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), criado pela lei 5.648/1970, é uma das mais importantes e eficientes autarquias nacionais de patentes do mundo. Dados de 2021 e 2022, publicados pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), demonstram que o Brasil foi um dos poucos países a reduzir o estoque de pedidos de patente aguardando decisão (backlog), com 10,9% de redução, significativamente mais que o Japão (6,8%), a Federação Russa (5,7%) e o Reino Unido (5,6%)[1].

Durante décadas o INPI enfrentou dificuldades para cumprir sua importante função institucional. O atraso na decisão dos pedidos de patente (pendency) impactou negativamente o sistema de patentes brasileiro. Entretanto, nos últimos anos a situação melhorou. O Plano de Combate ao Backlog (Plano), implementado pelo INPI em julho de 2019 com a publicação das resoluções INPI/PR 240 e 241, mudou o cenário de atraso do INPI. O tempo de exame, que chegava a mais de 14 anos para tecnologias com maior demanda, foi reduzido para uma média de 5 anos e 10 meses, também contados da data do depósito do pedido de patente no INPI[2].

O Plano Estratégico 2023-2026 do INPI, assim como o Plano de Ação 2024, elaborado para executá-lo, destacam indicadores e metas de desempenho para os objetivos estratégicos[3], [4]. Entre os indicadores de desempenho se encontra o tempo de decisão de exame técnico de pedidos de patente, contados da data do depósito do pedido[5]. A princípio, o INPI estabeleceu como metas para 2023 e 2024 o tempo de decisão de 6,5 e 4,5 anos, respectivamente[6]. O tempo médio de decisão em 2023 foi de 4,7 anos, demonstrando que o INPI obteve um resultado melhor que a meta estabelecida e que tem capacidade para cumprir a meta em 2024.

O INPI busca agora reduzir para até dois anos o tempo para decidir um pedido de patente, contados da data de depósito até a data da decisão em primeira instância. Essa é uma das metas previstas no Plano Estratégico 2023-2026 do INPI, dentro do Objetivo Estratégico 1: Otimizar qualidade e agilidade na concessão e registro de direitos de propriedade industrial, alcançando padrões de desempenho de referência internacional.

A redução do tempo para a decisão de um pedido de patente no Brasil está relacionada com diversas ações de governo implementadas a partir de 2019. A mais recente é o Projeto de Lei 2.210/22, cujo Substitutivo, de autoria do Senador Jacques Wagner (PT/BA), proposto perante a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal em 8 de abril de 2024, foi aprovado na CRE no dia 18 de abril, 10 dias depois da sua apresentação (doravante Substitutivo)[7]. O texto do Substitutivo sugere mudanças nos arts. 32 e 33 da Lei nº 9.279/1996 – Lei da Propriedade Industrial (LPI)[8].

Os titulares de patente são contra o Substitutivo, conforme as respostas oferecidas para a Tomada Pública de Subsídios nº 1 (TPS), que o INPI realizou em 2023, especificamente para consulta à sociedade sobre alterações nos artigos 32 e 33 da LPI[9]. Todos os depositantes de pedidos de patente e titulares de patentes em vigor se mostraram contra qualquer alteração do prazo de 36 meses para a apresentação do requerimento de exame[10]. O fundamento da opinião dos respondentes, contra qualquer alteração no prazo de 36 meses, é o entendimento do INPI de que este prazo é limitador da possibilidade de realização de alterações voluntárias no pedido de patente.

O INPI promoveu a TPS, publicou os resultados, e agora busca implementar alteração na LPI diametralmente oposta às respostas que recebeu dos usuários do sistema de patentes brasileiro.

A importância do prazo de 36 meses garantidos pelo art. 33 da LPI, imprescindível para os usuários do sistema de patentes brasileiro, é comprovada através do estudo realizado com 45.151 pedidos de patente nacionais, CUP e PCT depositados entre 2017 e 2024. Quase todos foram modificados entre o depósito, ou a entrada na fase nacional, e o requerimento de exame, utilizando o prazo garantido pelo art. 33. Dos 45.151 pedidos, 42.762 são PCTs. Para 84,81% destes, o requerimento de exame foi feito entre 30-36 meses contados do depósito (mais detalhes do estudo são apresentados adiante).

Diante do resultado do estudo está demonstrado que suprimir o prazo de 36 meses prejudica os depositantes, pois limita ainda mais a possibilidade de se apresentar emendas ao pedido durante seu processamento, retirando mais oportunidades para que os depositantes amadureçam suas invenções, tanto do ponto de vista técnico, quanto mercadológico.

Alterações no sistema brasileiro de patentes devem considerar o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, conforme os ditames constitucionais. Isso significa adotar medidas que beneficiem os inventores e empresas inovadoras nacionais, que investem em pesquisa e desenvolvimento e utilizam o sistema de patentes, em um ciclo virtuoso da inovação suscetível de ser aproveitada por toda sociedade. Entretanto, conforme aqui demonstrado, a meta perseguida pelo INPI dentro do Objetivo Estratégico 1 do Plano Estratégico 2023-2026 da Autarquia e o Substitutivo contrariam os ditames constitucionais, em direta oposição aos interesses dos inventores e empresas inovadoras nacionais. Não é de se estranhar que apenas a indústria de medicamentos genéricos apoie a meta do INPI.

2. A origem da sugestão de se alterar os artigos 32 e 33 da LPI

Em 2022 foi criado um grupo técnico no âmbito do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI), através da Resolução GIPI/ME nº 3/2022, com o objetivo de avaliar o arcabouço regulatório e legal existente sobre propriedade intelectual[11]. Durante as discussões, uma série de propostas com viés anti-patentes foram apresentadas. Essas propostas foram documentadas em um Relatório Final, compartilhado com os membros do GIPI em fevereiro de 2023, e apresentado em junho de 2023 durante a 2ª Reunião Ordinária do GIPI.

Durante a 1ª Reunião Ordinária do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI), realizada em 19 de abril de 2023, o INPI apresentou uma proposta de redução dos prazos de exame, alegadamente calcada em demanda do Vice-Presidente da República e Ministro à frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, de reduzir o tempo de decisão dos pedidos de patente para dois anos, conforme divulgação em 4 de janeiro de 2023[12], [13]. Em nenhum momento foi demandado publicamente que os dois anos deveriam ser contados da data de depósito do pedido, e não do requerimento de exame. Também não há qualquer evidência ou registro de que os participantes da 1ª Reunião Ordinária do GIPI sequer sabiam identificar a diferença entre data do depósito de um pedido de patente e data do requerimento do seu exame substantivo, para os fins da contagem de prazo[14].

A decisão de realizar a TPS foi tomada durante a 2ª Reunião Ordinária do GIPI, em 28 de junho de 2023[15]. Na reunião, Júlio César Moreira, então Presidente interino do INPI, propôs alterar, ou mesmo suprimir, o prazo estabelecido no art. 33 da LPI para “promover a agilidade e qualidade necessária nas decisões de patentes”.  Segundo o INPI, a medida levaria à redução do tempo para decidir os pedidos de patente e da burocracia.

O INPI justificou a necessidade de reduzir o prazo de 36 meses com a preocupação de que examinadores de divisões técnicas com pouco backlog em breve ficassem ociosos[16]. A redução do prazo garantiria que esses examinadores tivessem pedidos para examinar e permitiria que as decisões proferidas em menos tempo.

Portanto, as ações do INPI no âmbito do GIPI demonstram o apoio da Autarquia às iniciativas de reduzir o prazo para decisões de pedidos de patente, a partir de alterações nos textos dos arts. 32 e 33, nos moldes do Substitutivo apresentado ao PL 2.210/2022.

3. Mais rapidez não significa mais qualidade: a inteligência do atual sistema

Examinar um pedido de patente em até dois anos contados da data de depósito não é um padrão de desempenho de referência internacional. Nenhuma das cinco maiores autarquias consideradas como referência no mundo (reunidas no foro denominado IP5) implementa um exame tão rápido[17]. O motivo é simples: o prazo é muito exíguo para que os inventores e depositantes tenham tempo de corrigir e aperfeiçoar os pedidos de patente. Ademais, não se conhece estudo que demonstre qualquer vantagem para o sistema de patentes, inventores ou depositantes.

No sistema em vigor desde 1997, o depositante tem até 36 meses para solicitar o requerimento de exame. Assim, se a invenção não tiver potencial de mercado, economiza-se dinheiro e tempo ao evitar a taxa de requerimento de exame e, a carga de trabalho desnecessária para os examinadores de patentes do INPI. Esses 36 meses também são essenciais para ajustar as reivindicações do pedido através de emendas voluntárias, à luz do que foi originalmente nele revelado.

O tempo que uma autarquia leva para decidir um pedido de patente sempre foi objeto de interesse de diversos foros sobre patente. Um exemplo é a “proposta básica” apresentada pelo Comitê de Peritos da OMPI para um Tratado Complementar à Convenção de Paris, objeto de discussão na Conferência Diplomática de 1991 em Haia[18]. O art. 16 daquele documento já propunha tempo para busca e exame substantivo e determinava que o prazo para requerimento de exame seria de três anos do depósito do pedido para os países que adotavam o exame substantivo, como o Brasil. Tão logo requerido seria iniciado o exame, com decisão final o mais tardar em dois anos após o seu início. O sistema de exame diferido no tempo é o padrão no mundo, e no Brasil, onde a LPI implementou a “proposta básica” em relação ao prazo do requerimento de exame, ao modificar o art. 18, § 1º da Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971, que definia o prazo de 24 meses após a publicação[19].

Na alteração do art. 33 da LPI proposta no Substitutivo o depositante pode requerer o diferimento do exame em até 36 meses da data de depósito, desde que o faça até a data de seu início. Caso contrário, o exame pode ser realizado pelo INPI sem solicitação do depositante, a partir do momento da publicação do pedido. Ou seja, o Substitutivo altera severamente o PL 2.210/2022 originalmente apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados, para implementar o Plano Estratégico 2023-2026 do INPI.

A diminuição drástica do tempo para o exame de um pedido de patente, associada à limitação brasileira que proíbe corrigir ou aperfeiçoar um pedido de patente após requerido o seu exame substantivo, vai acarretar, de um lado, o indeferimento de um percentual maior de pedidos de patentes depositados no INPI, e, de outro lado, talvez até paradoxalmente, a concessão de patentes de menor qualidade. Uma maior judicialização, portanto, também deverá ocorrer. Com o passar do tempo, é de esperar ou uma diminuição no número de depósitos de pedidos de patente no país, ou um aumento de pedidos de menor qualidade.

Apenas os Estados Unidos (EUA) e um pequeno número de países não concedem prazo para o depositante do pedido decidir pelo requerimento de exame. O sistema de patentes dos EUA não causa impacto negativo aos depositantes, visto que não há qualquer restrição para se modificar o pedido — sem adição de matéria, especialmente nas reivindicações — durante todo seu processamento. Ademais, os EUA contam com um sistema de prioridade interna conhecido como continuation e continuation in part applications, que permite mais flexibilidade do que o exame diferido, a prioridade múltipla e a divisão de pedidos. Isto posto, embora diferente, o sistema de patentes dos EUA concede as mesmas garantias do art. 33 da LPI.

Clique aqui e leia a íntegra doa artigo. 

Cátia Gentil
Co-Head de Patentes. Iniciou sua carreira como examinadora de patentes no INPI, ascendendo a cargos de liderança como Coordenadora-Geral do Tratado de Cooperação de Patentes (PCT) de 2010 a 2020, e Chefe do Conselho de Recursos Administrativos e Procedimentos de Nulidade. Ela desempenhou um papel relevante na formulação das regulamentações da Lei nº 9.279/1996 e representou o país na OMPI de 2007 a 2019.

Otavio Beaklini
Co-Head de Patentes. Iniciou sua carreira como examinador de patentes no INPI, onde atuou em cargos de liderança por mais de 30 anos, como Presidente Interino, Diretor de Patentes, e chefe do Grupo Técnico de Engenharia Civil. Ele também desempenhou um papel relevante na formulação das regulamentações e diretrizes de exame da Lei nº 9.279/1996. Especialista certificado em PI pela OMPI e pelo PNUD, Beaklini representou o Brasil em delegações da OMPI.

Nuno Pires de Carvalho
Sócio de Licks Attorneys. Foi Diretor da Divisão de Propriedade Intelectual e Política de Concorrência da OMPI por 16 anos, com foco em conhecimentos tradicionais, assistência legislativa e direito de concorrência em PI. Ele também atuou como Conselheiro na OMC, auxiliando países em desenvolvimento na implementação das obrigações do TRIPS. No Brasil, liderou a área de PI da USIMINAS por 20 anos.

Otto Licks
Bacharel em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Internacional e em Propriedade Intelectual pela George Washington University Law School. Sócio do escritório Licks Attorneys.

João Cruz
Advogado. Concentra sua prática em propriedade intelectual, atuando em litígios complexos envolvendo as indústrias farmacêutica e de telecomunicações. Tendo experiência no desenvolvimento de regulamentações junto ao PNUD da ONU, sua prática inclui a consultoria jurídica em concorrência desleal, a interseção entre antitruste e PI, a proteção de dados e relações governamentais.

Carolina Souza
Advogada. Foca sua prática em casos complexos de propriedade intelectual, incluindo consultoria e litígios de patentes para indústrias farmacêutica e de telecomunicações. Sua trajetória acadêmica e profissional é dedicada à construção, manutenção e fortalecimento de conexões legais, políticas, econômicas, financeiras e culturais entre a América Latina e o Leste/Sudeste Asiático, em especial entre o Brasil e a China.

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