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Termo de consentimento livre e esclarecido: O termo fornecido pelo hospital é suficiente para comprovar que o médico cumpriu o seu dever de informar?

A jurisprudência atual reconhece a necessidade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado de maneira específica para cada procedimento médico e para cada paciente, tendo como fundamentação o direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Um termo genérico muitas vezes é reconhecido como contrato de adesão pelos Tribunais, prejudicando a defesa do médico.

3/10/2024

O dever de informar do médico é inerente à relação médico paciente, uma vez que o paciente possui o direito de ser informado sobre seu diagnóstico, tratamentos médicos e exames indicados, bem como seus riscos e benefícios, para que possa decidir aquilo que entenda ser o melhor para si.

Pode-se dizer que o direito à informação do paciente decorre do princípio bioético da autonomia, que, por sua vez, tem respaldo no princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana. Além disso, há previsão expressa do dever de informar no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Ética Médica e na Recomendação 01/2016, do Conselho Federal de Medicina.

De acordo com a Recomendação 01/2016, do Conselho Federal de Medicina:

“Na área da saúde, a dignidade do ser humano, entre outros princípios, encontra efetividade no esclarecimento, por parte do médico, dos procedimentos a que a pessoa se sujeitará, aos quais a pessoa deve dar seu consentimento, livre de qualquer influência ou vício. É o que se convencionou denominar consentimento livre e esclarecido.”

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nada mais é do que o documento capaz de formalizar que a decisão do paciente se deu após ter sido devidamente informado e efetivamente esclarecido a respeito do tratamento, cirurgia, riscos e benefícios.

É de extrema importância que a informação e o esclarecimento fornecidos pelo médico sejam “substancialmente adequados, ou seja, em quantidade e qualidade suficientes para que o paciente possa tomar sua decisão, ciente do que ocorre e das consequências que dela possam decorrer”, conforme preceitua a Recomendação 01/2016, do Conselho Federal de Medicina.

Desta maneira, o Código de Ética Médica, em seu capítulo IV, artigo 22, veda ao médico “deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”.

Considerando a importância do consentimento livre e esclarecido, a autonomia do paciente e a dignidade da pessoa humana, a Recomendação 01/2016, do Conselho Federal de Medicina trouxe orientações sobre a forma da documentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

De acordo com as referidas orientações, o documento deve conter uma descrição clara e objetiva do procedimento, dos seus riscos e benefícios, da duração, dos cuidados posteriores e deve possuir uma linguagem clara. Além disso, também há outras formalidades a serem observadas, dentre as quais a letra de tamanho, no mínimo, 12 (doze).

É preciso salientar que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, além de ser um direito do paciente em respeito a sua autonomia e dignidade da pessoa humana, também é um documento que protege o médico em eventual processo ético-profissional ou processo judicial.

Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - que observou todas as formalidades exigidas e realmente atingiu a sua finalidade de informar e esclarecer devidamente o paciente, tendo conseguido de fato retratar isto no documento – é capaz de demonstrar que o médico cumpriu sua obrigação em eventual reclamação acerca, por exemplo, de um resultado adverso que tenha ocorrido e que não se trate de erro médico.

É preciso salientar a importância de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nos dias atuais. Há decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro condenando o médico ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais em razão da inexistência do referido documento e consequente descumprimento do dever informacional, mesmo em casos nos quais não houve erro médico.

Vejamos decisão proferida recentemente:

“APELAÇÃO CÍVEL/REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. ALEGAÇÃO DE ERRO MÉDICO EM PROCEDIMENTO CIRURGICO. AMPUTAÇÃO DOS DEDOS DO PÉ DIREITO. Verifico que restou incontroverso nos autos que a autora é portadora de diabetes e que a intervenção cirúrgica consistente na amputação do 4o e 5o pododáctilo direito era necessária em decorrência da gangrena apresentada. A autora, em sua inicial, questiona o segundo procedimento cirúrgico a que se submeteu e resultou na amputação do 2o e 3o pododáctilo direito, assim como informa que houve desídia da equipe que a atendeu. Ausência de erro médico nos procedimentos cirúrgicos realizados, confirmado através de laudo pericial. Perícia que verificou erro no prontuário, bem como atestou a ausência do termo de consentimento. Em que pese a autora não tenha sofrido nenhum dano comprovado decorrente das falhas apontadas, o fato é que, o próprio STJ, no que diz respeito à ausência de termo de consentimento, já se manifestou no sentido de que tal omissão configura falha do dever de informar e acarreta em indenização por danos extrapatrimoniais. Redução do quantum indenizatório para R$ 5.000,00. Juros legais a contar da data do evento danoso. Reforma parcial da sentença em remessa necessária. Recurso de apelação conhecido e provido parcialmente. (grifos nossos)

(0068309-41.2018.8.19.0001 - APELAÇÃO – Des (a). MARCELO ALMEIDA - Julgamento:18/02/2020 - DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL)

Por todo o exposto, não é recomendável a utilização pelo médico do Termo fornecido pelo hospital, em razão das especificidades que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deve conter. Isto porque o Termo do hospital é, em regra, genérico e abrangente, não trazendo os requisitos exigidos pela Recomendação 01/2016, do Conselho Federal de Medicina. Portanto, não está apto a cumprir o dever informacional do médico, havendo decisões dos Tribunais neste sentido.

Karla Kiuchi
Advogada Direito Médico. Sócia Fundadora da FEC (Formação em Conselhos), Professora de pós-graduação. Graduada pela PUC-RIO (2006). Pós-graduada em Dir. Médico, CERS e em Compliance, FGV.

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