Sobre o livro Steven Levittsky e Daniel Ziblatt ficaram famosos pelo livro ‘Como as democracias morrem’, publicado pela Zagar em 2018. E a fórmula de matar a democracia, seja por pessoas que se autodeclaram de direita ou de esquerda, obedece sempre a mesma trajetória: pequenas declarações para gerar desconfiança dos procedimentos eleitorais, um grande mal que precisa ser combatido, a negação das instituições de justiça, a criminalização da oposição, entre outros. A arquitetura das ditaduras nós conhecemos bem. Para o ano de 2023, foi publicado o livro "Como salvar a democracia", pela mesma editora. Para os autores o único caminho possível seria uma democracia multirracial, e diante dos desafios econômicos fica claro que os extremismos não vão retroceder.Mas voltando a obra que lhes concedeu notoriedade, tivemos as impressões a seguirA banalização do autoritarismo é o fermento para a queda da democracia. Em geral, políticos tradicionais são aliados nesse processo e quase sempre fazem isso sem sujar as mãos. É importante que os cidadãos estejam sempre vigilantes aos comportamentos antidemocráticos, o que exige preparo e letramento político da sociedade.Como a intolerância política é criada?O livro "Como as Democracias morrem" os autores debatem as diversas estratégias de aferventar a sociedade para a intolerância em relação ao divergente político, ao imigrante, a marcação de racialidade e outras questões sobre a distribuição de privilégios entre os grupos políticos hegemônicos e contra hegemônicos.Os negros americanos passaram seguidos anos impedidos de ter participação efetiva na política até que o marco dos direitos civis e a Lei do Voto de 1964 e 1965 pudessem garantir o acesso. Mas ainda muito precisa ser feito para melhorar o sistema presidencial disfuncional de votação por delegados/distritos.O fato é que independente da orientação ideológica de esquerda ou direita, a tolerância ao opositor se torna cada vez mais marcado por questões diversas como pautas conservadoras e preservação do status econômico de grupos.Obviamente, esses autores americanos foram críticos sobre a trajetória política de Trump e como esse outsider político conseguiu penetrar nas tradicionais estruturas da política americana, marcada por uma invejável capacidade de alternância de poder e debate público.As instituições americanas sempre foram um orgulho de seu povo. Contudo, também têm graves disfunções no âmbito da composição dos votos distritais, da rigidez constitucional exacerbada e de uma marca difícil de ser superada como o racismo escancarado.Nem tão democráticos assim...Os homens e mulheres que lutaram por um país unificado na guerra da Secessão, tiverem suas promessas não cumpridas e sofreram todos as sortes de abusos institucionais (maioria exacerbada no sistema prisional) e violência (KKK). No mais, cada Estado tem seus sistema de cadastro e voto (facultativo lá) e uma imensa sub-representação racial. Além, claro, da exótica política da contagem e representação dos delegados.Erdogan, o mesmo que deu recentemente 2 dias de ‘hotelaria’ para Bolsonaro, é um dos exemplos debatidos e dissecados pelos autores.Porém, a causa econômica consistente no empobrecimento da classe média estadunidense e de outros países desenvolvidos é ignorada pelos autores. A meu ver nesse mundo de horror econômico e da sociedade 20 (utilidade) e 80% (inúteis para a economia e de no máximo consumidores coletivos) podemos ‘anordestinar’: "se a farinha é pouca, meu pirão primeiro".A democracia tem espaço para prosperar quando a situação econômica é favorável, pois diminui as resistências naturais das pessoas que buscam critérios imorais para justificar processos de apropriação econômica e divisão desigual da riqueza coletiva. Isso é capitalismo, termo que em nenhum momento foi debatido ou incluído como critérios de observação e validação da democracia propostos pelos autores.No mais, a hipocrisia da sociedade americana também é um tema muito distante da percepção dos autores: quantos regimes totalitários e desumanos são financiados pela "democracia americana"? E não existe diferença entre republicanos e democratas quanto à dependência econômica da indústria da guerra.Que se danem os outros...No mais muitas vezes os autores falam em americanos nativos (inclusive descentes negros escravizados, italianos, irlandeses, etc.) nascidos em solo americano contra aqueles imigrantes (chicanos e outros). Mas quem é nativo americano são as populações pré-colombianas, ou povos originários, praticamente dizimadas e sem que tenham qualquer proposta de proteção na aclamada Constituição Americana.Gostei muito do livro e considero legítima a preocupação dos autores, como ainda absolutamente louvável seu esforço histórico de analisar o ciclos de autoritarismo no mundo. Esqueceram, no entanto, de estudar as ditaduras latino-americanas, do monstruoso embargo a Cuba, e da negativa de seu país em seguir tratados internacionais sobre proliferação de armas e etc.Os autores se preocuparam em analisar fatos históricos e personalidades que marcaram a política americana. Como o país conseguir por mais de dois séculos transitar no fio tênue da democracia e alternar republicanos e democratas. Todos endogamicamente comprometidos com os benefícios de seu próprio povo, mesmo que a custa de outras civilizações.Faltou a autocrítica aos autores sobre a sustentação econômica dessa democracia tão invejável pelo francês Toqueville: o trabalho operário sem garantias sociais, o trabalho negro, o imigrante e todos os povos vilipendiados pelo império, campeão em intervenções bélicas e venda de armas na África subsariana.Cinema, ‘woke’ e interseccionalidadeAmo cinema, e um filme incrível é o Senhor das Armas, sugiro também a película em preto e branco Waltergate, Boa Noite Boa Sorte. Como os americanos usam o cinema com maestria!?Agora surge o termo ‘Woke’ que pode ser traduzido por "Acordei." Este é o significado literal da palavra ‘woke’, passado do verbo ‘wake’, que significa acordar, despertar.Marcante na campanha de Kamala Harris, é o apelo para a democracia multirracial do império que se desgasta. É moda? Parece? Será que o país governado por uma mulher negra vai agir de forma diversa na geopolítica? Provavelmente não. A forma social racista americana faz com que o negro reproduza o mesmo governo do homem branco, o que na visão de Muniz Sodré, é o aperfeiçoamento máximo da forma racista do ser, para quem nada se diferencia entre um governo branco e o do único presidente negro, Barack Obama.Kamala é mulher e racializada, dois estereótipos de minoria, atravessada para interseccionalidade da opressão.A convenção democrata foi linda. Recheado de estrelas 'engajadas' e contra o homem branco de modos hostis, que representaria o que deve ser evitado, o evento custou milhões de dólares e emocionou o público com discursos inflamados.Porém, alguém acredita que o governo democrata de Kamala diferenciar-se-á tanto de seu opositor Trump?Será que ela terá outro olhar para a atuação do país nas guerras mundo afora, na indústria bélica, na ausência de assistência social e saúde aos seus cidadãos menos favorecidos ou sobre a imigração? Acredito que não.Perguntei-me ao final do livro quanto sangue é necessário ser derramado para a democracia existir? Ou melhor, quanto sangue e roubo serão necessários para salvar o império americano em decadência?Saí sem respostas, mas feliz pelo livro que recomendo, desde que opte por uma análise crítica.
No limiar da democracia: Resenha crítica do livro "Como as democracias morrem"
Steven Levittsky e Daniel Ziblatt ficaram famosos pelo livro ‘Como as democracias morrem’, publicado pela Zagar em 2018. E a fórmula de matar a democracia, seja por pessoas que se autodeclaram de direita ou de esquerda, obedece sempre a mesma trajetória: pequenas declarações para gerar desconfiança dos procedimentos eleitorais, um grande mal que precisa ser combatido, a negação das instituições de justiça, a criminalização da oposição, entre outros.
2/10/2024