Migalhas de Peso

Em busca do próximo pódio: Esporte, política e o protagonismo das pessoas com deficiência

O Brasil brilha nas Paralimpíadas de 2024, mas enfrenta desafios de inclusão e representatividade política de pessoas com deficiência.

27/9/2024

O Comitê Paralímpico Brasileiro traçou uma meta ambiciosa para as Paralimpíadas de Paris 2024: alcançar sua melhor performance na história dos jogos e figurar, pela primeira vez, entre os cinco principais países do mundo – e assim o fez. Com uma atuação brilhante, o Brasil quebrou recordes, conquistou um total de 89 medalhas, 25 delas de ouro, e ficou em quinto lugar no quadro geral, consolidando sua posição entre as maiores potências paralímpicas globais. Em 2024, o país alcançou ainda outro importante recorde: a maior marca de pessoas com deficiência aptas a votar em eleições. Ao todo, mais de 1,4 milhão de eleitores – 25% a mais que em relação ao pleito de 2020 – segundo dados do TSE1.

Apesar do brilho nas arenas esportivas e deste importante índice positivo na esfera eleitoral, neste 21 de setembro, Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, é preciso reforçar que para termos uma sociedade realmente inclusiva é preciso desconstruir preconceitos, reconhecer o potencial e assegurar o exercício de sua participação política.

Mesmo com seus expressivos resultados, as Paralimpíadas ainda não recebem o mesmo prestígio e atenção que os Jogos Olímpicos. O evento ocorre separadamente e sua cobertura midiática tem um alcance limitado. Além disso, desde 2016, temos um centro de treinamento paralímpico brasileiro, o principal espaço de excelência de esportes de alto rendimento da América Latina e um dos melhores do mundo – mas muitos desconhecem sua existência, e o investimento que foi necessário para construir uma infraestrutura de alto rendimento como essa. Localizado em São Paulo, possui instalações para treinamentos, competições e intercâmbios de atletas e seleções em diversas modalidades paralímpicas. É também onde funciona a sede administrativa do Comitê Paralímpico Brasileiro, que tem impactado a vida de atletas e gerado interesse pelas práticas paradesportivas. Mas poucos sabem disso. Às Paralimpíadas se relega um papel secundário, sem a mesma mobilização e comoção social que o evento principal. Mas por quê?

Quando o assunto é representatividade das pessoas com deficiência em espaços políticos são outros os desafios. O aumento do número de eleitores com deficiência é sem dúvida positivo, mas vem acompanhado de preocupações quanto à garantia de acessibilidade em todo o país para que eles possam exercer o seu direito ao voto em igualdade de condições2. O cenário das eleições de 2024 revela um retrocesso do número de candidatos com deficiência: em números absolutos, o total de candidatos com deficiência caiu de 6.657, em 2020, para 4.936 este ano – uma queda de 26%, segundo dados do TSE.

Há ainda significativa disparidade de gênero entre os candidatos com deficiência: 71,52% do total são homens, enquanto as mulheres somam apenas 28,48%, também segundo o TSE. Esses números ilustram o que já sabemos: mulheres com deficiência enfrentam desafios ainda maiores e na luta por igualdade e representatividade deve-se considerar as diversas interseccionalidades, como deficiência, gênero e raça, e suas implicações no acesso e exercício de direitos.

No campo da participação política internacional, o Brasil se vê diante de uma oportunidade significativa de avançar nas discussões sobre inclusão, com sua presidência no G20 em 2024. Pessoas com deficiência e suas organizações, lideranças e outros atores da sociedade civil estão mobilizados para levar a temática da deficiência às discussões do grupo. Mas esse esforço não se limita ao G20. Há outros palcos relevantes no cenário internacional, como a Cúpula das Américas e a Global Disability Summit.

Mais que uma questão de justiça, a representatividade e a liderança de pessoas com deficiência nesses debates são fundamentais para a criação de diretrizes globais e de compromissos que considerem as suas demandas. É também essencial para reforçar o compromisso do nosso país com a construção de uma sociedade mais equitativa e inclusiva, em que a diversidade seja um valor central e onde as decisões políticas sejam moldadas por vozes plurais.

Para além dos grandes feitos esportivos, as pessoas com deficiência precisam estar nas primeiras posições nos processos políticos, definindo rumos e fomentando soluções para questões relevantes que impactam suas vidas e de toda a comunidade. É dever da sociedade assegurar meios e espaços para que as pessoas com deficiência possam exercer seu protagonismo.

O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência não é apenas uma data comemorativa. É dia para celebrar conquistas, mas também um chamado à conscientização e à ação. Avançar na construção de políticas públicas e legislação que invistam e promovam a inclusão em todas as esferas da vida é essencial.

É hora de traçar novas metas ambiciosas e garantir que pessoas com deficiência ocupem os pódios políticos e quebrem novos recordes nos mais altos níveis de liderança e poder.

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1 https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Agosto/mais-de-1-4-milhao-de-eleitoras-e-eleitores-com-deficiencia-estao-aptos-a-votar-em-2024

2 https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/09/10/voltei-para-casa-sem-votar-eleitorado-com-deficiencia-bate-recorde-mas-acessibilidade-nas-secoes-ainda-e-desafio.ghtml

Stella Camlot Reicher
Sócia do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Mestre em Direitos Humanos pela USP. Participou da elaboração do relatório da sociedade civil brasileira para o Comitê da ONU de Monitoramento da Convenção em 2015.

Laís de Figueirêdo Lopes
Advogada, Doutoranda em Direito Público pela Universidade de Coimbra, Mestre em Direitos Humanos pela PUC/SP e Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Integra o Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a Coordenação da Frente Jurídica da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva. Foi Conselheira do Conade - Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência representando o Conselho Federal da OAB, de 2006 a 2011, e Ex-Assessora Especial do Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, de 2011 a 2016. Participou do comitê ad hoc de elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU de 2005 a 2006, e do processo de ratificação no Brasil de 2007 a 2009.

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